Corporação permite que
anunciantes confundam internautas, direcionando buscas a rumos opostos aos
desejados. Desvio funciona em eleições, campanhas e atitudes. Em tempo de
Cambridge Analytica, portas abertas para a fraude
Patrick Berlinquette | Outras
Palavras | Tradução: Simone Paz
Kevin Hines tinha só um
pensamento, enquanto despencava no Oceano Pacífico: posso mudar tudo na
minha vida, menos o fato de que eu acabei de pular da ponte Golden Gate. “Uma
frase poderia ter me impedido de fazer aquilo”, escreveu Kevin.
“Se qualquer um das centenas de transeuntes tivesse se envolvido comigo, isso…
provavelmente teria me mostrado que eu tinha a capacidade de escolher a vida”.
Ninguém impediu Kevin de tentar
se matar. Uma propaganda do Google teria feito o mesmo?
Os publicitários do Google, como
eu, sobrevivemos explorando sua impaciência e impulsividade (leia a Parte
2 deste texto). Precisamos estar a postos para lhe oferecer um anúncio
em seu “micro-momento” — aquele segundo em que você usa o telefone para aliviar
o desconforto causado por lhe faltar algo naquele instante. Cada um de nós tem
cerca de 150 micro-momentos por dia.
Um anúncio oportuno no Google
encaminhará as palavras-chave do seu micro-momento a algum site relevante. Mas,
algumas propagandas fornecem contra-mensagens, ou destinos alternativos que vão
contra as suas palavras de pesquisa. Eles são chamados de “anúncios
redirecionados” (consulte a Parte
3).
Com o redirecionamento, os
profissionais do marketing desviam sua carência — que é monetizável. Mas nós
também podemos desviar coisas maiores: suas crenças, convicções e ideologia. Há
anunciantes na indústria do marketing digital que querem descobrir quão efetiva
é esta nova forma de engenharia social. Um desses anunciantes é o próprio
Google.
Depois de o Google ter usado
anúncios redirecionados para influenciar a ideologia de simpatizantes do ISIS,
eles os usaram para influenciar
a extrema direita. Logo, o Google construiu um roteiro. Ele ensina, passo
a passo, como criar seus próprios anúncios de redirecionamento para influenciar
qualquer crença ou opinião — de qualquer usuário do em qualquer lugar do mundo
— à sua escolha.
Você não precisa ser um
marketeiro com anos de experiência para conseguir fazer isso. Você só precisa
seguir as instruções e usar um cartão de crédito (poucas centenas de dólares
dão conta do recado). Há algum tempo, segui o manual e criei uma campanha de
redirecionamento.
O primeiro passo foi identificar
o problema que eu queria abordar. Pensei no Kevin Hines e em como seu destino
poderia ter sido outro se telefones com anúncios do Google existissem nos anos
2000, quando ele tentou tirar a própria vida.
Será que Kevin poderia ter sido
redirecionado? Será que ele teria sido persuadido a não pular, graças a umas
poucas frases de anúncio e um site convincente? Me perguntei se eu conseguiria
redirecionar o próximo Kevin Hines. O objetivo de minha primeira campanha de
redirecionamento era o de modificar a intenção das pessoas suicidas.
O problema que minha campanha
tentava resolver denominava-se: “Suicidas têm baixa assistência no Google”. Em
2010, o Google começou a mostrar a Linha Direta Nacional de
Prevenção ao Suicídio como primeiro resultado nas buscas relacionadas
com suicídio. Também, impediu que o sistema de preenchimento automático
completasse as buscas que sugeriam atitudes suicidas.
O ponto fraco da iniciativa do
Google é que não há combinações suficientes de pesquisas que acionem a Linha
Direta. Uma pesquisa por “sou
suicida” levará a ela. Mas uma pesquisa por “eu vou acabar com tudo”, nem
sempre. “Eu pretendo morrer” nunca. Muitas pesquisas mais abrangentes não
acionam a Linha Direta.
Eu esperava que minha campanha de
redirecionamento pudesse preencher a lacuna do algoritmo anti-suicídio do
Google. Eu mediria o sucesso pelo número de pesquisadores suicidas que
clicassem no meu anúncio e ligassem para o número em meu site, que, por sua
vez, encaminhava para a Linha Direta Nacional de Prevenção ao Suicídio.
Nove dias depois, os anúncios
foram aceitos pelo Google. Meu anúncio era, nos EUA, o primeiro resultado a
aparecer quando alguém pesquisava com intenção de se suicidar. Eu também
mostrava anúncios específicos para os suicidas localizados fisicamente perto da
ponte Golden Gate.
Aproximadamente, uma em cada três
pessoas que clicavam meu anúncio ativavam a Linha Direta, uma taxa de conversão
de 28%. A taxa média de conversão do Anúncios Google é de 4%.
A taxa de conversão de 28% foi
alcançada na primeira semana. Descontando as pessoas que pensaram que eu
estaria associado à Linha Direta, ou que não leram o anúncio, ou que não
falavam o idioma do meu site, a taxa é ainda maior. Isso sugere que há
necessidades não atendidas no espaço dos anúncios.
Após meu esforço de dissuasão
acabar, fiz outra campanha de redirecionamento, com foco nos estadunidenses que
contam ao Google sua intenção de disparar armas, em uma escola, ou cometer atos
de terrorismo.
Assim como a campanha de
dissuasão do suicídio, estes anúncios conectavam os internautas a um site com
uma linha direta para momentos de crise. Os possíveis atiradores de escolas
eram atraídos pelo meu anúncio, mas as taxas de conversão foram baixas. Os
potenciais terroristas eram relutantes a falar com alguém.
O Google permitiu que
administrasse os anúncios sem questionar nada. Parecia não se importar com a
linguagem utilizada em meu site, nem com o telefone que eu fornecia para
direcionar as pessoas. Não houve nenhum processo de veto para me tornar um
redirecionador. Não precisei de qualificação alguma para ser um condutor dos
destinos das pessoas. Eu esperava que meus anúncios fossem rejeitados, mas não
foram.
Em cada busca realizada por um
norte-americano suicida, eu tinha acesso às palavras exatas que a pessoa tinha
digitado no Google antes de clicar em meu anúncio. E qualquer pessoa que fizer
campanhas seguindo o roteiro, terá acesso às mesmas coisas. É um espelho de
mão-única, para adentrar a psique dos internautas.
Os dados dos cliques podem ser
usados de forma nociva por um redirecionador com más intenções. Se os
redirecionadores conseguem iludir simpatizantes do ISIS, também podem treinar
atiradores de escolas. Um redirecionador que use um serviço de encaminhamento
de chamadas (por 30 dólares ao mês, através de programas como o Callrail) pode vincular-se a terroristas
com ideias semelhantes, tendo as chamadas de cliques direcionadas para seus
telefones.
Outro exemplo: um redirecionador
cria uma campanha para dissuadir viciados em analgésicos de experimentar
heroína. O redirecionador foca em palavras-chave como “vou experimentar
heroína”. Seu anúncio e sua página encorajam o cibernauta a ligar para uma
linha direta de atenção ao abuso de estupefacientes. Mas a ligação pode também
encaminhar o viciado para o telefone do redirecionador. No telefone, o dono do
anúncio convence o internauta viciado a comprar a sua heroína. (Eu fiz um
experimento com uma campanha assim, e vi buscas de estadunidenses que
perguntavam ao Google onde comprar, como preparar, como usar e se experimentar
ou não a heroína. Não houve nenhum tipo de controle sobre o número de telefone
para o qual meu site encaminhava).
Com a campanha do ISIS, o Google
determinou o que seria uma visão de mundo destrutiva radical; quem parecia ter
essas opiniões; quem poderia ter direito a vê-las. Não se trata de ser crítico
frente a iniciativas que barram o extremismo. Mas o território da engenharia
social é uma ladeira escorregadia. O padrão do que precisa ser
“desradicalizado” é ajustável.
Usando o roteiro do Google,
qualquer um pode acessar ferramentas precisas para segmentação da plataforma e
redirecionamento dos anúncios e ajudar a promover sua própria agenda. Por
exemplo, influenciando as convicções políticas das pessoas durante uma eleição.
Aqueles que sofrem o peso desse
abuso não são só os impacientes e impulsivos. (Como lemos na Parte
1, mais de 50% das pessoas ainda não consegue diferenciar um anúncio —
redirecionado ou não — de um resultado orgânico no Google).
O que as pessoas precisam é de um
roteiro de como usar o Google de forma defensiva. Mas isso não ocorrerá enquanto
os lucros dos anúncios estiverem ligados à exploração de seus micro-momentos.
Na próxima (e última) parte desta
série, mostrarei o roteiro.
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LEIA TAMBÉM, NESTA SÉRIE, em Outras Palavras:
Parte 1: Google, ou o consumismo no século XXI
Parte 2: Medo, angústia e solidão no marketing via Google
Parte 3: O método do Google para enganar você
Parte 1: Google, ou o consumismo no século XXI
Parte 2: Medo, angústia e solidão no marketing via Google
Parte 3: O método do Google para enganar você
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