Resenha de The Economics of Military Spending, A Marxist Perspective ,
de Adem Yavuz Elveren, Routledge, 2019
Michael Roberts [*]
O Instituto Watson para Assuntos
Públicos e Internacionais, da Universidade Brown, publicou na semana passada o
seu relatório anual "Costs of War" . Este
refere-se aos custos de guerra apenas para os EUA. O relatório leva em
consideração os gastos do Pentágono e sua conta Overseas Contingency
Operations, bem como "gastos relacionados à guerra pelo Departamento
de Estado, gastos passados e obrigatórios para cuidar dos veteranos de guerra,
juros sobre a dívida contraída para pagar guerras e prevenção e resposta ao
terrorismo pelo Departamento de Segurança Interna". A contagem final
revelou: "Os Estados Unidos apropriaram-se e são obrigados a gastar
cerca de US$5,9 milhões de milhões (em dólares actuais) na guerra ao terror ao
longo do ano fiscal de 2019, incluindo guerra directa e gastos e obrigações
futuras de gastos com veteranos de guerra após o 11 de Setembro".
O relatório constatou que "as forças armadas dos EUA efectuam actividades anti-terroristas em 76 países, ou cerca de 39% das nações do mundo, expandindo amplamente [sua missão] por todo o globo". Além disso, estas operações "foram acompanhadas por violações dos direitos humanos e liberdades civis, nos EUA e no exterior. " Na generalidade, os investigadores estimaram que "entre 480 mil e 507 mil pessoas foram mortas nas guerras dos Estados Unidos após o 11 de Setembro no Iraque, Afeganistão e Paquistão. Este "número de mortos "não inclui as mais de 500 mil mortes da guerra na Síria, que a devasta desde 2011", quando um levantamento jihadista apoiado pelo Ocidente desafiou o governo, um aliado da Rússia e do Irão. Naquele mesmo ano, a aliança militar ocidental da NATO liderada pelos EUA interveio na Líbia e ajudou os insurgentes a derrubarem o antigo líder Muammar el-Kadafi, deixando a nação num estado de guerra civil contínua.
O relatório constatou que "as forças armadas dos EUA efectuam actividades anti-terroristas em 76 países, ou cerca de 39% das nações do mundo, expandindo amplamente [sua missão] por todo o globo". Além disso, estas operações "foram acompanhadas por violações dos direitos humanos e liberdades civis, nos EUA e no exterior. " Na generalidade, os investigadores estimaram que "entre 480 mil e 507 mil pessoas foram mortas nas guerras dos Estados Unidos após o 11 de Setembro no Iraque, Afeganistão e Paquistão. Este "número de mortos "não inclui as mais de 500 mil mortes da guerra na Síria, que a devasta desde 2011", quando um levantamento jihadista apoiado pelo Ocidente desafiou o governo, um aliado da Rússia e do Irão. Naquele mesmo ano, a aliança militar ocidental da NATO liderada pelos EUA interveio na Líbia e ajudou os insurgentes a derrubarem o antigo líder Muammar el-Kadafi, deixando a nação num estado de guerra civil contínua.
Mas são elas benéficas para a economia capitalista? Esta é uma outra questão. Muitas vezes, as guerras são vistas como necessárias por governos e políticos a fim de preservar o controle do poder capitalista sobre recursos, terras, lucros etc. E sempre são retratadas pelos governos belicistas como necessárias para "salvar a nação" ou "defender nosso modo de vida". Mas será que as guerras e os gastos militares que as acompanham são um custo necessário a deduzir dos lucros do capital ou, em alternativa, uma promoção adicional para ganhar dinheiro? Esta questão tem sido discutida e analisada nos últimos 150 anos por estrategas capitalistas e teóricos marxistas desde Engels até Lenine e Luxemburgo e até o século XX.
Entretanto, os custos dos gastos militares têm diminuído para a maioria dos governos capitalistas desde o final da chamada "guerra-fria" com a União Soviética. Assim, o interesse em saber se os gastos com armas e as guerras são benéficos ou prejudiciais ao capitalismo também diminuiu. Uma perspectiva marxista sobre a teoria económica dos gastos militares tem sido muito negligenciada – até agora.
Adem Yavuz Elveren, professor associado da Universidade Estadual de Fitchburg, nos EUA, agora rectificou essa omissão com seu novo livro, simplesmente intitulado The Economics of Military Spending (A teoria económica dos gastos militares). Como um pioneiro anterior em tais análises, Ron Smith, da Universidade Birkbeck, afirma no seu prefácio, Elveren "examina a interacção das despesas militares e a taxa de lucro e a sua contribuição para as crises capitalistas. Ele não só redirecciona a atenção para uma literatura antiga cada vez mais relevante, como também faz uma contribuição teórica e empírica original para a análise". O livro combina análise teórica com investigações econométricas detalhadas para 30 países ao longo dos últimos 60 anos.
Na minha opinião, a abordagem de Elveren está no caminho certo para fazer economia política ou ciência social marxista. A análise económica convencional está encaixada em modelos de micro-fundações ou gera estudos puramente econométricos baseados em suposições irrealistas – ou ambas. E, infelizmente, a maior parte das análises económicas marxistas atem-se à dissecação do significado dos escritos de Marx tal como desenterrados e traduzidos do MEGA ou com argumentos académicos esotéricos acerca da "lógica do capital". Apesar de a teoria ser importante, ela deve ser testada por evidências empíricas ou será inútil . E muito pouco da análise marxista do capitalismo faz isso. Por exemplo, não estou convencido do argumento de que, como há crises regulares e recorrentes na produção capitalista, isso prova que o capitalismo é um sistema falhado. E isso é tudo o que precisamos saber. Não precisamos produzir dados empíricos para mostrar isso. Mas, certamente, a evidência empírica é essencial; caso contrário, não podemos mostrar as causas dessas crises regulares e, além disso, se a própria explicação de Marx (pois há outras) é a mais convincente.
Não se pode acusar o livro de Elveren de deixar de fornecer uma explicação teórica e empírica quanto ao papel dos gastos militares no capitalismo. Elveren parte correctamente da afirmação básica de Marx de que "a força motriz do capitalismo é o lucro". E, assim, o livro "posiciona-se na confluência da teoria económica da defesa e da teoria económica marxista, examinando o efeito do gasto militar (military expenditure, milex) sobre a taxa de lucro", um indicador da saúde de uma economia capitalista".
A partir desta perspectiva, Elveren leva o leitor através de uma breve história de gastos militares e seus efeitos económicos aparentes. Em seguida, ele considera vários modelos de crescimento económico que conectam os gastos militares. Ele trata da teoria do "keynesianismo militar", popularmente apresentada como uma explicação para o rápido crescimento e o pleno emprego no período pós-guerra, a chamada era de ouro do capitalismo do século XX. E então entra na essência da discussão, analisando as várias versões da teoria das crises capitalistas apresentadas sob a bandeira marxista.
Os capítulos 4 e 5 são excelentes investigações de várias teorias marxistas das crises desde o subconsumo, a redução do lucro e a lei de Marx da tendência da queda da taxa de lucro. Ele habilmente lida com a visão de Luxemburgo sobre o imperialismo e os gastos militares, bem como a tese de Baran-Sweezy sobre gastos militares compensando um capitalismo monopolista estagnado – e a chamada ideia de economia de 'armas permanentes' promovida por Michael Kidron no período pós-guerra, de que o capitalismo pode evitar crises através do milex. Se o leitor quiser adquirir conhecimento de todas estas teorias de milex e de crises sem palavreado e confusão, ele ou ela não podem fazer nada melhor do que ler Elveren.
Tenho algumas ressalvas. Elveren parece aceitar a visão revisionista de Michael Heinrich de que Marx abandonou sua lei da queda tendencial da taxa de lucro a partir da década de 1870 em diante. Heinrich argumenta que a lei é errada e irrelevante para entender a causa das crises. Discordo e pode ler mais sobre este debate aqui . Mas a visão de Elveren é que "o argumento de Heinrich parece plausível"; que Marx abandonou a ideia de que a taxa de lucro deve cair ao longo do tempo (nomeadamente que a lei é uma tendência que acabará por superar contra-tendências). Em vez disso, a queda na taxa de lucro se torna puramente contingente e, portanto, se ela cai é apenas "uma questão empírica".
Embora eu discorde desta conclusão, porque Elveren vê a lei como uma questão empírica, ele pode contribuir para a sua análise empírica (ao contrário de Heinrich e outros). Elveren tem pleno conhecimento de todo o trabalho empírico feito anteriormente sobre a medição da taxa de lucro nos EUA e alhures e é com base nisso que ele analisa se o milex tenderá a aumentar ou reduzir a taxa de lucro e como isso afecta a economia capitalista no curto e no longo prazo.
A questão teórica em debate na economia política marxista é se a produção de armas é produtiva de valor. A resposta é que ela deve ser para os produtores de armas. Os fornecedores de armas entregam bens (armas) que são pagas pelo governo através da apropriação de valor (presente ou futuro). Estes bens são novos valores de uso que foram fabricados sob condições capitalistas de produção. O trabalho que os produz, portanto, é produtivo de valor e de mais-valia.
Mas, ao nível de toda a economia, a produção de armas é improdutiva de valor futuro , do mesmo modo como os "bens de luxo" apenas para o consumo capitalista. A produção de armas e de bens de luxo não retornam ao próximo processo de produção como meio de produção ou como meio de subsistência para a classe trabalhadora. Apesar de ser produtiva de mais-valia para os capitalistas das armas, a produção de armamento não é reprodutiva e, portanto, ameaça a reprodução do capital. A produção de armas restringe o volume de valores de uso que podem ser empregados para fins reprodutivos. Assim, se o aumento na produção geral de valor excedente numa economia desacelerar e a lucratividade do capital produtivo começar a cair, reduzir a mais-valia disponível para investimentos futuros através do milex pode prejudicar a saúde do processo de acumulação capitalista.
Mas o resultado depende do efeito sobre a lucratividade do capital. O sector militar geralmente tem uma composição orgânica do capital mais elevada que a média de uma economia pois incorpora tecnologias de ponta. Assim, o sector tenderia a reduzir a taxa média de lucro. Por outro lado, se os impostos arrecadados pelo Estado para pagar pela fabricação de armas forem altos, a riqueza que de outra forma seria destinada ao trabalho é distribuída ao capital e, portanto, pode acrescentar-se ao valor excedente disponível. Para que lado vai ela?
Para ajudar a responder a esta pergunta, Elveren oferece ao leitor um modelo de circuito do capital que inclui o sector militar com base no modelo desenvolvido por Duncan Foley. Mas a pergunta só pode ser respondida empiricamente. E é o que Elveren faz na parte final de seu livro. Ele realiza um estudo empírico detalhado para medir o impacto do milex contra o movimento na taxa de lucro sobre o capital na maior parte das economias capitalistas. Trata-se de um estudo muito mais extenso do que qualquer outro anterior. Elveren utiliza as Extended Penn World Tables (Tabelas Mundiais da Penn Ampliadas) e as Tabelas Mundiais da Penn para seus dados entre países, como eu fiz para medir uma taxa de lucro mundial e taxas de lucro em países individuais . Como ele destaca, e como sei demasiado bem, existem muitos problemas técnicos com esses bancos de dados e com as definições e suposições utilizadas. Mas é o melhor que temos.
Usando suas qualificações econométricas, Elveren mostra que, na generalidade (de 1963 a 2008), o milex teve um efeito positivo nas taxas de lucro nos países capitalistas, mas teve um efeito negativo num período de tempo mais curto – o chamado período neoliberal a partir de 1980. Parece que o milex ajudou a sustentar a lucratividade durante a grande crise de rentabilidade que começou em meados da década de 1960 até o início da década de 1980, mas depois disso, a milex agiu contra a lucratividade geral num período em que as taxas de lucro estavam em ascensão.
Elveren apresenta uma tentativa de explicação: "Isto pode ser devido à mudança na estrutura das principais economias da era neoliberal. Com a ascensão do sector financeiro e da classe rentista, a crescente parcela dos lucros auferidos pelas empresas começou a ser usada para pagamentos de juros, dividendos e outras despesas improdutivas, fazendo com que uma fracção menor de lucro fosse investida em stock de capital". Esta explicação pode ser demasiado simples, tendo em mente o trabalho de Campbell, Bakir e meu próprio – ver meu post recente .
Mas de qualquer forma, parece que os sectores produtivos das economias capitalistas tinham valor excedente insuficiente para investir ao ritmo anterior, à medida que os capitalistas mudavam para a especulação financeira onde a lucratividade era mais alta. Os gastos militares tornaram-se então mais um ponto negativo. O milex pode ter tido um efeito levemente positivo nas taxas de lucro nos países exportadores de armas, mas não nos importadores das mesmas. Nestes últimos, o milex constituiu uma dedução dos lucros disponíveis para o investimento produtivo.
Durante o período 1963-2008, Elveren descobre que o milex, como um estimulante para a acumulação de capital (com sua tecnologia de alto nível), foi levemente positivo nos EUA, mas em outros países importantes teve um efeito negativo, especialmente naqueles países que importavam suas armas. Em todos os países, o milex foi prejudicial para o emprego como um todo, pois o sector de armas utilizava em média menos mão-de-obra. Assim, o milex pode por vezes ajudar a taxa de lucro do capital, mas o lado inverso é que o milex aumentará o "exército de reserva do trabalho". E, como acrescenta Elveren, "o efeito do milex pode mudar em diferentes níveis da taxa de lucro".
Assim, o trabalho empírico de Elveren parece corroborar a visão marxista do papel dos gastos militares numa economia capitalista. Pode agir para reduzir a taxa de lucro do capital e, portanto, sobre o crescimento económico, como ocorreu no período neoliberal, quando o investimento e o crescimento económico diminuíram. Mas também pode ajudar a promover a taxa de lucro através da redistribuição de valor do Estado do trabalho para o capital, quando o trabalho é forçado a pagar mais em impostos, ou o estado toma mais empréstimos, a fim de promover o investimento e a produção no sector militar.
No esquema de coisas mais vasto,
o milex não é decisivo para a saúde da economia capitalista. No auge, sua
participação no PIB atingiu uma média de 13%. Mas isso foi devido à guerra da
Coreia. Mesmo durante o período da Guerra-fria, essa participação caiu para a
metade, para cerca de 6% do PIB. Com o colapso da União Soviética, os gastos
militares nas principais potências imperialistas voltaram a cair para 3%. A
Milex não vai decidir o futuro do capital, de um modo ou de outro. Mas, graças
ao trabalho de Elveren, temos uma imagem muito mais clara da economia da guerra
e dos gastos militares sob os horrores de seus resultados.
18/Novembro/2019
O original encontra-se em thenextrecession.wordpress.com/2019/11/18/milex-and-the-rate-of-profit/
Esta resenha encontra-se em https://resistir.info/
Esta resenha encontra-se em https://resistir.info/
Gráficos no original e em Resistir.info
Sem comentários:
Enviar um comentário