sexta-feira, 15 de novembro de 2019

Extrema-direita cresce na UE. Uma explicação sobre a extrema-esquerda


Sete breves exemplos da aparente “retórica reconfortante” da extrema-direita e uma explicação sobre a extrema-esquerda

Com a eleição de 52 deputados pelo partido Vox em Espanha e de um pelo Chega em Portugal, a Península Ibérica já pertence, em definitivo, ao clube da extrema-direita europeia. Neste momento, Irlanda, Luxemburgo e Malta são os únicos países do continente sem deputados desse quadrante. O caso espanhol é paradigmático daquilo que pode ser uma ascensão meteórica de um partido de extrema-direita: em pouco mais de meio ano, o Vox mais do que duplicou o número de assentos parlamentares.

“As dúvidas sobre o liberalismo vieram para ficar. O apoio a partidos virados para dentro também vai crescer”, prognostica a jurista e académica búlgara Radosveta Vassileva. “A principal semelhança entre todos estes partidos é que oferecem um sentimento de orgulho e soluções fáceis”, o que “pode ser reconfortante em tempos difíceis”, conta ao Expresso.

“EXTREMA-DIREITA EM ASCENSÃO EM QUASE TODO O LADO”

O mapa reproduzido acima é ilustrativo do avanço da extrema-direita na Europa, com graus diferentes de afirmação e participação nas decisões políticas dos respetivos países. “A extrema-direita está em ascensão em quase todo o lado – partindo de Espanha, passando por França, Áustria, Hungria até ao extremo leste da União Europeia (UE), como a Bulgária”, descreve Vassileva.

“A principal semelhança entre todos estes partidos é que jogam com os sentimentos de deceção das pessoas e aproveitam-se disso. Eles oferecem um sentimento de orgulho (‘somos o melhor país’) e soluções fáceis (‘estamos melhor sozinhos’) quando a economia está a dar problemas. Esta retórica pode ser reconfortante em tempos difíceis”, prossegue.

E quais são as diferenças? “Observo uma gama de respostas quando se trata de xenofobia e racismo. Nalguns países, a extrema-direita é bastante extrema relativamente à imigração, como em França e na Áustria. Noutros, o ódio é dirigido a minorias há muito reconhecidas e que fazem parte do país, como na Bulgária”, distingue a académica.



Vamos a alguns exemplos:

1. ALEMANHA

O Alternativa para a Alemanha (AfD) entrou no Parlamento federal pela primeira vez em 2017 e logo com o estatuto de maior partido da oposição na Alemanha. Em grande medida, a sua popularidade deve-se à entrada de mais de um milhão de migrantes no país, autorizada pela chanceler Angela Merkel. Neste momento, o AfD está representado em todos os Parlamentos estaduais.

2. ÁUSTRIA

Em 2017, o Partido da Liberdade da Áustria (FPÖ) estreou-se como a primeira força política de extrema-direita na Europa Ocidental quando se coligou com o Partido Popular Austríaco, do chanceler Sebastian Kurz. Após a revelação de um escândalo de ligações à Rússia, que envolveu o presidente do FPÖ e o líder do grupo parlamentar, o apoio ao partido acabou por se estatelar nos 16% nas eleições de setembro.

3. FINLÂNDIA

Nas eleições de abril, o Partido dos Finlandeses não foi o mais votado por uma curtíssima margem, ficando a pouco mais de 0,2% do Partido Social-Democrata. A oposição à imigração e a rejeição de políticas ambiciosas de combate às alterações climáticas são as suas principais bandeiras.

4. FRANÇA

Apesar dos esforços de Marine Le Pen de tornar a sua Frente Nacional mais próxima do mainstream, ela acabou derrotada por Emmanuel Macron nas eleições presidenciais de 2017. Após um desempenho nas legislativas que também ficou aquém das suas expectativas, o partido tenta recuperar os triunfos de outrora com uma imagem mais apresentável e um novo nome: Reunião Nacional.

5. HUNGRIA

O primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, garantiu um terceiro mandato com uma vitória esmagadora nas eleições do ano passado. Defensor autoproclamado da Hungria e da Europa contra os migrantes muçulmanos, Orbán tem insistido no discurso do alegado risco de uma Europa sem identidade. Em março deste ano, o Partido Popular Europeu suspendeu o partido de Orbán, o Fidesz, por causa das suas posições antagónicas relativamente aos valores fundacionais da UE.

6. ITÁLIA

O líder da Liga e antigo vice-primeiro-ministro italiano, Matteo Salvini, viu a sua estratégia sair-lhe furada ao forçar novas eleições em agosto. O seu parceiro de coligação, o Movimento 5 Estrelas, acabou por lhe virar as costas e formar um Governo de coligação com o Partido Democrático. Enquanto ministro do Interior, Salvini defendeu acerrimamente uma política anti-imigração, que impediu navios de resgate de migrantes de atracarem nos portos italianos.

7. POLÓNIA

Nas eleições de outubro, o partido Lei e Justiça (PiS) conseguiu uma segunda maioria absoluta consecutiva. Liderado por Jarosław Kaczyński, um veterano ativista anticomunista, o PiS tem feito alterações profundas no sistema judicial do país que já mereceram reparos da Comissão Europeia.

E A EXTREMA-ESQUERDA?

Feita a ronda por alguns dos principais focos da extrema-direita na Europa, importa perguntar por que motivo a extrema-esquerda não tem uma implantação semelhante. “Acredito que a explicação principal sejam o tempo, o ano de 1989 e as lições que tirámos dele. As gerações que experimentaram o comunismo estão no seu auge ou mais além, e é-lhes doloroso viver com essa memória”, refere Radosveta Vassileva.

“Muitos analistas modernos têm-se concentrado em explicar os problemas com o comunismo e as suas repercussões no leste europeu e na Rússia. O comunismo continua a ser um objeto de estudo para politólogos. Em contraste, a memória do fascismo tem-se desvanecido e é um objeto de estudo sobretudo para historiadores. Isto torna mais fácil para os políticos confundirem e brincarem com ideias fascistas”, conclui a jurista e académica búlgara.

Hélder Gomes / Carlos Esteves | Expresso

Imagens: 1 - Aleksander Kalka / Nurphoto / Getty Images; 2 - Google

*Título PG

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