Sete breves exemplos da aparente
“retórica reconfortante” da extrema-direita e uma explicação sobre a
extrema-esquerda
Com a eleição de 52 deputados
pelo partido Vox em Espanha e de um pelo Chega em Portugal, a Península Ibérica
já pertence, em definitivo, ao clube da extrema-direita europeia. Neste
momento, Irlanda, Luxemburgo e Malta são os únicos países do continente sem
deputados desse quadrante. O caso espanhol é paradigmático daquilo que pode ser
uma ascensão meteórica de um partido de extrema-direita: em pouco mais de meio
ano, o Vox mais do que duplicou o número de assentos parlamentares.
“As dúvidas sobre o liberalismo
vieram para ficar. O apoio a partidos virados para dentro também vai crescer”,
prognostica a jurista e académica búlgara Radosveta Vassileva. “A principal
semelhança entre todos estes partidos é que oferecem um sentimento de orgulho e
soluções fáceis”, o que “pode ser reconfortante em tempos difíceis”, conta ao
Expresso.
“EXTREMA-DIREITA EM ASCENSÃO EM
QUASE TODO O LADO”
O mapa reproduzido acima é
ilustrativo do avanço da extrema-direita na Europa, com graus diferentes de afirmação
e participação nas decisões políticas dos respetivos países. “A extrema-direita
está em ascensão em quase todo o lado – partindo de Espanha, passando por
França, Áustria, Hungria até ao extremo leste da União Europeia (UE), como a
Bulgária”, descreve Vassileva.
“A principal semelhança entre
todos estes partidos é que jogam com os sentimentos de deceção das pessoas e
aproveitam-se disso. Eles oferecem um sentimento de orgulho (‘somos o melhor
país’) e soluções fáceis (‘estamos melhor sozinhos’) quando a economia está a
dar problemas. Esta retórica pode ser reconfortante em tempos difíceis”,
prossegue.
E quais são as diferenças?
“Observo uma gama de respostas quando se trata de xenofobia e racismo. Nalguns
países, a extrema-direita é bastante extrema relativamente à imigração, como em
França e na Áustria. Noutros, o ódio é dirigido a minorias há muito
reconhecidas e que fazem parte do país, como na Bulgária”, distingue a
académica.
Vamos a alguns exemplos:
1. ALEMANHA
O Alternativa para a Alemanha
(AfD) entrou no Parlamento federal pela primeira vez em 2017 e logo com o
estatuto de maior partido da oposição na Alemanha. Em grande medida, a sua
popularidade deve-se à entrada de mais de um milhão de migrantes no país,
autorizada pela chanceler Angela Merkel. Neste momento, o AfD está representado
em todos os Parlamentos estaduais.
2. ÁUSTRIA
Em 2017, o Partido da Liberdade
da Áustria (FPÖ) estreou-se como a primeira força política de extrema-direita
na Europa Ocidental quando se coligou com o Partido Popular Austríaco, do
chanceler Sebastian Kurz. Após a revelação de um escândalo de ligações à
Rússia, que envolveu o presidente do FPÖ e o líder do grupo parlamentar, o
apoio ao partido acabou por se estatelar nos 16% nas eleições de setembro.
3. FINLÂNDIA
Nas eleições de abril, o Partido
dos Finlandeses não foi o mais votado por uma curtíssima margem, ficando a
pouco mais de 0,2% do Partido Social-Democrata. A oposição à imigração e a
rejeição de políticas ambiciosas de combate às alterações climáticas são as
suas principais bandeiras.
4. FRANÇA
Apesar dos esforços de Marine Le
Pen de tornar a sua Frente Nacional mais próxima do mainstream, ela acabou
derrotada por Emmanuel Macron nas eleições presidenciais de 2017. Após um
desempenho nas legislativas que também ficou aquém das suas expectativas, o
partido tenta recuperar os triunfos de outrora com uma imagem mais apresentável
e um novo nome: Reunião Nacional.
5. HUNGRIA
O primeiro-ministro húngaro,
Viktor Orbán, garantiu um terceiro mandato com uma vitória esmagadora nas
eleições do ano passado. Defensor autoproclamado da Hungria e da Europa contra
os migrantes muçulmanos, Orbán tem insistido no discurso do alegado risco de
uma Europa sem identidade. Em março deste ano, o Partido Popular Europeu
suspendeu o partido de Orbán, o Fidesz, por causa das suas posições antagónicas
relativamente aos valores fundacionais da UE.
6. ITÁLIA
O líder da Liga e antigo
vice-primeiro-ministro italiano, Matteo Salvini, viu a sua estratégia sair-lhe
furada ao forçar novas eleições em agosto. O seu parceiro de coligação, o
Movimento 5 Estrelas, acabou por lhe virar as costas e formar um Governo de coligação
com o Partido Democrático. Enquanto ministro do Interior, Salvini defendeu
acerrimamente uma política anti-imigração, que impediu navios de resgate de
migrantes de atracarem nos portos italianos.
7. POLÓNIA
Nas eleições de outubro, o
partido Lei e Justiça (PiS) conseguiu uma segunda maioria absoluta consecutiva.
Liderado por Jarosław Kaczyński, um veterano ativista anticomunista, o PiS tem
feito alterações profundas no sistema judicial do país que já mereceram reparos
da Comissão Europeia.
E A EXTREMA-ESQUERDA?
Feita a ronda por alguns dos
principais focos da extrema-direita na Europa, importa perguntar por que
motivo a extrema-esquerda não tem uma implantação semelhante. “Acredito que a
explicação principal sejam o tempo, o ano de 1989 e as lições que tirámos dele.
As gerações que experimentaram o comunismo estão no seu auge ou mais além, e
é-lhes doloroso viver com essa memória”, refere Radosveta Vassileva.
“Muitos analistas modernos têm-se
concentrado em explicar os problemas com o comunismo e as suas repercussões no
leste europeu e na Rússia. O comunismo continua a ser um objeto de estudo para
politólogos. Em contraste, a memória do fascismo tem-se desvanecido e é um
objeto de estudo sobretudo para historiadores. Isto torna mais fácil para os
políticos confundirem e brincarem com ideias fascistas”, conclui a jurista e
académica búlgara.
Hélder Gomes / Carlos Esteves | Expresso
Imagens: 1 - Aleksander Kalka /
Nurphoto / Getty Images; 2 - Google
*Título PG
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