Inês Cardoso* | Jornal
de Notícias | opinião
Numa democracia com a memória da
polícia política muito presente e o receio de um Estado autoritário à flor da
pele, as forças de segurança têm sido, ao longo dos anos, pouco representadas
no discurso político.
Na base da manifestação desta
semana estão reivindicações legítimas. Com equipamento obsoleto e condições
salariais que não acompanham o risco da profissão, os polícias atingiram um
limite perigoso de descontentamento. Perante a falta de resposta dos partidos e
dos sindicatos, abre-se a porta à influência e captura por grupos sem rosto,
como o Movimento Zero.
Se na canalização desse
descontentamento para as ruas houve um movimento inorgânico que se sobrepôs aos
sindicatos, na meta quem capitalizou foi o deputado do Chega. A sua intervenção
está carregada de falácias, fazendo uma confusão propositada entre os partidos
de Esquerda na luta sindical e o contexto do seu discurso frente ao Parlamento.
Um discurso que ignora as particularidades de uma classe com limitações e
responsabilidades especiais no direito de manifestação e que a organização
nunca deveria ter permitido.
Inteligente a aproveitar as
causas que o ajudam a ter voz e a crescer, André Ventura é exímio a
vitimizar-se e a ironizar sobre a forma como tentam pô-lo na pele do diabo. Não
se pode levar tudo por arrasto e menorizar os eleitores ou simpatizantes do
Chega. Mas também não se pode ignorar a colagem de grupos violentos e os sinais
perigosos de muitas das suas mensagens.
O diabo existe, sim, e está no
ódio que alimenta muitas posições extremistas. Germina nas redes sociais,
alimenta equívocos e argumentos para as medidas obtusas propostas por André
Ventura. Mas, já que ele fala, não vale a pena ignorá-lo ou silenciá-lo. Fingir
que não há muitos portugueses que se identificam com as suas propostas e
conversa de café. O melhor é mesmo ouvir com atenção. Porque é assim que mais
claramente nos lembramos de que lado estamos.
*Diretora-adjunta
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