Lei que regulamenta repatriamento
de recursos transferidos ilicitamente para o exterior foi aprovada há cerca de
um ano em Angola. Mas até agora recuperação desse capital por parte do governo
foi ínfima, diz economista.
Um ano depois de o Governo
angolano ter dado início à fase
coerciva do repatriamento de capitais, especialistas como Jonuel
Gonçalves dizem que o volume de recursos recuperado é inferior ao que
ainda pode ser repatriado. "Mesmo com um cálculo muito por baixo, os
ativos de angolanos no exterior, e mesmo simples depósitos, são
incomparavelmente maiores com o pouco que se recebeu" até agora, afirma o
economista.
"Tirando os 500 milhões de
dólares de Londres, não há nenhum volume deste tamanho que tenha voltado para
Angola", sublinha o investigador, referindo-se ao processo de
transferência indevida de 500 milhões de dólares (450 milhões de euros) para um
banco em Londres, em 2017, em que é coarguido o ex-governador do banco
central angolano Valter Filipe.
O julgamento teve início a 9
deste mês no Tribunal Supremo de Angola, que tem também como coarguidos
Jorge Gaudens Pontes Sebastião, empresário angolano, José Filomeno dos Santos,
ex-presidente do Fundo Soberano de Angola, e António Samalia Bule Manuel,
antigo diretor do departamento de Gestão e Reservas do Banco Nacional de Angola
(BNA).
Segundo Jonuel Gonçalves, "o
desvio foi na ordem das dezenas de biliões de dólares", de maneira que
"esse capital está mantido no exterior por duas razões": primeiro
porque "aqueles que desviaram não têm confiança de o fazer regressar, têm
peso na consciência, têm medo que possa haver algum tipo de perseguição de
caráter judicial", alega. E, em segundo lugar, "os países que
receberam os depósitos têm esses depósitos como importantes para o seu próprio
sistema bancário", explica o economista.
Paraísos fiscais: uma dor de
cabeça para Luanda
O investigador angolano,
visitante do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE), revela os dilemas que
existem por detrás do repatriamento de capitais: "Há inclusive uma certa
luta sobre determinado capital ilícito, que foi investido no exterior, e a
pergunta é se esse resultado pertence ao Estado angolano ou se pertence àqueles
que investiram neles, na medida em que houve desvio."
O académico questiona as
tentativas de negociação com aqueles que desviaram o dinheiro do erário
público. Os casos mais complicados são os ativos colocados em paraísos fiscais,
onde não se consegue determinar o montante de capital transferido.
Para Gonçalves, esta é a
principal dor de cabeça para o Governo angolano. "Esse é o calcanhar de
Aquiles, o problema central. Ou realmente o Governo consegue que regresse ao
país um montante significativo de capital ou consegue que o capital que foi
investido no exterior em empresas, que essa parte de ações passe a ser
considerada como propriedade de Angola." Caso contrário, salienta,
"não há possibilidade de financiar um programa de desenvolvimento."
Portugal evita comentários sobre
repatriamento
Abordada pela DW África, a
procuradora-geral adjunta portuguesa, Maria José Morgado, evitou comentar
se Portugal tem
colaborado efetivamente com Luanda no que toca ao repatriamento de capitais
para Angola. "Não faço a mínima ideia. Eu sei que tudo isto é
transnacional, mas não vou dar opiniões sobre o que se passa para aqui e daqui
para Angola. É uma matéria muito complexa."
O analista angolano Carlos
Gonçalves considera que o processo de repatriamento de ativos transferidos de
forma ilícita de Angola não conheceu avanços consideráveis em Portugal, apesar
da vontade política expressa pelo Governo de António Costa em colaborar com o
executivo de Luanda. "Publicamente não há referências. Antes pelo
contrário, há uma ideia de que Portugal desandou um pouco em relação àquilo que
era a vontade inicial do repatriamento de capitais angolanos retidos
aqui", afirma.
O jornalista diz ainda que em
Angola há uma ideia muito clara da inércia portuguesa em relação a este
dossier, porque "o Estado português quer, de facto, fazer o
repatriamento de ativos, mas que esses ativos sejam retornados em bens e
produtos portugueses."
Segundo Carlos Gonçalves,
"houve uma primeira tentativa de adjudicar isso à dívida de Angola com
Portugal", que não vingou e depois começou a ser criado um processo em que
os ativos angolanos retidos em Portugal fossem convertidos em bens e serviços
portugueses para Angola. Mas "isso também não serve porque não está no
domínio do executivo, está no domínio da justiça", explica o analista, que
considera que em Portugal ainda não há uma ideia exata dos montantes em causa,
nem há notícias da tal vontade política expressa por Lisboa.
João Carlos (Lisboa) | Deutsche
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