Louçã sai em defesa de António
Costa no caso Tancos: “Espero que o juiz Carlos Alexandre não se esqueça que há
uma Constituição em Portugal”
Francisco Louçã critica Carlos
Alexandre por ter trocado a reserva e discrição que se impõe aos juízes por
intervenções públicas e políticas. Sugere semelhanças com Sérgio Moro, e
critica o 'superjuiz' por não se demarcar dos grupos de extrema direita que o
apoiam nas redes sociais
Francisco Louçã esteve entre os
conselheiros de Estado que, de
forma unânime, decidiram que António Costa prestará esclarecimentos por
escrito ao tribunal, no caso Tancos. O juiz Carlos Alexandre pretendia que o
primeiro-ministro o fizesse presencialmente mas, considera Louçã, “não há
nenhuma justificação para esse pedido”. Trata-se de mais um episódio em que o
chamado ‘superjuiz’ se esquece dos seus deveres de reserva e discrição e
resvala para a política e o justicialismo, sugere Francisco Louçã.
No programa semanal que tem na
SIC-Notícias (no vídeo entre os minutos 11.55 e 18:34), o ativista do Bloco de
Esquerda e atual conselheiro de Estado foi questionado sobre se, ao decidir que
António Costa apenas responderia por escrito ao tribunal, o Conselho de Estado
não fez um favor ao primeiro-ministro. Louçã contextualizou que António Costa
foi convocado na condição de testemunha, apenas, e lembrou que, estando em
causa titulares de órgãos de soberania, a tradição tem sido sempre essa e, por
isso, o
pedido de Carlos Alexandre não tem “nenhuma justificação”.
Depois, partiu ao ataque. Desde
logo para sublinhar o método seguido pelo juiz. “Ele tornou público que pedia a
presença do primeiro-ministro muitos dias antes, creio que mesmo duas semanas antes
de enviar o pedido ao Conselho de Estado. Ou seja, quis fazer um ato público
sobre essa questão”(…) o que é uma coisa bastante estranha na relação entre um
órgão de soberania, um tribunal, com outro órgão de soberania”. Além disso,
terá invocado que precisava do primeiro ministro presencialmente porque havia
documentos que tinham de ser justificados, o que também é “estranho”, porque
“se quer a opinião do primeiro-ministro sobre um documento coloca isso nas
perguntas”. “Tudo isso é um pouco forçado” (…) e mais não é do que “um jogo
para criar um incidente politico que merece alguma ponderação, porque os
tribunais não costumam fazer isto”, diz Louçã.
O conselheiro de Estado descreve
ainda o perfil de Carlos Alexandre, um juiz que gosta de dar entrevistas, que
recusou ser candidato a um partido politico, como não podia deixar de ser, mas
só depois de ter mantido o tema em “consulta pública” durante alguns dias, e
que nas redes sociais tem uma legião de apoiantes de extrema direita, das quais
não se demarca: “É num site do Facebook de apoio ao juiz Carlos Alexandre que
estão algumas dezenas de milhares de seguidores do Chega e outros grupos de
extrema direita. Eu creio que isso nunca foi suficiente para ele manifestar
alguma distancia em relação a esse tipo de matérias”, aponta Louçã. Isto fora
dos tribunais.
Na vida judicial Louçã também
encontra algumas originalidades no percurso de Carlos Alexandre, e “talvez a
mais significativa delas tenha sido entrar em choque com outro juiz para tentar
assegurar para si próprio a função de juiz de instrução para validar as
decisões que ele próprio já tinha tomado. E fez disso um conflito interno na
magistratura, que é coisa nunca vista”, recordando o seu embate com Ivo Rosa,
com quem partilha a contragosto o Tribunal de Instrução Criminal.
Francisco Louçã considera que “a
atuação de um tribunal deve ser discreta e legalista e não é publica nem
política” e faz uma analogia com Sérgio Moro, “que afirma aquela ideia
antidemocrática de que é preciso acabar com a politica e impor uma espécie de
justicialismo”, também ele politico.
Em jeito de declaração de voto
público, o conselheiro de Estado remata dizendo que “o que o António Costa faz
é absolutamente razoável. É a jurisprudência portuguesa, é a tradição” e que o
que não tem nenhum sentido é tentar criar “alguma forma de tensão entre órgãos
de soberania que têm poderes próprios e funções próprias bem delimitadas pela
Constituição da República Portuguesa. E espero que o juiz Carlos Alexandre não
se esqueça de que há uma Constituição democrática em Portugal”.
Expresso
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