Manuel Carvalho Da Silva
| Jornal de Notícias | opinião
Vivemos um tempo extraordinário
de avanços técnicos, científicos, comunicacionais, mas em sociedades humanas
onde, em várias latitudes e muito à escala global, os "poderosos do nosso
mundo" impõem a cegueira moral, ética e comportamental que arrasa os
Direitos Humanos e destrói as liberdades.
Aqueles poderes endeusam o lucro
e a competitividade, mercantilizam o trabalho e promovem o individualismo
exacerbado para travarem a construção da vontade consciente e organizada de
conjuntos de seres humanos. Somos convidados a adequarmo-nos e até a utilizar
tecnologias que estupidificam e nos distanciam da responsabilidade individual e
coletiva. Querem-nos acantonados nas nossas incapacidades, azedumes e
culpabilizações, submissos e indiferentes, distanciados das realidades da vida.
As fake news substituem a informação e as reflexões sustentadas. Apesar de
muitos povos nos mostrarem, em múltiplos campos, que estamos hoje mais adultos
que em qualquer outro período histórico, em muitos países e regiões somos encaminhados
para o caos da irracionalidade, para a harmonia da selva.
Não há direitos sem deveres. José
Saramago tomando esse princípio - a Declaração Universal dos Direitos Humanos e
outras Declarações das Nações Unidas (ONU) incorporam-no -, no banquete de entrega
do Prémio Nobel, em 10 de dezembro de 1998, exatamente cinquenta anos depois
dessa importante Declaração, realçou que "nenhuns direitos poderão
subsistir sem a simetria dos deveres que lhes correspondem, o primeiro dos
quais será exigir que esses direitos sejam não só reconhecidos, mas também
respeitados e satisfeitos". Nasceu aí a inspiração para se criar uma Carta
Universal de Deveres e Obrigações dos Seres Humanos. Alguns anos depois, a
Universidade do México (UNAM) assumiu o desafio colocado pelo Prémio Nobel e,
depois da realização de muitos debates, encontros e conferências em vários
países, com personalidades de múltiplas formações e saberes e um empenho
excecional da Pilar del Rio, essa Carta, composta por uma introdução, um
preâmbulo e 23 artigos (ver site da Fundação Saramago) foi concluída e
entregue, em 2018, ao secretário-geral da ONU (António Guterres), ao presidente
da Assembleia desta instituição e à Comissão dos Direitos Humanos.
Ao entrarmos num novo ano e numa
nova década carregados de problemas a necessitarem de ser resolvidos, assumamos
que o direito à vida digna e ao trabalho digno, os direitos à saúde, à educação
e formação, à justiça, à igualdade, à proteção em múltiplos condições não são
algo que pertence ao Estado e este nos dispensa através da ação dos governos,
mas sim pertença das pessoas, de cada um de nós. O Estado e suas instituições e
órgãos têm grande responsabilidade na garantia e efetivação dos Direitos
Humanos e os cidadãos nunca podem secundarizar essa responsabilização, mas cada
um de nós, agindo individualmente, ou nas organizações a que pertencemos, tem o
dever e a obrigação de lutar por eles com todo o empenho. E exijamos que na
Escola Pública se ensinem os Direitos Humanos e os deveres que eles acarretam.
Na epígrafe de Ensaio sobre a
cegueira está escrito: "Se podes olhar vê. Se podes ver repara".
Reparemos e sejamos responsáveis. Usemos o nosso olhar, a nossa voz e a nossa
força individual e coletiva para fazermos de 2020 um Bom Ano.
*Investigador e professor universitário
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