A contestação interna à directora
de informação da RTP e a sua demissão colocaram o jornalismo nacional na
ribalta. Um dos aspectos curiosos neste processo foi o abaixo-assinado de
solidariedade que lhe foi endereçado por colegas com peso na profissão. Tomada
de posição pública que contrasta com o silêncio dos mesmos acerca de um quadro
geral em que o jornalismo e os jornalistas são afectados por múltiplos
problemas - sociais, profissionais e de constrangimento ao exercício livre da
sua actividade.
Há coisas que dizem muito do
jornalismo nacional.
Ao fim de 45 anos de democracia e
num momento em que a comunicação social se encontra abalada, surge um
abaixo-assinado de figuras cimeiras do jornalismo nacional.
Em defesa de quê? Por boas
condições contratuais dos jornalistas, nomeadamente nos grandes grupos de
comunicação? Contra os baixos salários praticados nos meios de comunicação
social? Contra a progressiva e avassaladora desigualdade salarial entre chefes
e índios? Contra as opções editoriais dos principais meios de comunicação?
Contra a escandalosa desigualdades na distribuição política da opinião
praticada nos principais meios de comunicação que leva à fabricação de falsos
consensos sociais? Contra a censura interna ou subliminar que se pratica no
quotidiano dos meios de comunicação? Contra o medo que se vive de se levantar o
queixo em defesa constitucional dos seus direitos laborais ou de participação
na gestão de informação? Contra a falta de organização dos jornalistas como
classe, a qual permitisse a unidade de todos os profissionais? Contra a
correria infernal em que se vive nas redacções que conduz à superficialidade de
informação, homogeneizada e mercantilizada? Contra a forte penetração de
agências de comunicação, contratadas por empresas, instituições ou
personalidades, nas notícias que saiem nos meios de copmunicação social? Contra
a venda - eu diria prostituição - dos jornalistas como se de meros suportes
publicitários se tratassem, em benefício dos interesses publicitários dos
principais grupos de comunicação social que não têm o pudor de dizer que tudo
isso é para a salvaguarda dos postos de trabalho de todos? Etc, etc…. ?
Não. Nada disso.
Estas figuras cimeiras do
jornalismo nacional acordaram de um longo sono meditativo para defender a
directora de informação da televisão pública (RTP), em forte embaraço face à
sua redacção, que convocou um plenário para esta 2ª feira. O abaixo-assinado
surge dias antes desse plenário.
A redacção, zangada, mal sabe o
que a sua directora pensa, porque pouco a vê no quotidiano da sua actividade,
já que a directora mal frequenta a redacção. E, a somar a isso, a redacção
viu-se, sim, confrontada com a intervenção da sua directora de informação em
defesa de uma instituição - onde ela própria já deu aulas -, que estava a ser
objecto de trabalho jornalístico pela própria RTP, a quem a directora, antes
dos jornalistas da RTP entrarem em contacto com a instituição, aconselhou -
como qualquer assessor de imprensa ou amiga da instituição - que não prestasse
declarações à reportagem em preparação e que respondesse por escrito. Tudo
confirmado pela própria directora de informação - na reunião extraordinária do
Conselho de Redacção da RTP - mas tudo em nome da melhor eficácia do trabalho
jornalístico da RTP.
E o que diz o abaixo-assinado?
Veja-se lá:
“Confrontados com o grave ataque
público à integridade profissional da jornalista Maria Flor Pedroso, os
jornalistas abaixo assinados não podem deixar de tomar posição em sua defesa, independentemente
das questões internas da empresa onde é Diretora de Informação, que
manifestamente nos ultrapassam”. Independentemente das questões internas? Mas
são as questões internas que levam à crítica da directora de informação, os
quais subscritores dizem estar a defender: “Maria Flor Pedroso é jornalista há
mais de 30 anos. Sem mácula. Jornalista exemplar. Reconhecida e respeitada
pelos pares. Maria Flor Pedroso é uma das mais sérias profissionais do
jornalismo português. Chegou por mérito ao cargo que atualmente ocupa.
Defensora irredutível do jornalismo livre, rigoroso. Sem cedências ao
mediatismo, a investigações incompletas, ou à pressão de poderes de qualquer
natureza. Maria Flor Pedroso foi escolhida pelos pares para presidir à Comissão
Organizadora do 4.° Congresso dos Jornalistas Portugueses, uma iniciativa que
se revelou um marco na discussão dos problemas da profissão” - e cujas poucas
resoluções foram levadas, de facto, à prática. “Maria Flor Pedroso é frontal.
Rejeita favores. Nunca foi acusada de mentir”.
Ou seja, parece aquela conversa
da Câmara dos Lordes a chamar a atenção dos pobrezinhos para a sua boa vida de
pobrezinhos: “Então vocês não vêem que têm o privilégio de trabalhar com a Flor
Pedroso, seus pobres de espírito?”
Flor Pedroso foi convidada para
um cargo importante, como é o de Directora de Informação da televisão pública,
para o qual não tinha conhecimentos necessários. E foi-o na sequência de um
conjunto de asneiras praticadas pela administração da RTP. Foi uma fuga para a frente.
E esse tipo de jogadas políticas pagam-se caro. Sobretudo para a RTP. Mas na
cabeça do presidente da RTP não fazia mal, porque é o dinheiro, a posição, o
estatuto da televisão pública e os recursos da RTP que estavam em causa e não
os dele, presidente da administração.
Foi contratada a Flor Pedroso, da
casa, mas na Antena 1, e duas pessoas de fora (Helena Garrido, Cândida Pinto
(SIC), esta última a única com créditos em televisão), quando a própria
administração da RTP tinha dado indicações de não haver mais contratações
externas. Ainda hoje nem absorveram os seus precários detectados!
Desde cedo, ficou claro que as
pessoas contratadas sem créditos em televisão não tinham a mínima vocação para
o trabalho. Era boas profissionais noutras áreas, mas não em televisão. Desde o
início e até agora, andam perdidas no seu novo quotidiano. Os lugares de
direcção da RTP foram disponibilizados como se de um período experimental se
tratasse, embora sem os benefícios legais do período experimental. Ninguém
parece querer dar a mão à palmatória. No fundo, a RTP gere-se sozinha.
Mas, mais tarde ou mais cedo ou
mais cedo que tarde, as lacunas aparecem. Pode ser um mero episódio, que nem
sequer é o caso, porque nunca é de esperar ver um director de informação fazer
de assessor de imprensa. Mas é inevitável que essa incompetência para um cargo
se note. Foi o caso.
Vá lá, camaradas jornalistas.
Digam de vossa justiça ao que vêm e não se refugiem no “independentemente das
questões internas da empresa onde é Diretora de Informação, que manifestamente
nos ultrapassam”. Quantas vezes assinaram um abaixo-assinado em nome de outro
camarada em apuros, de outras redacções em apuros, de camaradas das vossas
próprias redacções? Tantos despedidos, afastados, humilhados, postos em causa,
eventualmente com carreiras destruídas…
Por quê agora, porquê este caso?
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