Díli, 05 dez 2019 (Lusa) -- O
ex-primeiro-ministro timorense Xanana Gusmão assumiu hoje responsabilidade pela
decisão de compra por ajuste direto de viaturas para deputados do Parlamento
Nacional em 2008, pela urgência causada pelo atentado ao então chefe de Estado,
José Ramos-Horta.
"Eu assumo esta
responsabilidade. A procuradoria, o Ministério Público e a Comissão
Anti-Corrupção fizeram as suas investigações e se quiserem podem acusar-me a
mim", disse hoje no Tribunal de Díli.
O antigo chefe de Estado foi
ouvido hoje como testemunha da defesa, no caso do ex-presidente do parlamento
Vicente da Silva Guterres, que está acusado de benefício económico, no âmbito
de um processo de compra de viaturas para os deputados, há mais de 10 anos.
Vicente da Silva Guterres é
coarguido no caso com duas outras pessoas, Rui Amaral, à data secretário do
Parlamento Nacional, e Francisco Guterres, então responsável de
aprovisionamento do Ministério das Finanças.
O caso remonta ao período
conturbado do início de 2008, depois do atentado contra José Ramos-Horta, então
Presidente da República, que é substituído interinamente em funções pelo então
presidente do parlamento, Fernando Lasama de Araújo.
Quando assume funções, já estava
a decorrer um processo, iniciado por Lasama, para a compra dos carros, tendo
sido solicitados orçamentos a várias empresas, das quais, após avaliação,
Guterres escolhe a Midori Motors.
A sala de audiências encheu para
ouvir o testemunho, com dezenas de pessoas em pé e a acompanhar a audiência no
exterior da sala onde foi ouvido Xanana Gusmão.
O então primeiro-ministro foi
instado a comprovar a sua assinatura em dois documentos, nomeadamente os
contratos de compra das viaturas, um de junho de 2008 feito por ajuste direto e
outro de dezembro do mesmo ano, depois de um concurso internacional.
Questionado pelo facto de ter
sido tomada a opção de ajuste direto com a Midori Motors, Xanana Gusmão
explicou que lhe foi feito chegar uma justificação do "caráter
excecional" desta compra, tendo sido feita uma "prospeção de
mercado" que confirmou que o preço da Midori -- 33.400 dólares (30.100
euros) por carro -- era o mais barato.
"Recebi um documento
do Parlamento Nacional a fazer a justificação para o ajuste direto. E na
justificação olhei para a cotação que apresentaram e para uma certa urgência na
aquisição das viaturas", disse.
No meio do processo, Lasama
regressa a funções e pouco tempo depois explica que a Midori diz estar com
dificuldades para fornecer os Prado e que só consegue disponibilizar em vez
disso Mitsubishi Pajeros, mantendo o preço unitário, apesar de serem carros
inferiores.
Lasama de Araújo informa que a
troca de carros foi aceite -- segundo documentos a que a Lusa teve acesso e que
fazem parte do processo -- e a Midori inicia as entregas, mas sem poder
entregar as 65 inicialmente previstas.
O Ministério das Finanças optou
por realizar um concurso para as restantes 38, tendo vencido uma que oferece os
carros a um valor unitário de 33.000 dólares (29,9 mil euros).
Equipas de investigação da
Comissão Anticorrupção comprovam que qualquer desses valores estava abaixo dos
preços de mercado praticados em Díli na altura.
O Ministério Público acusa
Vicente da Silva Guterres de ter beneficiado diretamente com o negócio por um
valor que corresponde à diferença por preço unitário -- 400 dólares (362 euros)
por cada um dos primeiros 27 carros ou um total de 10.800 dólares (9.800
euros).
Os procuradores sustentam que não
se justificava o procedimento de urgência, que os arguidos não respeitaram os
processos de aprovisionamento e que permitiram à empresa alterar os bens
contratados.
Xanana Gusmão atribui a diferença
de preços ao mercado e à flutuação da moeda e disse que, dez anos depois, se
esquece "que aquilo ocorreu num momento concreto", com o ataque a
José Ramos-Horta e um ambiente de urgência no país.
"Hoje até diretores gerais
andam de Prado [modelo de carro], mas na altura os deputados não tinham como se
movimentar. E tinha havido o atentado ao Horta, eu próprio fui alvo, havia
rebeldes por aí", recordou.
"E havia a necessidade de
uma assistência política do parlamento às populações. Os deputados tinham que
viajar para explicar às populações o que estava a acontecer", afirmou.
O ex-primeiro-ministro recordou
que Timor-Leste ainda está no processo de construção de Estado e que foi o seu
Governo, a partir de 2007, que começou a estabelecer a génese do sistema de
finanças públicas.
"A situação de 2008 não se
pode entender com a realidade de 2012 ou de 2019. Quem faz isto pensa que os
seus pais não sofreram porque estamos a viver bem", afirmou.
"Em 2008 a política do
Governo foi de melhorar a gestão financeira, corrigir as coisas. O sistema não
existia em 2001. Fizemos um esforço brutal para instalar e estabelecer o
sistema. Mas na prática, no dia a dia, era preciso aprender o novo sistema,
construir e melhorar", acrescentou.
Isso deve ter sido em conta
quando se avalia o que foi feito na altura, disse, recordando que o parlamento
tinha competência para decidir gastos até um milhão de dólares (900 mil euros),
ele próprio entre um milhão e cinco milhões e o Conselho de Ministros acima de
cinco milhões (4,5 milhões de euros).
Xanana Gusmão abandonou o
tribunal sem prestar declarações aos jornalistas.
O julgamento continua no dia 19,
quando se espera o testemunho do ex-Presidente José Ramos-Horta.
ASP // JMC
Sem comentários:
Enviar um comentário