Metinaro, Timor-Leste, 07 dez
2019 (Lusa) - Os restos mortais do português Jorge Carapinha - vítima fatal da
tortura que sofreu às mãos das forças ocupantes indonésias em Timor-Leste -
foram hoje sepultados no Jardim dos Heróis da Pátria, a leste de Díli.
"Não há dúvida! Este cidadão
português é tão timorense como nós, porque optou por abraçar o nosso sonho da
Independência, por juntar-se ao nosso sofrimento e por morrer ao nosso lado,
num país que também ele amava profundamente", recordou hoje o Presidente,
Francisco Guterres Lu-Olo.
Conhecido pelo nome de código
Mau-Lelo, Carapinha nasceu a 13 de setembro de 1925, morreu a 03 de novembro de
1981 na Comarca de Balide e está registado na Base de Dados dos Combatentes da
Libertação Nacional de Timor-Leste.
Hoje, tornou-se no primeiro
estrangeiro -- ainda que os timorenses não o considerem como tal -- a ser
sepultado no principal espaço de homenagem aos heróis da luta pela libertação
de Timor-Leste.
"Este cidadão português, de
nome Jorge Tomás Godinho Carapinha, com o nome de código Mau Lelo, decidiu ser
cidadão timorense logo em 1974. Jorge Carapinha deu uma grande lição a todos
nós, timorenses, e à comunidade internacional", disse.
Carapinha foi um dos 61 homens e
mulheres considerados heróis da luta pela libertação de Timor-Leste, cujos
restos mortais foram sepultados em Metinaro, no dia em que se cumprem 44 anos
da invasão indonésia de Timor-Leste.
São homens e mulheres que
morreram em vários pontos de Timor-Leste no período entre 1975 e 1995, entre
eles Jorge Carapinha, um ex-membro do Comité Central da Fretilin (CCF) que
morreu em Díli depois de um longo período de detenção e tortura às mãos dos
ocupantes indonésios.
"Foi membro ativo do Comité
Central da Fretilin até ser capturado pelos militares indonésios em Díli, em
dezembro de 1975. Devido à sua opção política de abraçar o sonho dos
timorenses, os militares indonésios torturaram-no na prisão", lembrou o
chefe de Estado.
"A doença apoderou-se dele
na sequência das torturas de que foi vítima e acabou por falecer",
recordou Lu-Olo, afirmando que "o amor entre pessoas não tem
fronteiras" e comparando Carapinha a Che Guevara, que também "foi
preso e torturado até à morte" e que "morreu num país que não era o
dele".
"O sangue derramado deste
cidadão português contribuiu para que esta terra amada pudesse ser livre e
independente", acrescentou, saudando o filho do homenageado, Rui
Carapinha.
"O seu sangue fundiu-se com
o de outros timorenses e estrangeiros que tombaram na nossa luta de 24 anos. O
nome de alguns destes cidadãos já é conhecido, o de outros ainda não",
afirmou na cerimónia que contou com a presença dos principais líderes
timorenses.
Os restos mortais foram sepultados
em campas individuais e coletivas no espaço que honra os "combatentes da
libertação nacional na luta pela independência nacional".
Dia da Memória, o 07 de dezembro
é feriado nacional de Timor-Leste em memória de todas as pessoas que resistiram
à ocupação da Indonésia e que lutaram pela libertação do povo timorense.
Homens e mulheres que "deram
a sua vida pelo sonho coletivo da independência", que "morreram por
esta terra, morreram por um único ideal", disse Lu-Olo, recordando que
morreram baleados, vítimas de doenças depois de tortura ou por falta de comida
e cuidados de saúde.
"Neste dia, consagrado na
lei como o Dia da Memória, enterramos nesta admirável encosta os restos mortais
de 61 mártires de diversos graus, incluindo membros do Comité Central da
Fretilin e outros quadros superiores da componente armada, as Falintil",
disse.
Civis e militares que foram
"servidores do povo, incansáveis em dedicação e sacrifícios, sem nunca
pedirem nada em troca", ajudando a alimentar "a luta pela libertação
com as suas próprias forças, cada um com a sua história", assinalou.
Os "heróis nacionais"
que deram a vida pela libertação e independência de Timor-Leste e que deixaram um
legado de amor ao povo e à pátria que deve servir de inspiração aos mais
jovens, a quem importa, sublinhou Lu-Olo, ao recordar o passado de sofrimento.
O chefe de Estado relembrou o
trauma que dividiu famílias e que ainda hoje afeta sobreviventes, muitos dos
quais vivem com grandes carências.
"Com a invasão e a ocupação
durante 24 anos, as famílias foram divididas e sofreram perdas sucessivas de
entes queridos. Em alguns casos, a angústia apoderou-se das famílias por não
saberem se os seus familiares e amigos estavam vivos ou mortos", disse.
"A falta de um corpo -- de
um filho, de uma pessoa amada ou de um amigo -- trouxe inquietação. Muitas
famílias foram praticamente dizimadas", recordou.
A pensar nos que continuam
traumatizados, Lu-Olo disse que há, entre os heróis ainda vivos, muitos que
"não querem lembrar o seu passado marcado pelo sofrimento e tortura que
deixaram marcas físicas e psicológicas".
Hoje ainda "vivem em
situações de trauma, com consequências ainda desconhecidas" e que merecem
do Estado apoio e assistência, criando um "espaço especializado para estes
nossos cidadãos", afirmou.
E, para que o legado de quem
lutou fique vivo, o Presidente considera essencial criar em Metinaro um Centro
de Informação que "disponibilize panfletos e projete filmes sobre a
história deste lugar, que informe sobre cada um dos heróis nacionais e sobre a
história de coragem do povo de Timor-Leste".
ASP // JMC | Imagem: Ilustração
Sem comentários:
Enviar um comentário