sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

Portugal | Passos Coelho volta no domingo

Miguel Guedes | Jornal de Notícias | opinião

Podia ser um panfleto ou uma parangona mas é uma consequência anunciada. Quem manifesta vontade de recentrar o PS ou o PSD à direita ou à esquerda, esbarra com um choque frontal de realidade: nenhum deles pertence ao centro. Substitua-se a expressão "bloco central" por "bloqueio central".

É aí que reside um conjunto de interesses representado por dois partidos de centro-de-boca que, não fossem historicamente as duas forças políticas portuguesas com maior expressão em votos, poderiam ser aquilo a que no Brasil se apelida de "centrão". Tanto de vácuo.

O "centrão" brasileiro é um conjunto de partidos sem ideologia específica mas que vive longe do espectro da teimosia liberal sobre morte da ideologia. Na realidade, o "centrão" não quer saber. Como modo de vida, este centro-de-dia-de-interesses trata da questão pública como um assunto particular, uma lógica de lobby puramente instrumental para ser considerado como par na corte. Apenas uma necessidade fisiológica à volta de vários queijos Limianos. Em Portugal, esse sentido muleta da política foi desempenhado pelo CDS, com notável noção de afinco, durante décadas. Mas o verdadeiro "centrão" à brasileira, aquele que responde pela lógica do serviço-cliente, está instalado e sobrevive robusto dentro das clientelas de PDS e PS, não centristas que só são do centro quando respondem pelo centro dos seus interesses.

Poder-se-á dizer que neste percurso há desvios. Este PS que governa, por exemplo, passou quatro anos a reaprender o que é ser de esquerda e, aparentemente, gostou. Passou uma legislatura a procurar abrigo no BE e PCP, forças unidas na ultrapassagem pela esquerda do pós-trauma de anos de Passos em permanente genuflexão. Agora, vivemos os dias em que o PS escolhe discursar à esquerda porque Rui Rio teima em disputar um centro que já não existe desde que o PS o deixou vago com os anteriores desvios à direita. Zoom out. Percebe-se a falta de orientação. Neste vaivém de um centro inexistente há anos, sobra uma certeza transparente aos olhos da leitura e que nos diz muito sobre a motivação dos desvios. A mestria da táctica está intimamente ligada ao discurso. E as aparências iludem.

Amanhã, coroado pela enésima vez em dois anos como líder do PSD, Rui Rio irá ajustar contas finais com Luís Montenegro. Ouvindo o discurso de Rio na derrota nas legislativas ou na vitória na primeira volta das eleições internas, percebe-se que não há intervenção em que não tente partir o partido ao meio. Permanentemente acossado, Rui Rio sabe, melhor que ninguém, que no PSD não há centro nem centrismos. E sabe que à oposição interna já não restam soluções. Só cavando a trincheira bem ao centro poderá impedir que, em breve, Passos Coelho o ultrapasse pela direita.

*Músico e jurista

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