Miguel Guedes | Jornal
de Notícias | opinião
Podia ser um panfleto ou uma
parangona mas é uma consequência anunciada. Quem manifesta vontade de recentrar
o PS ou o PSD à direita ou à esquerda, esbarra com um choque frontal de
realidade: nenhum deles pertence ao centro. Substitua-se a expressão "bloco
central" por "bloqueio central".
É aí que reside um conjunto de
interesses representado por dois partidos de centro-de-boca que, não fossem
historicamente as duas forças políticas portuguesas com maior expressão em
votos, poderiam ser aquilo a que no Brasil se apelida de "centrão".
Tanto de vácuo.
O "centrão" brasileiro
é um conjunto de partidos sem ideologia específica mas que vive longe do
espectro da teimosia liberal sobre morte da ideologia. Na realidade, o
"centrão" não quer saber. Como modo de vida, este
centro-de-dia-de-interesses trata da questão pública como um assunto
particular, uma lógica de lobby puramente instrumental para ser considerado
como par na corte. Apenas uma necessidade fisiológica à volta de vários queijos
Limianos. Em Portugal, esse sentido muleta da política foi desempenhado pelo
CDS, com notável noção de afinco, durante décadas. Mas o verdadeiro
"centrão" à brasileira, aquele que responde pela lógica do
serviço-cliente, está instalado e sobrevive robusto dentro das clientelas de PDS
e PS, não centristas que só são do centro quando respondem pelo centro dos seus
interesses.
Poder-se-á dizer que neste
percurso há desvios. Este PS que governa, por exemplo, passou quatro anos a
reaprender o que é ser de esquerda e, aparentemente, gostou. Passou uma
legislatura a procurar abrigo no BE e PCP, forças unidas na ultrapassagem pela esquerda
do pós-trauma de anos de Passos em permanente genuflexão. Agora, vivemos os
dias em que o PS escolhe discursar à esquerda porque Rui Rio teima em disputar
um centro que já não existe desde que o PS o deixou vago com os anteriores
desvios à direita. Zoom out. Percebe-se a falta de orientação. Neste vaivém de
um centro inexistente há anos, sobra uma certeza transparente aos olhos da
leitura e que nos diz muito sobre a motivação dos desvios. A mestria da táctica
está intimamente ligada ao discurso. E as aparências iludem.
Amanhã, coroado pela enésima vez
em dois anos como líder do PSD, Rui Rio irá ajustar contas finais com Luís
Montenegro. Ouvindo o discurso de Rio na derrota nas legislativas ou na vitória
na primeira volta das eleições internas, percebe-se que não há intervenção em
que não tente partir o partido ao meio. Permanentemente acossado, Rui Rio sabe,
melhor que ninguém, que no PSD não há centro nem centrismos. E sabe que à
oposição interna já não restam soluções. Só cavando a trincheira bem ao centro
poderá impedir que, em breve, Passos Coelho o ultrapasse pela direita.
*Músico e jurista
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