Manuel Carvalho Da Silva*
| Jornal de Notícias | opinião
O ato oficial da reabertura das
oficinas da CP, sediadas em Guifões, mereceu a atenção na opinião pública até
pelo justo relevo que o Governo lhe deu. Foi uma notícia recebida como boa
surpresa, mas importa aproveitá-la para refletir sobre o que podemos produzir
no nosso país.
Em 1995, cerca de um quarto dos
portugueses que trabalhavam por conta de outrem, 951 mil, exerciam a sua
atividade na indústria transformadora, setor estratégico para o desenvolvimento
do país. Em 2017, restavam 715 mil, ou seja, cerca de 17% dos trabalhadores por
conta de outrem. Neste espaço temporal, Portugal, que tanto necessitava de
reforçar a sua industrialização, dado que a começou muito tarde e se encontrava
em posição de país semiperiférico com baixa margem para a valorização da
produção e do trabalho seguiu, em grande medida, o rumo oposto e
desindustrializou-se.
Há quem diga que a
desindustrialização é uma marca dos tempos modernos a que não podemos fugir.
Mas, quando observamos o caso português, vemos que o desaparecimento de
importantes empresas e subsetores da nossa indústria esteve ligado a um
conjunto concreto de causas, nomeadamente: i) os termos da adesão à CEE (hoje
UE) e as opções de políticas seguidas pelos governos, que colocaram atentismo
nas orientações e no papel da UE, chamando modernidade a dinâmicas oportunistas
de negócio e secundarizando responsabilidades que nos cabiam; ii) a
secundarização do papel do Estado, através de deliberado abandono do
planeamento e pelos espúrios negócios promovidos com as privatizações e a
financeirização da economia; iii) a política comercial e determinações da
União, que pouco ou nada tinham (e têm) a ver com a criação de condições para o
desenvolvimento de países como Portugal.
As consequências estão à vista:
perdemos parte importante do setor económico com maior potencial de crescimento
da produtividade, tornamo-nos mais dependentes de importações, faltam-nos
instrumentos para a melhoria de condições de vida das populações, como é o caso
do transporte ferroviário de qualidade, primordial na garantia de boa
mobilidade e coesão territorial.
O enfraquecimento,
desmantelamento e depauperação da CP - combatidos justamente pelos sindicatos e
alguns altos quadros - não se suportou em racionalidade de gestão ou de reforço
do setor ferroviário. É acertado trazer as oficinas, anteriormente levadas para
a EMEF, para dentro da CP e, acima de tudo, procurar-se uma estratégia
integrada para todo o setor da ferrovia que englobe respostas às necessidades
de melhoria e ampliação das capacidades circulantes e outras da CP, dos metros
de Lisboa e Porto e dos metros de superfície.
É possível desenvolver a produção
nacional nesta área. Alguns velhos do Restelo dizem que não há escala para
estruturar em Portugal este setor. Ora, se inventariarmos as necessidades
prementes e as das décadas próximas, é caso para reivindicarmos ao Governo que
promova rapidamente compromissos entre gestores e as universidades, que
encontre parcerias necessárias para se pôr em marcha um cluster neste setor.
Trabalho não vai faltar e não estamos impedidos de trabalhar para o exterior.
*Investigador e professor
universitário
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