Jorge Rocha* | opinião
Um dos paradoxos do nosso tempo
português é o desfasamento significativo entre o comportamento dos eleitores e
o das instituições, que se incumbem de algumas das mais importantes missões da
nossa cidadania. Sociologicamente o país está tão à esquerda que a soma das
direitas mal ultrapassa os 30%, mas existe um explicito cerco à ação do governo
com uma intensidade bem maior do que a legitimada pelo voto e expressa na
Assembleia da República.
Há, em primeiro lugar, a
imprensa, toda ela dominada por quem a utiliza como a principal ferramenta da
agenda ideológica da direita, sem que tal levante um justificado repúdio
coletivo, apesar dessa manipulação informativa expressar-se quotidianamente na
escolha dos assuntos abordados nos telejornais, na forma como eles são
enviesados para conterem óbvia censura às eventuais insuficiências da
governação e no convite a comentadores, quase todos eles oriundos da mesma
trincheira política.
Existem depois coisas esdrúxulas
como a UTAO, que vira as contas do avesso para produzir conclusões sem
consistente fundamento, ou o Conselho das Finanças Públicas donde já se retirou
a aventesma Teodora, mas só justifica a existência ao produzir umas larachas
preditivas, que os acontecimentos acabam sempre por desmentir. Não é por acaso
que as falácias destas duas entidades ganham maior destaque noticioso do que os
sucessivos relatórios do Instituto Nacional de Estatística que, por trazerem a
crueza dos números indesmentíveis, se veem frequentemente remetidos para os
rodapés informativos.
Ultimamente também a provedora da
Justiça decidiu dar prova de vida querendo impor ao Estado a subsidiarização
dos manuais escolares nos colégios privados como se estes merecessem as
regalias do ensino público consagrado constitucionalmente. Da criatura já se
conhecia o pendor para votar à direita quando foi juíza do Constitucional, e
agora se confirmam os propósitos com que encara o cargo para que foi
incompreensivelmente nomeada pela Assembleia da República.
E temos sobretudo os tribunais,
há muito tempo zarolhos na forma como condenam uns por receberem robalos ou
prendem-nos sem provas e livram outros das culpas com os seus negócios
submarinos, arquivando ou demorando as decisões até se prescreverem as
possibilidades de deles derivarem consequências. Da primeira instância à
Relação, do Supremo ao Constitucional, sem esquecer os procuradores da
República, temos uma Justiça mobilizada para derrubar o governo tão-só encontre
motivos para avançar com alguma golpada tipo Lava Jacto.
Agora até o Tribunal de Contas -
normalmente alheio de tais estratégias - decidiu nelas alinhar com a produção
de uma peça inqualificável onde procura fazer política, ao desdizer-se
relativamente a decisões a que dera o devido aval. Fernando Medina
reagiu com contida indignação, mas a bastante para demonstrar que, se para o PS
tem havido a preocupação de separar a Política da Justiça, respeitando a
autonomia desta última, o inverso tem estado longe de suceder.
*jorge rocha | Ventos Semeados
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