Inês Cardoso | Jornal de
Notícias | opinião
Joacine Katar Moreira e a novela
cheia de gritos em que se converteu o Livre poderiam ser apenas um caso de
impreparação política. Ou efeito de lutas de egos e de uma personalidade
inflamada e com tiques de arrogância a fazer lembrar ditos de Cavaco Silva que
ficaram célebres - este fim de semana ouvimos Joacine afirmar que nada fez de
errado "ainda", mas que por ser humana "se calhar" um dia
há de errar.
A questão é que cada deputado
ocupa um cargo público. Representa os portugueses e assume responsabilidades
perante eles. Nessa medida, as declarações de Joacine merecem reflexão pela
visão limitada que denotam do cargo. E pela noção tão insistentemente
personalizada da representação parlamentar que acaba por assumir uma dimensão
quase messiânica.
A deputada não tem dúvidas de que
o lugar que ocupa é seu, não do partido. De tal forma que considera ilegítima a
possibilidade de renunciar, porque a sua voz é insubstituível. "Elegeram
uma mulher que gagueja. (...) Elegeram uma mulher negra." Na sequência
desta frase, vem mais uma tirada sobre a subvenção, que apesar do baixo nível é
irrelevante para a tese de Joacine. Foi eleita por ser uma mulher negra que
gagueja. A sua figura é em si mesma todo um programa.
Apesar dos sinais de abertura
para fazer cedências, ficou claro que só um milagre, como referiu um dos
dirigentes do Livre, permitirá manter a confiança política em Joacine. No
cenário de permanecer como deputada independente, ficará com total liberdade
para decidir a sua agenda e acentuar um discurso agressivo que, no limite,
explora as desigualdades e feridas sociais como espelho invertido de André
Ventura. A escolha é de Joacine, que tem o mandato nas mãos. Mas, se passar a
deputada não inscrita, praticamente perde voz no Parlamento. E, nessa medida,
fica ainda mais difícil um caminho que, apesar de curto, foi já até agora
carregado de pedras.
*Diretora-adjunta
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