Não há como dizê-lo de outra
forma: os membros do Livre estão tão fartos de Joacine Katar-Moreira que querem
mesmo retirar-lhe a confiança política. Preferem perder tempo de antena,
subvenção, a representação parlamentar a ter de continuar a confiar numa representante
que dizem que já não os representa.
Apostam fichas que conseguem ser de novo
uma fénix renascida das cinzas, desde que o inferno que tem sido a relação com
a deputada termine. Foi por isso que, por larga maioria, o congresso reconduziu
grande parte dos dirigentes e que a nova Assembleia, que vai decidir o futuro
da relação entre o Livre e Joacine, foi ou reconduzida ou garantida a maioria.
Joacine chuta para a frente e pede “cedências de parte a parte” para evitar o
inevitável. Já esgotou as oportunidades, responde-lhe a nova direção. “Só um
milagre” num partido de ateus poderia levá-los a mudar de ideias.
Houve uma palavra dita várias
vezes que foi um sinal político claro sobre o que decidiram os congressistas do
que será o mandato dos órgãos do partido nos próximos dois anos:
“continuidade”. A “continuidade” neste contexto significa que os novos órgãos
vão terminar o trabalho dos que cessaram funções e levar a bom porto o divórcio
com a deputada.
Num dia em que debateram as
moções específicas que vão enquadrar a acção nas políticas do partido nos
próximos dois anos, os congressistas ouviram vários dirigentes referir que o
resultado das eleições internas tinha ditado “continuidade das pessoas, ideias,
formas de trabalhar, dando um claro voto de confiança e legitimidade aos novos
órgãos”. A frase é de Isabel Mendes Lopes, que foi a porta-voz da nova direção
(são 15 membros). A lista, que deixou de fora Joacine, que também não
apresentou uma lista alternativa, foi eleita por larga margem, com 95 votos a
favor em 110. Uma “votação expressiva” que leva os membros a dizerem que vão
fazer tudo “ para que se resolva rapidamente este impasse em que o partido se
encontra” para voltarem à origem e afirmarem o partido como o grande partido da
esquerda verde em Portugal (os principais discursos programáticos foram sobre
ecologia e na necessidade de voltar às questões ambientais como prioridade).
Para resolver esse impasse, os
congressistas elegeram uma Assembleia de 43 membros. Destes, 27 ou foram
reconduzidos (17) ou transitam da anterior direção (4) ou Conselho de
Jurisdição que foram apoiantes da posição da Assembleia (2) ou são votos
contados como certos (pelo menos 4, mas no Livre faz-se contas a mais três).
Contas de membros da direção do Livre.
No órgão que vai resolver o
imbróglio, Joacine poderá, no máximo, almejar a 20 votos, que são novos membros
dos órgãos do partido. Mesmo que conseguisse que todos estes membros votassem
contra a resolução que propõe o corte de relações, ficaria em minoria. E não é
certo que os 20 elementos sejam sequer favoráveis à versão da deputada. No
congresso, poucos a aplaudiram ou sequer falaram com ela.
Perante esta aritmética política
“só um milagre” poderia reverter um resultado que mais do que certo, é
desejado. Os membros do partido estão fartos, não o escondem, só Joacine
insiste numa solução diferente. “É teatro”, acreditam. Vários lembraram, em forma
de indirecta, que o partido até teve mais votos nas eleições europeias do que
nas legislativas. Um recado à deputada que disse que tinha sido eleita sozinha
(frase que desmentiu no congresso ter alguma vez dito). Disse-o em duas
entrevistas.
Perante as impossibilidades
aritméticas e políticas, Joacine saiu do congresso onde pairou por cima de
todas as cabeças com um discurso de tentativa de cedência, quando está tudo
partido. Em respostas aos jornalistas disse que o partido tem de retomar as
conversas “regularmente” e “imensamente” para que cheguem ao ponto de evitar o
desfecho de corte de relações. Joacine falou em “cedências de parte a parte”,
sem no entanto responder sobre o que está disposta a ceder. A estratégia de
Joacine, de fuga para a frente, parece desvendar o passo seguinte: o debate na
praça pública sobre de quem é a culpa.
Joacine falou várias vezes da
"verdade" sobre o que ditou o corte de relações. Queixa-se de não ter
sido ouvida, mas, tal como o Expresso revelou no fim de semana, enviou um email
a cortar relações com o Grupo de Contacto (a direção), depois de uma discussão,
ainda antes do polémico voto sobre a Palestina, que deitou tudo por terra. A
culpa do fim da relação é a história do ovo e da galinha, contada de forma
diferente por 55 pessoas (15 da direção e 40 da Assembleia) e por Joacine.
Certo é que por razões processuais, o Livre remeteu para a Assembleia a decisão
final de abdicar do ovo de ouro.
Nota: Artigo corrigido quanto à
composição dos 27 votos que membros da direção dão como certos.
Liliana Valente | Expresso – 19.01.20 | Imagem: Ana Baião
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