Martinho Júnior, Luanda
A meteórica visita do Secretário
de Estado Mike Pompeo a Angola, vem confirmar que o petróleo continuará a ser,
não uma catapulta para o desenvolvimento, mas um garante no sentido de que
África permanecerá como uma ultraperiferia económica, onde o petróleo tem o
papel manipulador próprio dum “excremento do diabo”.
18 anos depois da visita do
Presidente José Eduardo dos Santos a Washington, a 26 de Fevereiro de 2002,
onde se encontrou com o Presidente George W. Bush e com os membros da “Corporate
Council on Africa”, apenas 4 dias depois da morte de Savimbi, Mike Pompeo nada
tem para oferecer senão mais do mesmo, ainda que com outras pródigas cores do
grande camaleão, agora sob a égide de outro republicano, o inveterado “protecionista” Presidente
Donald Trump…
O “Project of a New American
Century” (PNAC), que teve curso entre 1996 e 2006, ainda inspira (e
refina) o “proteccionismo” de hoje!
Para o império da hegemonia
unipolar, 18 anos depois, continua a ser, como nos tempos do PNAC: “The
americans frist”!...
1- Longe vai o tempo em que com
pezinhos de lã, de que o tio Sam é pródigo quando se apresta à fase de exibir
perante os olhos extasiados dos incautos uma apetecível cenoura, a
administração republicana do texano George W. Bush, inspirada nos “bons
ofícios” do Institute for Advanced Strategy and Political Studies (IASPS),
aproximou-se em Fevereiro de 2002 de África, com o engodo do “petróleo
para o desenvolvimento”, precisamente na altura em que os Estados Unidos
estavam já a preparar o assalto pelas hordas neoliberais do império ao Iraque
(que viria a ter início a 20 de Março de 2003). (https://en.wikipedia.org/wiki/Institute_for_Advanced_Strategic_and_Political_Studies; https://www.sourcewatch.org/index.php/Institute_for_Advanced_Strategic_%26_Political_Studies)
O Iraque, na mesma altura da
cenoura para África, provava o poder do seu impiedoso cacete, numa estreia para
o Médio Oriente Alargado dum caótico contencioso que se prolonga até hoje. (https://www.csmonitor.com/2002/0523/p07s01-woaf.html; http://www.historycommons.org/entity.jsp?entity=institute_for_advanced_strategic_and_political_studies).
Naquela altura, logo no início do
século XXI, era um “think tank” com uma perna em Jerusalém e outra em
Washington que na direcção de África propunha lançar o artificioso equívoco
manipulado pelo Presidente George W. Bush, sob o aliciante rótulo do “Africa
Oil Initiative Group” (AOPIG) e seus multifacetados atractivos para o
Golfo da Guiné (Angola e São Tomé e Príncipe “automaticamente” incluídos)!…
(https://allafrica.com/stories/200206120501.html; https://www.sourcewatch.org/index.php/African_Oil_Policy_Initiative_Group; https://www.globalpolicy.org/component/content/article/198/40173.html).
Como corolário dos esforços do
IASPS e da projecção do conceito AOPIG, a visita do Presidente José Eduardo dos
Santos foi para o PNAC e por tabela para o Presidente de turno nos Estados
Unidos e a Corporate Council on Africa, um “perdurável êxito” que
cabe como herança aos angolanos, celebrado na altura com um inesquecível jantar
(http://www.africacncl.org/(epuhzkyyw2bdbpbjiplidq55)/Whats_New/CCA_Dinner(dosSantos).asp,
link desactivado):
“CCA & U.S.-Angola Chamber of
Commerce Dinner for Angolan President José Eduardo dos Santos, Washington,
D.C., February 26, 2002.
with support from: Halliburton;
INTELS Group; Phillips Petroleum Company; C/R International; Lazare Kaplan
International Inc.; Catermar; LIMJE Industrial Ltd.; American Worldwide Inc.;
Samuels International Associates, Inc.; OrdSafe; CTD/Manchester Trade;
Citigroup; Citizens Resources; Miranda, Correia, Amendoeira & Associates;
SISTEC Equipment & Controls; HSBC Equator Bank; Cohen & Woods
International”.
Desde então o fragilizado estado
angolano passou não só a estar “filtrado” pelos processos de
inteligência ao serviço do poder dos Estados Unidos e de suas transnacionais do
petróleo e dos diamantes, “ressurgindo das cinzas” em função dos
rescaldos do após Bicesse (31 de Maio de 1991), como também passou a ser “amarrado
curto” aos processos de “terapia neoliberal post traumática” abertos
à devassidão, que desembocaram nis níveis de corrupção que se começa hoje a
identificar!
O Presidente George W. Bush dava
assim “oportuna resposta” aos trágicos acontecimentos do 11 de
Setembro de 2001 que serviram à época de justificação de fundo para o “choque
de civilizações” e, na direcção de África lançava paulatinamente as bases
para mais um comando do Pentágono, o AFRICOM, um comando burilado à medida das
articulações de ingerência e manipulação civil e militar, capaz de respostas
assimétricas, de geometria variável e tirando partido de coligações e alianças
extra continentais, que viria oficialmente a surgir a 6 de Fevereiro de 2007,
apenas 5 anos depois!... (https://pt.scribd.com/document/70373464/African-Oil-Policy-Initiative-Group-White-Paper; https://www.csmonitor.com/2002/0523/p07s01-woaf.html).
“This new command will strengthen
our security cooperation with Africa and help to create new opportunities to
bolster the capabilities of our partners in Africa. Africa Command will enhance
our efforts to help bring peace and security to the people of Africa and
promote our common goals of development, health, education, democracy, and
economic growth in Africa. - President George Bush, February 6, 2007” (http://www.revistamilitar.pt/modules/articles/article.php?id=195).
2- Como o engodo do “petróleo
para o desenvolvimento” era essencialmente dirigido para o subsariano
Golfo da Guiné, o “fôlego” de George W. Bush avançou em toda a linha
e sacudiu do seu torpor até o pequeno arquipélago de São Tomé e Príncipe, que
foi colocado no epicentro do projecto de albergar a sede do futuro AFRICOM!...
Meio extasiado com a cenoura, o
Presidente Fradique de Menezes foi nessa altura “atirado para a ribalta”,
o que não me passou despercebido, até pelo inusitado da situação.
Entre o que escrevi então para o
semanário Actual, a 11 de Setembro de 2002, merece ser recordado especialmente
o texto sob o título irónico “USS São Tomé”, em que eu considerava a
deriva do arquipélago em função da cenoura, como a aquisição de mais um
porta-aviões para engrossar a frota da “Navy”, até por que houve também
fausto repasto para o meio-arrelampado mas tão ditoso Presidente Fradique…
O “USS São Tomé” começava
assim:
“Senhor Hayes,
Distintos membros do Corporate
Council for Africa,
Senhoras e Senhores.
É com subida honra que hoje estou
aqui convosco, o que tenho antes de mais a agradecer ao Senhor Hayes, ao seu
staff, à Exxon – Mobil, à Phillips Petroleum e à Anadarko Petroleum, por ter
organizado este almoço, que me dá a oportunidade de me pronunciar um pouco
sobre o meu país, São Tomé.
Durante muitos anos, o meu país
devotou-se quase exclusivamente ao plantio do cacau e eu posso garantir-vos
que, nessa altura, não teria sido provavelmente possível organizar um encontro
tão valioso, deste género.
Como sabem, fui eleito
Presidente de São Tomé e Príncipe em Setembro último, esta é a minha primeira
visita aos Estados Unidos como Presidente e, uma das coisas que já aprendi, no
curto tempo em que desempenho esse cargo, é que o petróleo abre muito mais portas
que o chocolate”…
Como as cenouras têm curta
longevidade após a apanha, pouco tempo depois do grande repasto, já o
Presidente Fradique de Menezes, na comemoração do seu primeiro ano de mandato,
comentava assim:
… “Já descobri a diferença
que existe entre a gestão de uma empresa e um estado.
Numa empresa, como a que geria
antes de ser Chefe de Estado, movimentava o dinheiro sem problemas, mas num
estado as regras burocráticas são difíceis de ultrapassar”...
Expliquei no Actual por
conseguinte até ao final da minha intervenção os meandros radiográficos duma
situação inusitada para África: o tão repentin quão fogoso interesse do império
da hegemonia unipolar!
“O Presidente Fradique de Menezes
tem assim o dinheiro que pediu ao seu homólogo Olusengun Obasanjo, entre as
mãos, mas para sua frustração, neste ano, não poderá tocar sequer num tostão, o
que o obriga a continuar ancorado a uma época em que, gerir São
Tomé, ainda só pode ser feito com base em orçamentos característicos do magro
tempo do chocolate, quando são tão fantásticas as promessas em relação ao
futuro.
Habituado aos lucros, mas também
aos revezes nos seus negócios, (o Presidente Fradique de Menezes é um conhecido
comerciante de seu país), ele porém não desistiu de continuar na senda de
urgentes e melhores soluções.
O AOPIG, para além da mudança de
importantes investimentos no petróleo do Médio Oriente (particularmente do
Golfo Pérsico) para o Golfo da Guiné prevê:
. A redução, ou mesmo o perdão da
dívida externa, devido à implicação da atracção de importantes financiamentos
privados, previstos na exploração do petróleo, na sequência de um clima
propício que existe já nesse sentido.
. A implantação dum Comando Naval
Americano em São Tomé, confirmando o interesse estratégico do Golfo da Guiné e
a importância da segurança dos investimentos americanos, tendo em conta a
importância que o petróleo tem para a economia dos Estados Unidos.
. A aplicação da redução das medidas
tarifárias conformes ao AGOA (The African Growth and Oppourtinty Act) em
relação a produtos produzidos no continente africano, estimulando as
oportunidades para a sua colocação no mercado americano.
A miragem da nova era, no quadro
da Nova Ordem Global, levou agora o Presidente Fradique de Menezes, numa
segunda viagem aos Estados Unidos, onde assinou acordos para integrar o seu
país na estratégia AOPIG para o Golfo da Guiné, ao abrigo dos reflexos da
globalização e da viragem da situação global após o 11 de Setembro,
aproveitando a hegemonia americana, num alinhamento sem precedentes.
São Tomé, para além da garantir a
exploração do petróleo na plataforma continental onde possui uma posição
central, dará guarida:
- A novas possibilidades de
comércio, tirando proveito da equidistância que o seu território se encontra,
em relação a todos os países da região, desde Angola, a sul, até ao Gana, a
norte.
- À criação nesse sentido de um
porto em águas profundas, capaz de servir para o desembarque e embarque de
mercadorias que darão suporte às operações numa vasta região marítima e
costeira (uma aspiração antiga, que nunca antes teve possibilidades de ser
realizada).
- À implantação dum cada vez mais
importante nó de comunicações no Golfo da Guiné, dando continuidade aos
programas que já existem.
- À implantação duma base naval
americana, de forma a garantir segurança no Golfo da Guiné, tornando o país num
autêntico porta-aviões e retaguarda duma esquadra de superfície, que estará
implicada na segurança dos investimentos em toda a região.
O Paraíso terrestre virgem,
ignoto e impoluto, está à beira de entrar para a era da globalização, onde
começa a conhecer as novas regras do jogo:
- Abrir as portas ao
neoliberalismo e à hegemonia americana.
- Arriscar-se a sofrer os efeitos
da poluição ambiental (e humana).
- Sujeitar-se às imposições
típicas dum papel que é essencialmente criado por uma abissal e insolúvel
dependência, com todas as tensões e desigualdades que isso
…
São Tomé deixará de ser um
paraíso perdido, tornar-se-á num centro cada vez mais cosmopolita, sublimado na
integração que lhe está destinada, mas ficará sem dúvida, indelevelmente
marcada na alma do seu povo, uma era de dependência mais do que inter dependência,
que se avizinha, por muitos e longos anos.”
3- No momento em que Mike Pompeo
percorre África e chega a Luanda, é mais que oportuno recordar todo esse
ambiente, cenários e actores de há 18 anos a esta parte, por que sobre as
cabeças das novas elites africanas a cenoura foi-se degradando com o tempo e,
no que a Angola diz respeito, passou a “excremento do diabo”,
fundamentalmente na base de vários factores dessa degradação, entre eles:
. O preço do barril de petróleo
caiu para metade do que era àquela época, afectando sobremodo todos os
produtores africanos que integram a ultraperiferia económica global;
. Os expedientes de caos e
terrorismo transvasaram do Médio Oriente Alargado para dentro de África, sendo
deliberadamente incrementados pela coligação liderada pelos Estados Unidos, com
implicações sionistas e das monarquias arábicas wahabitas-sunitas,
particularmente desde quando a Líbia foi esmagada (afectando o Sahel, tem
implicações em toda a África, inclusive na África Austral);
. O deslumbramento das novas
elites deu oportunidade, sobretudo na Guiné Equatorial e em Angola (recorde-se
dois membros da CPLP), à introdução de elevados padrões de corrupção que jamais
deixaram de estar filtrados “deep inside” pelos processos de
inteligência da hegemonia unipolar, em jeito de terapia neoliberal;
. Esse mesmo deslumbramento
atraiu outras potências, como o caso de Portugal, até por que os portugueses
passaram a ser consultados em benefício do AFRICOM, por serem além do mais um
privilegiado vassalo na NATO e ao mesmo tempo inveteradas “correias de transmissão” dos
interesses transnacionais para dentro do continente africano;
. A própria lógica do engodo
levou as novas elites angolanas indexadas à terapia neoliberal, a desprezar a
urgente necessidade de diversificação da economia produtiva, o que facilitou a
sua assimilação, no caso angolano, aos interesses comerciais, bancários e do
sector de construção civil dos portugueses sob os auspícios dos avassalados
governos do “arco de governação”, a ponto de assentarem também seus
interesses e conveniências tão malparadas, em Portugal!
4- Por via do sector energético
(petróleo e gás), Angola foi atraída a ponto de ser uma dilecta vítima do “excremento
do diabo”, a ponto de se deixar neocolonizar e a ponto do herdeiro do
poder em Luanda, camarada Presidente João Lourenço, receber como herança a
enorme decrepitude do “excremento do diabo”:
. Um estado saqueado e levado à
banca rota por mercenários que se foram “liberalmente” fingindo de
patriotas, cultores de exclusividades e mentores da depauperação ética e moral
de toda a sociedade;
. Uma sociedade atordoada,
alienada, iludida (e desiludida) e, em muitos substractos sociais, meio
decrépita, meio adormecida, senão mesmo inerte, face à avalanche que lhe foi
imposta por via das portas escancaradas pelo mais selvagem dos neoliberalismos;
. Uma propositada injecção de
cultura de subdesenvolvimento, que espaço de três décadas propiciou abissais
desequilíbrios e assimetrias;
. Um processo de assimilação
indexado a Portugal, que cumpriu com o papel que lhe foi transversalmente
imposto pela hegemonia unipolar desde o 25 de Novembro de 1975, no que diz
respeito à tipologia dos seus relacionamentos tão indigestamente artificiosos,
hipócritas, cínicos e abertos à corrupção, aproveitando as portas escancaradas sob
a ilusão dos “tempos das vacas gordas”, antes de se chegar á época
do “excremento do diabo”;
. A continuidade da inércia
colonial no que diz respeito aos paradigmas de entender o país com os olhos de
quem chegou e o projectou a partir do mar;
. A imensa dificuldade de levar a
cabo, no âmbito da lógica com sentido de vida que advém do movimento de
libertação em África, uma geoestratégia para um desenvolvimento sustentável e
abrir caminho a uma cultura de inteligência patriótica solidária, digna e
amplamente mobilizadora;
. A impossibilidade de a curto
prazo sair da estreita esquadria a que foi remetido, ainda de acordo com a
terapia neoliberal, ou seja, a obrigatória sujeição aos parâmetros da luta
contra a corrupção, na tentativa de finalmente se começar a encontrar
parâmetros de economia de mercado, diversificada e livre dos constrangimentos
de tão mal paradas elites mercenárias e antipatrióticas!
Mike Pompeo sairá de Luanda
bastante satisfeito com a obra propiciada pelo império da hegemonia unipolar de
que é fiel servidor, no rescaldo destes 18 anos de exercício de terapia
neoliberal e de manipulação entre “petróleo para o desenvolvimento” e
o petróleo que de facto não passa de “excremento do diabo”:
Angola está em grande parte nas
mãos do império, à sua mercê e a luta contra a corrupção está a ser tão
filtrada como foi a génese das elites mercenárias de feição que agora estão em
cheque, num processo que, de manipulação em manipulação, de ingerência em
ingerência, está garantido perante nossos olhos e a esta latitude do sudoeste
africano, que vai continuar a levar a cabo a protecção para quem interessa, ou
é mais conveniente:
Em Luanda, Mike Pompeo sabe e
reconhece “the americans first”!
Martinho Júnior -- Luanda, 14 de Fevereiro de 2020
Imagens:
01- Visita de Pompeo é sinal
de apoio às reformas de João Lourenço – Governo – https://angola24horas.com/index.php/politica/item/16060-visita-de-pompeo-e-sinal-de-apoio-as-reformas-de-joao-lourenco-governo;
02 e 03- Recolhidas de CCA
& U.S.-Angola Chamber of Commerce Dinner for Angolan President José Eduardo
dos Santos, Washington, D.C., February 26, 2002 – http://www.africacncl.org/(epuhzkyyw2bdbpbjiplidq55)/Whats_New/CCA_Dinner(dosSantos).asp,
link desactivado;
04 e 05- Recolhidas da página,
também já desactivada, do IASPS.
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