Maria do Nascimento da Graça de
Amorim.| Téla Nón | opinião
Eu tenho seguido ao longo desses
largos anos, a evolução da política externa de S. Tomé e Príncipe (STP), muito
em particular, o afrouxamento na defesa dos princípios que guiaram os
dirigentes e o povo santomense na sua luta pela liberdade e independência nacional.
A política externa de STP deveria
ser definida ao nível do Estado à partir da análise da realidade interna, da
definição dos interesses nacionais e os eixos de intervenção. Planifica-se os
objectivos à serem alcançados, e as acções que devem ser desenvolvidas tanto ao
nível bilateral como multilateral.
Após a independência, em 12 de
Julho de1975, STP foi solicitado pelos representantes de outros povos sob
dominação colonial e apartheid para ser mais uma voz activa e solidária em
defesa das suas lutas de libertação, nas diversas instâncias continentais e
internacionais.
Foi o caso da Namíbia, Zimbabué,
outrora Rodésia, Africa do Sul, Saara Ocidental e Timor Leste. As posições
do Estado Santomense foram inspiradas no reconhecimento de um dos três princípios
fundamentais da Carta da Organização de Unidade Africana, OUA, ou seja, a
libertação total do Continente Africano do jugo colonial e de todas as formas
de opressão.
Fiel a esse princípio orientador
e grato pelo apoio solidário que recebeu da comunidade internacional durante a
sua luta de libertação, STP defendeu sem reservas o direito inalienável desses
povos na sua luta contra a opressão e o colonialismo.
Quando em Novembro de 1975
Marrocos através da “Marcha Verde” ocupou o Saara Ocidental sob dominação
colonial da Espanha, em manifesto desrespeito do princípio de não violação das
fronteiras herdadas do colonialismo, STP exprimiu o seu repúdio.
Quando Timor Leste foi invadido
pela Indonésia, em Dezembro de 1975, STP condenou a ocupação, exigiu a retirada
do ocupante e o reassumir das responsabilidades de Portugal na qualidade de
potência administrante.
O Estado Santomense defendeu essa
posição até a independência de Timor Leste. Por que razão essa constância
não foi observada em relação ao Saara Ocidental?
STP participou e
presidiu, durante 7 anos, um grupo informal de países designado “Grupo dos
25” que defendia a causa do Saara Ocidental – em cooperação estreita com a
Frente Polisário – e outras questões de relevância para África.
Cito de memória os participantes
do Grupo dos 25 e alguns dos seus simpatizantes: Angola, Argélia, Benim,
Botsuana, Burkina Faso, Burundi, Cabo Verde, Chade, Congo Brazzaville, Etiópia,
Gana, Guiné Bissau, Guiné Equatorial, Lesoto, Líbia, Madagáscar, Mali, Malawi,
Maurícias, Mauritânia, Namíbia, Níger, S. Tomé e Príncipe, Suazilândia,
Seicheles, Serra Leoa, Ruanda, Tanzânia, Zâmbia e Zimbabué.
A posição coerente e solidária
desses países – sublinhe-se, do qual S. Tomé e Príncipe estava inserido,
contribuiu para a admissão do Saara Ocidental como membro de pleno direito da
OUA.
Apesar da admissão, a República
Árabe Saaraui Democrática, RASD, precisa de apoio constante e solidário da
comunidade internacional para a realização do referendo de autodeterminação,
sob os auspícios da ONU. Sabendo que a questão Saaraui ainda não teve uma
evolução positiva, como é possível aceitar, a luz dos princípios de justiça e
solidariedade, a viragem de 180º, operada pelo Estado Santomense em 94/95. Por
um lado, retirou o reconhecimento diplomático a RASD, e por outro alimenta
progressivamente uma relação de dependência servil e patética com Marrocos.
O povo santomense tem o direito
de conhecer as razões superlativas que levaram os vários Governos a essa
mudança de posição e a enveredar na prática de contorcionismo político e que os
obriga a renegar os princípios que outrora defendiam.
A abertura em 23 de janeiro de
2020, financiado por Marrocos, do Consulado Geral de STP em Laayun,
território do Saara Ocidental sob ocupação marroquina, conduz-me à essa
triste constatação: A política externa de STP caiu no descrédito e no ridículo.
É uma política sem princípios onde impera a prática do contorcionismo. As
dificuldades económicas e financeiras, em si só, não podem servir de
justificação, desculpas e alibis. A defesa dos interesses nacionais deveria ser
conduzida com princípios éticos, seriedade, dignidade, respeito e competência.
Ainda se lembram do
reconhecimento diplomático de Taiwan em 1997 e que teve como consequência a
ruptura de relações diplomáticas da China Popular com STP?
E o reatamento em 2016 das relações com a China Popular e o subsequente corte de relações com Taiwan?
A ligeireza, o improviso e o
desnorte na política externa de STP é constrangedor e inquietante. Um País
que teve outrora uma prática diplomática de referência, merece volvidos 44 anos
de independência, uma política externa séria, orientada por um Governo
competente e coerente.
Mais ainda, essa política externa
deveria ser conduzida por dirigentes e diplomatas responsáveis, defensores de
interesses nacionais e não de interesses obscuros e pessoais, algum deles,
perfumados de pré campanhas eleitorais e afins.
Os tempos mudaram, ouve-se dizer
em STP.
É verdade, grandes mudanças!!!
Atravessa-se um período de mediocridade e de vazio, fortalecido pela apatia do
povo, extenuado na sua luta quotidiana pela subsistência.
Termino com uma pergunta: Se a Espanha reassumisse o seu papel administrante do Saara Ocidental qual seria a posição de S. Tomé e Príncipe?
*Maria do Nascimento da Graça de
Amorim
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