domingo, 16 de fevereiro de 2020

O contorcionismo político santomense: o caso Saara Ocidental


Maria do Nascimento da Graça de Amorim.| Téla Nón | opinião

Eu tenho seguido ao longo desses largos anos, a evolução da política externa de S. Tomé e Príncipe (STP), muito em particular, o afrouxamento na defesa dos princípios que guiaram os dirigentes e o povo santomense na sua luta pela liberdade e independência nacional.

A política externa de STP deveria ser definida ao nível do Estado à partir da análise da realidade interna, da definição dos interesses nacionais e os eixos de intervenção. Planifica-se os objectivos à serem alcançados, e as acções que devem ser desenvolvidas tanto ao nível bilateral como multilateral.

Após a independência, em 12 de Julho de1975, STP foi solicitado pelos representantes de outros povos sob dominação colonial e apartheid para ser mais uma voz activa e solidária em defesa das suas lutas de libertação, nas diversas instâncias continentais e internacionais.

Foi o caso da Namíbia, Zimbabué, outrora Rodésia, Africa do Sul, Saara Ocidental e Timor Leste. As posições do Estado Santomense foram inspiradas no reconhecimento de um dos três princípios fundamentais da Carta da Organização de Unidade Africana, OUA, ou seja, a libertação total do Continente Africano do jugo colonial e de todas as formas de opressão.

Fiel a esse princípio orientador e grato pelo apoio solidário que recebeu da comunidade internacional durante a sua luta de libertação, STP defendeu sem reservas o direito inalienável desses povos na sua luta contra a opressão e o colonialismo.

Quando em Novembro de 1975 Marrocos através da “Marcha Verde” ocupou o Saara Ocidental sob dominação colonial da Espanha, em manifesto desrespeito do princípio de não violação das fronteiras herdadas do colonialismo, STP exprimiu o seu repúdio.

Quando Timor Leste foi invadido pela Indonésia, em Dezembro de 1975, STP condenou a ocupação, exigiu a retirada do ocupante e o reassumir das responsabilidades de Portugal na qualidade de potência administrante.

O Estado Santomense defendeu essa posição até a independência de Timor Leste. Por que razão essa constância não foi observada em relação ao Saara Ocidental?


STP participou e presidiu, durante 7 anos, um grupo informal de países designado “Grupo dos 25” que defendia a causa do Saara Ocidental – em cooperação estreita com a Frente Polisário – e outras questões de relevância para África.

Cito de memória os participantes do Grupo dos 25 e alguns dos seus simpatizantes: Angola, Argélia, Benim, Botsuana, Burkina Faso, Burundi, Cabo Verde, Chade, Congo Brazzaville, Etiópia, Gana, Guiné Bissau, Guiné Equatorial, Lesoto, Líbia, Madagáscar, Mali, Malawi, Maurícias, Mauritânia, Namíbia, Níger, S. Tomé e Príncipe, Suazilândia, Seicheles, Serra Leoa, Ruanda, Tanzânia, Zâmbia e Zimbabué.

A posição coerente e solidária desses países – sublinhe-se, do qual S. Tomé e Príncipe estava inserido, contribuiu para a admissão do Saara Ocidental como membro de pleno direito da OUA.

Apesar da admissão, a República Árabe Saaraui Democrática, RASD, precisa de apoio constante e solidário da comunidade internacional para a realização do referendo de autodeterminação, sob os auspícios da ONU. Sabendo que a questão Saaraui ainda não teve uma evolução positiva, como é possível aceitar, a luz dos princípios de justiça e solidariedade, a viragem de 180º, operada pelo Estado Santomense em 94/95. Por um lado, retirou o reconhecimento diplomático a RASD, e por outro alimenta progressivamente uma relação de dependência servil e patética com Marrocos.

O povo santomense tem o direito de conhecer as razões superlativas que levaram os vários Governos a essa mudança de posição e a enveredar na prática de contorcionismo político e que os obriga a renegar os princípios que outrora defendiam.

A abertura em 23 de janeiro de 2020, financiado por Marrocos, do Consulado Geral de STP em Laayun, território do Saara Ocidental sob ocupação marroquina, conduz-me à essa triste constatação: A política externa de STP caiu no descrédito e no ridículo. É uma política sem princípios onde impera a prática do contorcionismo. As dificuldades económicas e financeiras, em si só, não podem servir de justificação, desculpas e alibis. A defesa dos interesses nacionais deveria ser conduzida com princípios éticos, seriedade, dignidade, respeito e competência.

Ainda se lembram do reconhecimento diplomático de Taiwan em 1997 e que teve como consequência a ruptura de relações diplomáticas da China Popular com STP?

E o reatamento em 2016 das relações com a China Popular e o subsequente corte de relações com Taiwan?

A ligeireza, o improviso e o desnorte na política externa de STP é constrangedor e inquietante. Um País que teve outrora uma prática diplomática de referência, merece volvidos 44 anos de independência, uma política externa séria, orientada por um Governo competente e coerente.

Mais ainda, essa política externa deveria ser conduzida por dirigentes e diplomatas responsáveis, defensores de interesses nacionais e não de interesses obscuros e pessoais, algum deles, perfumados de pré campanhas eleitorais e afins.

Os tempos mudaram, ouve-se dizer em STP.

É verdade, grandes mudanças!!! Atravessa-se um período de mediocridade e de vazio, fortalecido pela apatia do povo, extenuado na sua luta quotidiana pela subsistência.

Termino com uma pergunta: Se a Espanha reassumisse o seu papel administrante do Saara Ocidental qual seria a posição de S. Tomé e Príncipe?

*Maria do Nascimento da Graça de Amorim

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