Rafael Barbosa* | Jornal de Notícias
| opinião
Uma criança de 9 anos com um
tumor cerebral pede para morrer. Os pais aceitam. Os médicos permitem. Uma
outra criança de 11 anos com fibrose cística pede também para morrer. Os pais
acompanham. Os médicos dão parecer favorável. Não é ficção científica, é facto.
Estas duas crianças já morreram. Em ambos os casos, a eutanásia foi autorizada
e concluída.
Aconteceu na Bélgica, o país mais
avançado do Mundo em matéria de morte assistida. Não há idade mínima, ao
contrário da vizinha Holanda, que só aceita candidatos a partir dos 12 anos. É
fácil olhar para estes exemplos e disparar chavões sobre a promoção de uma
cultura da morte. O problema é que é tão fácil como inútil. Tão fácil e inútil
como sugerir, como por cá se faz, em discursos cada vez menos polidos e mais
demagógicos, que o objetivo dos defensores da eutanásia é despachar velhinhos
que dão demasiada despesa ao Serviço Nacional de Saúde. Mais difícil e útil é
colocarmo-nos do lugar do outro e percebermos que o sofrimento nos pode colocar
perante decisões que julgamos inimagináveis. É provável que a maioria dos seres
humanos não seja capaz de tomar semelhante decisão. Sobre si e ainda menos
sobre um filho. Mas isso não é razão para impor proibições e castigos aos que
reclamam o direito a um final de vida digno (incluindo menores de idade).
Os líderes do movimento "sim
à vida" (designação maniqueísta que pressupõe que todos os outros defendem
o "sim à morte") lançaram por estes dias uma campanha pelo referendo
e até já têm uma pergunta: "Concorda que matar outra pessoa a seu pedido
ou ajudá-la a suicidar-se deve continuar a ser punível pela lei penal em quaisquer
circunstâncias?". Como é costume dizer-se, o diabo está nos detalhes. E o
detalhe aqui é a forma como começa a pergunta, tão enviesada como o debate que
supostamente pretende promover (recorde-se que não está em causa o direito a
matar, mas o direito a morrer). Um debate, por outro lado, que o movimento só
vai considerar suficiente no tempo, e razoável nas conclusões, se vingar a
visão estreita do mundo que se ensina na catequese.
*Chefe de Redação
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