A aprovação do Orçamento para
2020 na generalidade é o principal marco dos primeiros cem dias do novo
Governo, que se completam neste domingo, mas o processo negocial ainda em curso
indicia riscos de instabilidade a prazo.
Ao contrário do que se passou na
anterior legislatura, a proposta do Governo de Orçamento do Estado para 2020
não foi desta vez aprovada com votos favoráveis do Bloco de Esquerda, PCP, PEV e
PAN, mas apenas com as suas abstenções, às quais se juntaram as de três
deputados do PSD/Madeira e da deputada única do Livre, Joacine Katar Moreira.
Embora o novo quadro político
resultante das eleições legislativas de 6 de outubro permita agora
matematicamente que um Orçamento passe somente com votos do PS, desde que não
tenha a oposição das forças à esquerda dos socialistas, o sentido de voto de
Bloco e PCP evidencia uma maior demarcação política face ao segundo
Governo minoritário liderado por António Costa.
As votações na especialidade do
Orçamento do Estado começam já na segunda-feira e, durante esta fase do debate,
está no horizonte a possibilidade de PSD, Bloco de Esquerda e PCP isolarem
o PS na aprovação de uma proposta de descida do IVA da eletricidade para
consumo doméstico de 23% para 6% - uma medida que o Governo estima ter um custo
anual superior a 700 milhões de euros e que considera colocar em causa o
equilíbrio das contas públicas.
Aquilo que o PS caracteriza como
"coligações negativas" contra o Governo, juntando direita e esquerda
no parlamento, teve já um primeiro episódio no final da anterior legislatura. PSD, CDS-PP,
Bloco e PCP chegaram a um entendimento inicial para isolar os
socialistas em torno da reposição total do tempo de serviço dos professores, o
primeiro-ministro ameaçou demitir-se e essa proposta acabou por
"morrer" na votação final.
O XXII Governo foi empossado pelo
Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, em 26 de outubro do
ano passado. Por opção do próprio primeiro-ministro, António Costa, e com o
aval do chefe de Estado, este segundo executivo minoritário do PS iniciou
funções sem qualquer acordo escrito com os parceiros parlamentares de esquerda
da anterior legislatura.
O Bloco de Esquerda estava
disponível para procurar um acordo escrito, mas o PCP recusou repetir
a fórmula de novembro de 2015, e o secretário-geral do PS optou por
não privilegiar formalmente nenhum dos parceiros. Estas novas circunstâncias da
base de apoio parlamentar ao novo Governo têm levado António Costa a deixar
sucessivos avisos às forças à sua esquerda.
"O claro reforço eleitoral
do PS nas últimas legislativas não dispensa o Governo do dever de promover o
diálogo parlamentar e a estabilidade no horizonte da legislatura. Do mesmo
modo, a ausência de uma maioria absoluta impõe aos partidos que têm sido - e
queremos que continuem a ser - nossos parceiros o dever acrescido de
contribuírem de modo construtivo para o sucesso deste diálogo ao longo de toda
a legislatura", afirmou na apresentação do Orçamento do Estado.
Em paralelo, António Costa também
transmitiu a mensagem de que o PS quer continuar a governar com apoios à sua
esquerda e que, sem eles, não será empurrado para procurar entendimentos à sua
direita.
"O país disse que apreciou e
validou politicamente a solução encontrada na anterior legislatura, dando agora
mais força ao PS. Esta não vai ser uma legislatura em que o PS anda à deriva ou
à procura de uma carochinha", declarou.
Na passada quarta-feira, já
perante a possibilidade de Bloco e PCP apoiaram a proposta do PSD de
redução do IVA da eletricidade, o primeiro-ministro foi ainda
mais longe nos seus avisos: "Este não é o último, o penúltimo, ou o
antepenúltimo orçamento da legislatura, é mesmo o primeiro. Por isso, só quem
tem mesmo muita pressa de precipitar o fim da legislatura é que pode querer ter
vontade de logo no primeiro orçamento fazer tudo aquilo que se comprometeu
fazer ao longo de quatro anos", advertiu.
O XXII Governo Constitucional,
liderado por António Costa, é o maior da história da democracia portuguesa, com
19 ministros, quatro dos quais com pastas de Estado (Pedro Siza Vieira,
Augusto Santos Silva, Mário Centeno e Mariana Vieira da Silva), e 50
secretários de Estado. A ideia, segundo o primeiro-ministro, foi dar maior
centralidade às questões da economia e permitir uma maior flexibilidade em
termos orgânicos quando Portugal assumir a presidência da União Europeia
no primeiro semestre de 2021.
Logo na cerimónia de posse
António Costa anunciou um plano para aumentar o salário mínimo nacional para
750 euros até 2023. Para 2020, o Governo fixou o salário mínimo em 635 euros.
Também nos primeiros dias de
Governo, o primeiro-ministro colocou em discussão na concertação social
um acordo de rendimentos de médio prazo, tendo em vista aumentar o nível
salarial da generalidade dos trabalhadores, sobretudo dos jovens mais
qualificados, e melhorar as condições para a conciliação entre a vida familiar
e profissional dos trabalhadores.
Semanas depois, o Governo
apresentou uma proposta de Orçamento do Estado para este ano prevendo um
excedente de 0,2%, um crescimento económico de 1,9%, uma descida do desemprego
para 6,2% e uma redução da dívida até atingir um patamar próximo dos 100% do PIB (Produto
Interno Bruto) no final da legislatura.
Do ponto de vista político, ao
nível orçamental, o Governo tem destacado o reforço do Programa Operacional da
Saúde em 800 milhões de euros, verba que será acompanhada por um plano de
investimentos plurianual de 190 milhões de euros e pela contratação de mais 8426
profissionais para o setor até 2021.
Além da saúde, as outras
prioridades do Governo têm passado pelo impulso de políticas públicas de
habitação e pela regulação do mercado imobiliário (limitação dos vistos Gold em
Lisboa e Porto e programa de arrendamento acessível), assim como pela aposta na ferrovia.
Na recente reabertura das oficinas de Guifões (Matosinhos), o
primeiro-ministro defendeu mesmo que Portugal deve ter como projeto o
desenvolvimento de uma base industrial ferroviária, designadamente na área da
manutenção e na produção de material circulante, tendo como objetivo entrar
a prazo no mercado exportador.
Ainda ao nível de grandes projetos de infraestruturas,
o Governo recebeu este mês uma declaração de impacto ambiental favorável
emitida pela Agência Portuguesa do Ambiente para a concretização da construção
do novo aeroporto do Montijo. Porém, a declaração favorável está condicionada
ao cumprimento de 160 medidas de mitigação, às quais a ANA - Aeroportos de
Portugal terá de dar cumprimento - medidas que ascendem a cerca de 48 milhões
de euros.
Na frente europeia, a principal
batalha de António Costa tem passado pelas negociações em torno do "Quadro
Financeiro Plurianual da União Europeia 2021-2027.
António Costa rejeita qualquer
proposta que não preserve a preços correntes as verbas a transferir para
Portugal nos próximos sete anos e considera que um acordo orçamental, para ser
alcançado, deverá ficar entre os valores avançados pela Comissão Europeia
(1,11% do rendimento nacional bruto conjunto sem o Reino Unido) e pelo
Parlamento Europeu (1,3% do rendimento nacional bruto).
Nestes primeiros cem dias em
funções, o Conselho de Estado autorizou o primeiro-ministro a depor por escrito
no processo sobre o furto de armas na base militar de Tancos, em que foi
arrolado como testemunha pelo ex-ministro da Defesa Azeredo Lopes.
António Costa manifestou-se disponível em depor por escrito, apesar da pressão
pública exercida pelo juiz de instrução, Carlos Alexandre, no sentido de que
deponha presencialmente.
Ainda em matéria de defesa, dias
antes do Natal, António Costa visitou as forças da Polícia Marítima que operam
no mar mediterrâneo, a partir da costa grega, no controlo de migrantes, e
os militares portugueses ainda presentes no Iraque.
Notícias ao Minuto | Lusa | Imagem:
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