sexta-feira, 27 de março de 2020

A LÓGICA COM SENTIDO DA VIDA – I


Martinho Júnior, Luanda 

O MAIOR “SEGREDO” DA REVOLUÇÃO CUBANA

A situação global contemporânea remete-nos para a necessidade de tomada de consciência urgente sobre os destinos da humanidade e do planeta, nossa “casa comum” e isso é tanto mais crítico quanto o capitalismo que nos conduziu à globalização neo liberal apanágio do império, na sua lógica que inclui o lucro, a especulação, os mais inverosímeis tráficos e o domínio avassalador sobre os “mercados”, nos ter feito chegar a um ponto de rotura que, elevando o exponencial dos riscos a um nível nunca antes experimentado, põe em causa a essência da vida na Terra, tal como neste momento a conhecemos.

Hoje não se presencia só aos desequilíbrios e assimetrias humanas e ambientais: refinaram-se os processos de domínio de um punhado de interesses poderosos sobre o resto, estimulando o que é virtual sobre o que é real, na maior parte dos casos por via dum consumo cada vez mais abrangente, entorpecendo as sociedades, formatando até a inteligência humana pela redução da consciência dos próprios riscos até ao limite do suportável.

A lógica com sentido de vida, novo paradigma do processo dialéctico, surge a partir da crítica filosófica e ideológica à lógica capitalista que está-nos a conduzir até à exaustão, com todo o seu cortejo de sofrimento humano e de problemas ambientais de carácter geo-estratégico, tudo isso agravado pela contradição entre os cada vez menos recursos existentes, para fazer face a uma população cada vez maior e cada vez mais ávida de consumo, aproveitando os conhecimentos adquiridos por via da ampla socialização e do respeito para com a Mãe Terra para projectar alternativas saudáveis por que efectivamente sustentáveis, para o homem e para o planeta.

Essa síntese dá-nos a ideia da dimensão exponencial inspiradora da revolução cubana, que mesmo sujeita a todo o tipo de medidas de ingerência, de pressão e de bloqueio possível, teve a inteligência de, resistindo, ser a vanguarda da lógica alternativa que se impõe, pelo respeito com que aborda as questões que se prendem à essência da vida, à humanidade e ao planeta.

Ela contrasta sobretudo com o que há de medieval e feudal nas ideologias de que se serve a aristocracia financeira mundial e seu séquito de servidores!

A revolução cubana comporta factores que se prendem com o amor, a solidariedade e com o equilíbrio, factores que se tornaram, à medida do agravamento da situação global, no farol humanístico que ilumina as trevas, por que são o exemplo do que o homem deve e pode fazer para a sua sobrevivência e a do planeta, nos termos em que ele propicia a vida como a conhecemos.

Perante um bloqueio avassalador aplicado pelo império, Cuba voltou-se sobre si mesma e não perdeu tempo: auto-descobriu-se e transformou em conhecimento adquirido e sustentável as potencialidades humanas e as da natureza, de forma a conduzir uma sociedade traumatizada por tudo o que representava a ditadura de Fulgêncio Baptista forjada numa ditadura sustentada numa lógica capitalista selvagem, numa sociedade capaz de resistir, capaz da dignidade ao mesmo tempo e de solidarizar-se com os povos oprimidos de todo o mundo, na esteira do resgate das nações surgidas da escravatura, desde os alvores do capitalismo moderno.

A revolução cubana desde o primeiro dia em que assumiu o poder foi determinante pelo exemplo: escolheu como prova a experiência do contacto directo com a “ciénaga” de Zapata, o mais empobrecido, marginalizado e inóspito rincão do país.

Sobre ele diria Raul de Castro: “yo no creia que la vida de los campesinos era mas dura en la Sierra Maestra que en ningún outro lado; pêro pude comprobar en la ciénaga que la de los carboneros de esa zona es increiblemente inhumana y dolorosa”.

Os dirigentes da revolução cubana deram o exemplo nessa descoberta e alguns deles, entre eles o próprio Raul de Castro, quase perderam a vida por causa dessa ousadia, na sequência duma sucessão de acidentes.

Nada pode substituir o esforço para nos conhecermos, humanamente nos conhecermos, conhecer as nossas potencialidades, capacidades, aptidões e anseios, como conhecer o nosso espaço físico-geográfico, conhecer o nosso país, a começar pelos lugares mais inacessíveis e difíceis, por que só assim se poderá melhor construir a identidade nacional, valorizar-se uma pátria para todos, sustentável também no respeito pela natureza.

Esse esforço nunca será em vão pois o inventário humano e o dos recursos físico-geográficos e naturais é fundamental para, de forma cada vez mais inteligente, se poder programar a sustentabilidade integrada da vida, por muito duras que sejam as condições, inclusive quando essas condições são as de um bloqueio tão feroz e prolongado como o imposto a Cuba, um bloqueio acrescido por todo o tipo de ingerências, provocações e terrorismo!

Toda a nação se deve transformar assim numa grande escola, que nos motiva para a reflexão, para o conhecimento e para humanizarmos a sociedade, respeitando a Mãe Terra, pelo que toda a planificação deve ser feita exclusivamente com base nos recursos, tendo em conta a sustentabilidade, única garantia de respeitarmos de forma abrangente e integrada, a lógica com sentido de vida.

Por essa via, nunca será em vão a aposta na educação e na saúde, como a ampliação constante dos conhecimentos que se vão adquirindo sobre o homem, a natureza e o ambiente.

Bloqueada Cuba, a revolução cubana buscou a solução mais inteligente, adaptada às condições impostas a partir do exterior, sempre disposta a compartilhar as experiências e conhecimentos em proveito do resgate dos oprimidos e na luta contra o subdesenvolvimento.

A paz socialista é uma constante descoberta de nós próprios, da humanização dos nossos actos, uma prova constante de solidariedade, internacionalismo e justiça, como uma prova de descoberta da natureza, ainda que nas condições mais adversas e hostis, pelo muito respeito que nos deve merecer esta casa comum que é a Terra.

Não será esse um dos maiores “segredos” da revolução cubana e das potencialidades do seu internacionalismo e de sua solidariedade?

Não constitui esse “segredo” um conhecimento adquirido único que poderá ser reflectido em todos os aspectos e factores da lógica com sentido de vida, onde quer que se manifeste a existência individual ou colectiva do homem!

Essa lição poderá ser tida em conta em relação ao estudo das enormes potencialidades hídricas e hidrológicas de África, Angola incluída.

A água é a vida e a água do interior do continente africano, um continente onde os desertos estão em expansão, é um manancial de ambientes tropicais únicos e extremamente importantes para a vida no planeta.

Os vales do Nilo, do Níger, do Congo e do Zambeze, por exemplo, têm características únicas com ambientes originais, que influenciam no habitat humano, bem como no equilíbrio ambiental global.

A bacia do Congo é o segundo pulmão equatorial da Terra, a seguir ao Amazonas na América do Sul!

A “defesa” dos “direitos humanos”, da “democracia representativa”, da “luta contra a pobreza”, parafraseando a propaganda do capital perante esforços tão nobres como os de Cuba, não passa de cosmética que vai empalidecendo à medida que a resistência perdura face às adversidades: o capitalismo auto estimula-se com as ramagens, quando sua raiz, aquilo que alimenta e mantém a árvore de pé, não pára de apodrecer…

A revolução cubana resiste graças às enormes potencialidades de sua energia e vitalidade e por isso constitui, de há pouco mais de 50 anos a esta parte, um dos exemplos mais fecundos que, ao aceitar todo o tipo de desafios, põe à prova a sua criatividade alternativa e a criatividade de todos nós!

Foto: A Terra vista pela tripulação da Apolo 17: o planeta é a nossa “casa comum”

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