terça-feira, 31 de março de 2020

Como os “cisnes negros” estão a moldar o pânico no planeta



«A equação aponta agora para uma confluência de Wall Street em pânico; histeria Covid-19 massiva; persistentes e inumeráveis abalos secundários resultantes da balbúrdia comercial global do presidente Donald Trump; o circo eleitoral dos EUA; e instabilidade política na Europa. Essas crises entrelaçadas significam Tempestade Perfeita.»

Está o planeta sob o feitiço de uma variedade de «Cisnes Negros» - um colapso de Wall Street causado por uma suposta guerra do petróleo entre a Rússia e a Casa de Saud, mais a disseminação descontrolada do Covid-19 - levando a um “pandemónio de cruzamento de activos”, como o designou Nomura, a holding japonesa?

Ou, como sugere o analista alemão Peter Spengler, seja o que for que “o evitado clímax no Estreito de Ormuz não provocou ainda até agora, pode agora suceder pela via das ‘forças de mercado’”?

Comecemos com o que realmente aconteceu depois de cinco horas de discussões relativamente educadas na última sexta-feira em Viena. Que se tenha transformado num efectivo colapso na OPEP+ foi uma reviravolta no enredo.

OPEP+ inclui Rússia, Cazaquistão e Azerbaijão. Essencialmente, depois de anos a suportar a fixação de preços pela Opep - resultado da implacável pressão dos EUA sobre a Arábia Saudita - enquanto reconstruía pacientemente as suas reservas em moeda estrangeira, Moscovo vislumbrou a janela de oportunidade perfeita para atacar, visando a indústria de xisto dos EUA.

As acções de alguns desses produtores dos EUA caíram até os 50% na “Segunda-feira Negra”. Simplesmente não podem sobreviver com um barril de petróleo nos US $ 30 - e é para aí que se está a encaminhar. No fim de contas, essas empresas estão afogadas em dívidas.


Um barril de petróleo a US $ 30 tem de ser visto como um precioso pacote de brinde/estímulo para uma economia global em turbulência - especialmente do ponto de vista dos importadores e consumidores de petróleo. Foi isso que a Rússia tornou possível.
E o estímulo pode durar algum tempo. O Fundo Nacional de Riqueza russo deixou claro que possui reservas suficientes (mais de US $ 150 milhares de milhões) para cobrir um déficit orçamental de entre seis e 10 anos - mesmo com o petróleo a US $ 25 o barril. O Goldman Sachs já admitiu a possibilidade do petróleo Brent a US $ 20 o barril.

Como enfatizam os traders do Golfo Pérsico, a chave daquilo que é percebido nos EUA como uma “guerra do petróleo” entre Moscovo e Riad é principalmente sobre derivativos. Basicamente, os bancos não poderão pagar aos especuladores que possuem derivativos garantidos contra um declínio acentuado no preço do petróleo. Um stress adicional resulta de traders em pânico com o Covid-19, espalhando-se por países visivelmente impreparados para lidar com ele.

Observe o jogo russo

Moscovo deve ter apostado de antemão que as acções russas negociadas em Londres - como as de Gazprom, Rosneft, Novatek e Gazprom Neft - entrariam em colapso. Segundo o co-proprietário da Lukoil, Leonid Fedun, a Rússia poderá perder até US $ 150 milhões por dia a partir de agora. A questão é por quanto tempo isso será aceitável.

Ainda assim, desde o início, a posição da Rosneft era de que, para a Rússia, o acordo com a OPEP+ era “desprovido de sentido” e apenas “abrira caminho” ao petróleo de xisto norte-americano.

O consenso entre os gigantes da energia russos foi que a actual configuração do mercado - maciça “procura negativa de petróleo”, “choque de oferta” positivo e nenhum produtor em situação de viragem - tinha inevitavelmente que provocar uma queda no preço do petróleo. Estavam a assistir, impotentes, enquanto os EUA já estavam já a vender petróleo a um preço mais baixo do que a OPEP.

A acção de Moscovo contra a indústria de fracking dos EUA foi uma resposta à interferência do governo Trump no Nord Stream 2. A inevitável, acentuada desvalorização do rublo foi praticada - considerando também que, de qualquer maneira, o rublo já estava baixo.

Ainda assim, o que aconteceu depois de Viena tem pouco a ver com uma guerra comercial entre Rússia e Arábia Saudita. O Ministério da Energia da Rússia é fleumático: seguir em frente, nada para ver aqui. Riyadh, significativamente, tem vindo a emitir sinais de que o acordo OPEP+ pode estar de regresso num futuro próximo. Um cenário viável é que esse tipo de terapia de choque continuará até 2022, e então a Rússia e a OPEP voltarão à mesa para elaborar um novo acordo.

Não há números definitivos, mas o mercado de petróleo corresponde a menos de 10% do PIB da Rússia (costumava ser 16% em 2012). As exportações de petróleo do Irão em 2019 caíram 70%, e ainda assim Teerão conseguiu adaptar-se. No entanto, o petróleo representa mais de 50% do PIB saudita. Riad precisa de petróleo a não menos do que US $ 85 o barril para pagar as suas contas. O orçamento para 2020, com preço de US $ 62-63 o barril, tem ainda um déficit de US $ 50 milhares de milhões.

A Aramco diz que oferecerá nada menos que 300.000 barris de petróleo por dia além da sua “capacidade máxima sustentada” a partir de 1 de Abril. Dizem que serão capazes de produzir uns impressionantes 12,3 milhões de barris por dia.

Traders do Golfo Pérsico dizem abertamente que isso é insustentável. E é. Mas a Casa de Saud, em desespero, estará a explorar as suas reservas estratégicas para despejar o máximo possível de petróleo o mais rápido possível - e manter a guerra de preços em alta. A ironia (oleosa) é que as principais vítimas da guerra de preços são uma indústria pertencente ao protector norte-americano.

A Arábia ocupada pelos Sauditas está uma confusão. O Wall Street Journal informou sexta-feira que um dos irmãos do rei, o príncipe Ahmed bin Abdulaziz al Saud, e um sobrinho, o príncipe Mohammed bin Nayef, dois poderosos sauditas, foram presos e acusados ​​de traição por supostamente conspirarem contra o rei Salman e seu filho, o Príncipe Mohammed bin Salman (MbS).

Todo grão de areia no deserto de Nefud sabe que o compincha do Jared «da Arábia? Kushner, o MbS, é o governante de facto dos últimos cinco anos, mas o momento desta sua nova purga em Riad diz muito.

A CIA está furiosa: Nayef foi e continua a ser o principal património de Langley. O facto de a contra-informação do regime saudita ter denunciado os “americanos” como parceiros num possível golpe contra MBS deve ser lido como “CIA”. É apenas uma questão de tempo até que o Deep State dos EUA, em conjunto com elementos insatisfeitos da Guarda Nacional, venha pela cabeça de MbS - mesmo que ele articule a tomada do poder total antes da cimeira do G-20 em Riad em Novembro próximo.

Black Hawk Down?

Então, o que acontece a seguir? Por entre um tsunami de cenários, de Nova York a todos os pontos da Ásia, a regra mais optimista é que a China está prestes a vencer a “guerra do povo” contra o Covid-19, e os números mais recentes confirmam-no. Nesse caso, a procura global de petróleo pode aumentar em pelo menos 480.000 barris por dia.
Bem, a coisa é muito mais complicada.

A equação aponta agora para uma confluência de Wall Street em pânico; histeria Covid-19 massiva; persistentes e inumeráveis abalos secundários resultantes da balbúrdia comercial global do presidente Donald Trump; o circo eleitoral dos EUA; e instabilidade política na Europa. Essas crises entrelaçadas significam Tempestade Perfeita. No entanto, o ângulo do mercado é facilmente explicado talvez como o começo do fim de o Fed injectar dezenas de milhões de milhões de dólares EUA na economia por meio de QEs e de operações compromissadas desde 2008. Chamem-lhe o descobrir do bluff dos banqueiros centrais.

Pode argumentar-se que o actual pânico financeiro apenas se reduzirá quando o último Cisne Negro - Covid-19 - estiver contido. Tomando de empréstimo o famoso ditado de Hollywood - “ninguém sabe de nada” - todas as apostas estão suspensas. Por entre um denso nevoeiro, e descontando a usual quantidade de desinformação, um analista do Rabobank, entre outros, apresentou quatro cenários plausíveis do Covid-19. Reconhece agora que está a ficar “feio” e o quarto cenário - o “impensável” – já deixou de ser impossível.

Isso implica uma crise económica global de, sim, impensável magnitude.

Tudo dependerá em grande parte da rapidez com que a China - o elo crucial inescapável da cadeia de fornecimentos just-in-time global - regresse a uma nova normalidade, compensando intermináveis semanas de encerramentos em série.

Desprezada, discriminada, demonizada 24 horas por dia todos os dias pelo “líder do sistema”, a China assumiu um nietzschianismo total – está prestes a provar que “o que não te mata torna-te mais forte” quando se trata de uma “guerra popular” contra o Covid-19. Na frente EUA há poucas esperanças de que o reluzente Black “helicopter money” Hawk vá cair definitivamente. O Cisne Negro extremo terá a última palavra.

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