sexta-feira, 27 de março de 2020

Custos de confinamento para os pobres serão elevados


Muitos países africanos decretaram o confinamento das populações para travar a Covid-19. As medidas são justificadas, mas péssima notícia para os mais pobres e desprotegidos, na opinião de Isaac Mugabi, jornalista da DW.

Depois de Ruanda e Tunísia, foi a vez da África do Sul decretar um confinamento obrigatório de três semanas que entrou em vigor à meia-noite de 26 de março. Todas as pessoas têm de ficar em casa, a não ser que precisem de ir comprar alimentos, consultar um médico ou receber prestações sociais. Estão isentas apenas as pessoas que trabalham em serviços essenciais. O encerramento aplica-se também a todo o comércio considerado não-essencial. Já dois dias antes do anúncio havia mais de 700 casos confirmados na África do Sul, apesar de uma falta aguda de testes.

O Presidente Cyril Ramaphosa devia ter agido muito mais cedo para proteger os cidadãos. Muitos sul-africanos vivem na pobreza e na miséria em cidades e assentamentos informais, muitas vezes sem acesso à água limpa de que necessitam para ajudar a impedir a disseminação da COVID-19. Em lugares como Diepsloot, às portas de Joanesburgo, ou Delft, nos arredores da Cidade do Cabo, são sinónimo de pobreza, superlotação, falta de saneamento, desemprego e altas taxas de HIV/SIDA, tuberculose e diabetes.

Os que são pobres demais para adquirir até os bens mais básicos para a sobrevivência são obrigados a ver a classe média e os ricos, muitos deles ligados à classe política, correr para os supermercados para armazenar em casa tudo o que acreditam precisar para não lhes faltar nada durante o confinamento.




A Itália ou a Espanha de África

A opção de empregar o exército para garantir a observação das medidas de isolamento social pode ser desastroso para a África do Sul. O risco de que os militares ajam impunemente contra as pessoas que mais precisam da ajuda do governo nesta altura é grande.

Muitos sul-africanos desconfiam profundamente do Governo, por estarem dececionados com as promessas não cumpridas de uma vida melhor na era pós-apartheid. O fosso entre ricos e pobres na nação mais industrializada de África é o maior do mundo e a sua liderança é tida por uma das mais corruptas do mundo.

Resta saber se os cidadãos marginalizados e que acham que já não têm nada a perder estarão dispostos a acatar com uma ordem do Governo para ficarem em casa e não consumirem álcool.

Muitos sul-africanos só têm recurso a um sistema de saúde pública já sobrecarregado. Preocupa-os a perspetiva de ficarem desamparados no caso de contágio com o novo coronavírus. E o risco é elevado, pois a quarentena é praticamente impossível em condições de pobreza e superlotação.

Se o Governo de Ramaphosa tivesse lidado atempadamente com a atual decadência social, a negligência dos pobres e a corrupção a alto nível, a África do Sul não se arriscaria agora a tornar-se a Itália ou a Espanha de África.

Perigo de colapso total da economia

Na China, as medidas compulsivas de isolamento social para achatar a curva de infeções revelaram-se eficazes. Mas os países africanos enfrentam o dilema de um possível colapso total das suas economias. As pequenas e médias empresas (PMEs), que já antes se debatiam com impostos elevados e baixos rendimentos, serão afetadas a curto prazo. A pandemia ainda vai no início, mas muitas já registam perdas fatais de lucros.

Os países africanos não podem permitir-se o luxo de injetar nas economias avultados pacotes de estímulo a exemplo dos países ricos. Muitos não estão preparados para reagir ao impacto que a pandemia vai ter na economia e no setor da saúde. Uma solução seria a banca comercial suspender a pagamento de juros sobre empréstimos para aliviar aqueles as dívidas.

O Ruanda e a África do Sul já tomaram algumas medidas corajosas para proteger as empresas. Mas outros, como o Uganda, Quénia e Nigéria, adeptos da economia liberalizada, podiam fazer bastante mais. Esta é também a oportunidade de organizações de caridade e igrejas mobilizarem os seus recursos e praticarem o que que pregam, ajudando o próximo.

África tem quantidades de pastores e profetas autoproclamados, que viajam em jatos privados e ostentam uma opulência inimaginável para os seus seguidores. Os dízimos que as pessoas enviam por transferência móvel para pagar os serviços espirituais deviam agora ser desviados para os governos encarregados de atender às necessidades físicas dos doadores. A guerra contra a Covid-19 está a ser travada por nós todos - e o custo da vitória vai ser muito elevado.

Isaac Mugabi | Deutsche Welle | opinião

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