Muitos países africanos
decretaram o confinamento das populações para travar a Covid-19. As medidas são
justificadas, mas péssima notícia para os mais pobres e desprotegidos, na
opinião de Isaac Mugabi, jornalista da DW.
Depois de Ruanda e Tunísia, foi a
vez da África do Sul decretar um confinamento obrigatório de três semanas que
entrou em vigor à meia-noite de 26 de março. Todas as pessoas têm de ficar em
casa, a não ser que precisem de ir comprar alimentos, consultar um médico ou
receber prestações sociais. Estão isentas apenas as pessoas que trabalham em
serviços essenciais. O encerramento aplica-se também a todo o comércio
considerado não-essencial. Já dois dias antes do anúncio havia mais
de 700 casos confirmados na África do Sul, apesar de uma falta aguda
de testes.
O Presidente Cyril Ramaphosa
devia ter agido muito mais cedo para proteger os cidadãos. Muitos sul-africanos
vivem na pobreza e na miséria em cidades e assentamentos informais, muitas
vezes sem acesso à água limpa de que necessitam para ajudar a impedir a
disseminação da COVID-19. Em lugares como Diepsloot, às portas de Joanesburgo,
ou Delft, nos arredores da Cidade do Cabo, são sinónimo de pobreza,
superlotação, falta de saneamento, desemprego e altas taxas de HIV/SIDA,
tuberculose e diabetes.
Os que são pobres demais para
adquirir até os bens mais básicos para a sobrevivência são obrigados a ver a
classe média e os ricos, muitos deles ligados à classe política, correr para os
supermercados para armazenar
em casa tudo o que acreditam precisar para não lhes faltar nada
durante o confinamento.
A Itália ou a Espanha de África
A opção de empregar o exército
para garantir a observação das medidas de isolamento social pode ser desastroso
para a África do Sul. O risco de que os militares ajam impunemente contra as
pessoas que mais precisam da ajuda do governo nesta altura é grande.
Muitos sul-africanos desconfiam
profundamente do Governo, por estarem dececionados com as promessas não
cumpridas de uma vida melhor na era pós-apartheid. O fosso entre ricos e pobres
na nação mais industrializada de África é o maior do mundo e a sua liderança é
tida por uma das mais corruptas do mundo.
Resta saber se os cidadãos
marginalizados e que acham que já não têm nada a perder estarão dispostos a
acatar com uma ordem do Governo para ficarem em casa e não consumirem álcool.
Muitos sul-africanos só têm
recurso a um sistema de saúde pública já sobrecarregado. Preocupa-os a
perspetiva de ficarem desamparados no caso de contágio com o novo coronavírus.
E o risco é elevado, pois a quarentena é praticamente impossível em condições
de pobreza e superlotação.
Se o Governo de Ramaphosa tivesse
lidado atempadamente com a atual decadência social, a negligência dos pobres e
a corrupção a alto nível, a África do Sul não se arriscaria agora a tornar-se a
Itália ou a Espanha de África.
Perigo de colapso total da economia
Na China, as medidas compulsivas
de isolamento social para achatar a curva de infeções revelaram-se eficazes.
Mas os países africanos enfrentam o
dilema de um possível colapso total das suas economias. As pequenas e
médias empresas (PMEs), que já antes se debatiam com impostos elevados e baixos
rendimentos, serão afetadas a curto prazo. A pandemia ainda vai no início, mas
muitas já registam perdas fatais de lucros.
Os países africanos não podem
permitir-se o luxo de injetar nas economias avultados pacotes
de estímulo a exemplo dos países ricos. Muitos não estão preparados
para reagir ao impacto que a pandemia vai ter na economia e no setor da saúde.
Uma solução seria a banca comercial suspender a pagamento de juros sobre
empréstimos para aliviar aqueles as dívidas.
O Ruanda e a África do Sul já
tomaram algumas medidas corajosas para proteger as empresas. Mas outros, como o
Uganda, Quénia e Nigéria, adeptos da economia liberalizada, podiam fazer
bastante mais. Esta é também a oportunidade de organizações de caridade e igrejas
mobilizarem os seus recursos e praticarem o que que pregam, ajudando o próximo.
África tem quantidades de
pastores e profetas autoproclamados, que viajam em jatos privados e ostentam
uma opulência inimaginável para os seus seguidores. Os dízimos que as pessoas
enviam por transferência móvel para pagar os serviços espirituais deviam agora
ser desviados para os governos encarregados de atender às necessidades físicas
dos doadores. A guerra contra a Covid-19 está a ser travada por nós todos - e o
custo da vitória vai ser muito elevado.
Isaac Mugabi | Deutsche Welle |
opinião
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