domingo, 8 de março de 2020

Portugal | As PPP e o PS: regresso ao passado?


Voltar ao lançamento de PPP na Saúde e abrir caminho à exploração privada de urgências e de outros serviços é regressar ao passado. É ressuscitar a entrega do SNS aos privados que figurava na Lei de Bases do PSD e do CDS. Não foi esse o caminho que se fez na anterior legislatura.

Moisés Ferreira | Público | opinião

O Governo do PS parece estar cheio de pressa para anunciar o lançamento de novas parcerias público-privadas (PPP) na área da Saúde. Em pouco tempo anunciou as de Cascais e de Loures e a ministra da Saúde abriu a porta à entrega a privados das Urgências Pediátricas do Hospital Garcia de Orta.

A pressa destes anúncios contrasta com a lentidão do Governo a regulamentar a Lei de Bases da Saúde, em particular os aspetos sobre a gestão pública dos estabelecimentos do SNS.

Sabendo que as decisões que está a tomar sobre novas PPP entram em choque com a nova Lei de Bases, estará o Governo a protelar a regulamentação para, no entretanto, contornar a lei? Parece que sim.

Por que razão não quer fazer o debate sobre essas novas PPP já num novo enquadramento legal em que o recurso a privados é supletivo e só em casos de necessidade fundamentada? A razão é simples: porque não há fundamentação para a entrega destes hospitais a privados.


O SNS gere várias dezenas de entidades, entre centros hospitalares, unidades locais de saúde, hospitais especializados, centros de reabilitação, agrupamentos de centros de saúde, etc. Querem mesmo fazer crer que não conseguiria gerir mais dois hospitais de complexidade média? Porquê?

Não teria orçamento? Este é um argumento que não pode utilizar porque o dinheiro que alimenta as PPP sai do orçamento do SNS. Por isso, o orçamento está lá.

Não teria profissionais para estes hospitais? Além de ser o SNS que forma a esmagadora maioria dos profissionais de saúde, os profissionais já lá estão e não desapareceriam por artes mágicas.

Não teria pessoas para a administração? É difícil acreditar que não as conseguisse encontrar num universo de mais de cem mil trabalhadores, principalmente quando, mais uma vez, foi o SNS que formou, do ponto de vista teórico e prático, os administradores que lideram os vários hospitais, incluindo muitos dos privados.

E sobre o Garcia de Orta? Não há outra solução que não seja privatizar as urgências do hospital?

Há, mas o Governo parece não querer aplicá-la: recusa-se a rever as carreiras médicas e a melhorar as condições remuneratórias dos profissionais de saúde, recusa-se a criar incentivos à fixação e adia a exclusividade. Mas, enquanto recusa tudo isto, dispõe-se a pagar mais de 100 milhões de euros ao ano por prestações de serviços e agora, pelos vistos, até se predispõe a pagar a grupos económicos para explorar serviços, desviando o orçamento do SNS para esses grupos.

O Garcia de Orta perdeu, ao longo de anos, vários pediatras para o setor privado (que abriu um hospital a apenas 2 km) e tem sentido dificuldades na contratação de outros. Por tudo isto foi obrigado a encerrar as urgências pediátricas durante o horário noturno. Algo será preciso fazer, então, para aumentar a atratividade deste hospital e conseguir captar e fixar especialistas. Essa é a solução.

Voltar ao lançamento de PPP na Saúde e abrir caminho à exploração privada de urgências e de outros serviços é regressar ao passado. É ressuscitar a entrega do SNS aos privados que figurava na Lei de Bases do PSD e do CDS. Não foi esse o caminho que se fez na anterior legislatura.

Pode ser que no partido que lançou a primeira vaga de PPP na Saúde exista uma certa saudade desses tempos; coisa que não existe é fundamentação para as decisões que o seu Governo está a tomar.

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