Voltar ao lançamento de PPP na
Saúde e abrir caminho à exploração privada de urgências e de outros serviços é
regressar ao passado. É ressuscitar a entrega do SNS aos privados que figurava
na Lei de Bases do PSD e do CDS. Não foi esse o caminho que se fez na anterior
legislatura.
Moisés Ferreira | Público | opinião
O Governo do PS parece estar
cheio de pressa para anunciar o lançamento de novas parcerias público-privadas
(PPP) na área da Saúde. Em pouco tempo anunciou as de Cascais e de Loures e a
ministra da Saúde abriu a porta à entrega
a privados das Urgências Pediátricas do Hospital Garcia de Orta.
A pressa destes anúncios
contrasta com a lentidão do Governo a regulamentar
a Lei de Bases da Saúde, em particular os aspetos sobre a gestão pública
dos estabelecimentos do SNS.
Sabendo que as decisões que está
a tomar sobre novas PPP entram em choque com a nova Lei de Bases, estará o
Governo a protelar a regulamentação para, no entretanto, contornar a lei?
Parece que sim.
Por que razão não quer fazer o
debate sobre essas novas PPP já num novo enquadramento legal em que o recurso a privados
é supletivo e só em casos de necessidade fundamentada? A razão é
simples: porque não há fundamentação para a entrega destes hospitais a
privados.
O SNS gere várias dezenas de
entidades, entre centros hospitalares, unidades locais de saúde, hospitais
especializados, centros de reabilitação, agrupamentos de centros de saúde, etc.
Querem mesmo fazer crer que não conseguiria gerir mais dois hospitais de
complexidade média? Porquê?
Não teria orçamento? Este é um
argumento que não pode utilizar porque o dinheiro que alimenta as PPP sai do
orçamento do SNS. Por isso, o orçamento está lá.
Não teria profissionais para
estes hospitais? Além de ser o SNS que forma a esmagadora maioria dos
profissionais de saúde, os profissionais já lá estão e não desapareceriam por
artes mágicas.
Não teria pessoas para a
administração? É difícil acreditar que não as conseguisse encontrar num
universo de mais de cem mil trabalhadores, principalmente quando, mais uma vez,
foi o SNS que formou, do ponto de vista teórico e prático, os administradores que
lideram os vários hospitais, incluindo muitos dos privados.
E sobre o Garcia de Orta? Não há
outra solução que não seja privatizar
as urgências do hospital?
Há, mas o Governo parece não
querer aplicá-la: recusa-se a rever as carreiras médicas e a melhorar as
condições remuneratórias dos profissionais de saúde, recusa-se a criar
incentivos à fixação e adia a exclusividade. Mas, enquanto recusa tudo isto,
dispõe-se a pagar mais de 100 milhões de euros ao ano por prestações de
serviços e agora, pelos vistos, até se predispõe a pagar a grupos económicos
para explorar serviços, desviando o orçamento do SNS para esses grupos.
O Garcia de Orta perdeu, ao longo
de anos, vários pediatras para o setor privado (que abriu um hospital a apenas
2 km) e tem sentido dificuldades na contratação de outros. Por tudo isto foi
obrigado a encerrar
as urgências pediátricas durante o horário noturno. Algo será preciso
fazer, então, para aumentar a atratividade deste hospital e conseguir captar e
fixar especialistas. Essa é a solução.
Voltar ao lançamento de PPP na
Saúde e abrir caminho à exploração privada de urgências e de outros serviços é
regressar ao passado. É ressuscitar a entrega do SNS aos privados que figurava
na Lei de Bases do PSD e do CDS. Não foi esse o caminho que se fez na anterior
legislatura.
Pode ser que no partido que
lançou a primeira vaga de PPP na Saúde exista uma certa saudade desses tempos;
coisa que não existe é fundamentação para as decisões que o seu Governo está a
tomar.
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