Os responsáveis que o capital
escolheu para o seu serviço mostram-se nesta situação de crise em todo o seu
esplendor: mentirosos, egoístas, hipócritas, oportunistas. Eles e as suas
instituições deixaram os serviços e os profissionais da saúde sem recursos nem
meios. Mas agora uns exigem o que eles próprios não fizeram e todos
perguntam-se, como sempre: “quanto custa”, “onde é que está o lucro?”, ou
“quanto ganhamos com isso?”
Nestes dias de pandemia em que o
coronavírus testa a capacidade de resistência da humana condição, assiste-se à
proliferação de vírus de diferente espécie que, não sendo novos, nem por isso
são menos letais: os vírus da mentira, do oportunismo, da hipocrisia, do
egoísmo.
Face a um problema global com a
gravidade que reveste a covid -19, a União Europeia limitou-se a abrir a bolsa
para o sector financeiro, a autorizar os países a gastar o que fosse preciso do
seu PIB com os seus cidadãos (remetendo para mais tarde a respectiva factura),
e não foi capaz de um gesto ou apelo que fosse à solidariedade dos 27, que ao
mesmo ritmo a que foram fechando fronteiras decretaram o salve-se quem puder,
sem perceber que as fronteiras estão à nossa porta.
É no mínimo obsceno que perante a
trágica situação vivida em Itália e em Espanha, para citar apenas dois
exemplos, com os respectivos pessoal e serviços de saúde à beira da ruptura, a
ajuda externa tenha chegado não da «solidária» UE nem do «amigo» americano, mas
dos mal-amados chineses, cubanos e russos. Esses mesmos, a quem os EUA impõem
sanções económicas em função dos seus interesses, retaliando ainda contra os
que os não seguem como se continuássemos na Idade Média.
Face à pandemia, ouvimos
políticos como Macron a falar de «guerra sanitária» e a mobilizar o exército
para levar doentes para hospitais de campanha, sem um resquício de
arrependimento por ter suprimido em três anos 4172 camas em 3000 serviços de
saúde pública, dando de resto seguimento à política do seu antecessor François
Hollande, que suprimiu 17 500 camas em 95 centros de saúde.
Nada muito diferente da situação
em Portugal, onde os que agora questionam as condições do SNS são os mesmos que
em sucessivos governos fizeram com que o País passasse de 397,6 camas por 100
mil habitantes nos hospitais, em 1990, para 344,5 em 2018; ou que o número de
camas nos centros de saúde passasse de 32,4 para zero; ou que as 39 690 camas
existentes nos 240 hospitais, em 1990, ficassem reduzidas, em 2018, a 35 429
camas em 230 hospitais. Os mesmos que agora querem máscaras para cada cidadão e
que enquanto governantes foram responsáveis por Portugal ser o país da Europa
com menor número de camas nos cuidados intensivos: 4,2 por 100 mil habitantes.
Os mesmos que hoje clamam por mais Estado, sem qualquer pudor, são os mesmos
que desenvolveram políticas que levaram mais de 20 mil enfermeiros formados
pelo ensino público a deixar o País – a zona de conforto – desde 2010.
Numa altura em que apenas três
semanas foram iniciados 28 processos de despedimento colectivo, o triplo face
ao mesmo período do ano passado, o vírus que mata tem outro nome.
Entre o juramento de Hipócrates,
feito pelos médicos, e o juramento dos hipócritas, a única semelhança está na
fonética.
*Este artigo foi publicado no “Avante!” nº 2417, 26.03.2020
*Este artigo foi publicado no “Avante!” nº 2417, 26.03.2020
*Extraído de O Diário.info por PG
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