Domingos De Andrade* | Jornal de
Notícias
O primeiro pedido, de muitos, em
telefonemas, mensagens, correios eletrónicos, foi para que não faltassem
jornais. Ovar vivia as 24 horas iniciais de cerco, um concelho sitiado, sem
entrada possível, com as fugas de quem conhecia os caminhos de cabras a serem
denunciadas pelo próprio presidente.
É aflitivo entrar naquele
concelho e sentir que há olhares malsãos no ar, que as pessoas se incutem uma
perceção de estigma que vem de fora, das terras limítrofes. Sentir a angústia
dos polícias, com familiares dentro de uma clausura imaginável e real, os
familiares afastados por uma fronteira virtual que separa o ar respirável do ar
impuro.
Entrar no edifício da Câmara,
onde funciona o gabinete de crise, com elementos da Proteção Civil,
especialistas, autarcas, voluntários, é também deixar-se invadir pelo medo que
por estes dias nos assalta.
Ovar tem 120 idosos do lar da
Santa Casa da Misericórdia em "estado de sítio", depois de um ter
morrido com a Covid-19. Tem um tecido empresarial agoniado e incapaz de sequer
fazer escoar os produtos armazenados. Uma população maioritariamente remediada,
os pescadores, os trabalhadores das fábricas, gente que vive do campo. E pouco
mais.
Não tem médicos, ou enfermeiros,
escassa ajuda estatal nestes quase 15 dias de calamidade pública. Nem ninguém
que conte as horas dramáticas que ali se vivem, exceto, permitam-me este
orgulho, o JN, que nunca deixou de descrever de dentro para fora o que lá se
vive.
O apelo lancinante de Salvador
Malheiro, finalmente acudido, a pedir ajuda ao Governo, em meios técnicos e
humanos, para montar uma tenda de campanha, seria escusado, se não parecesse,
como parece, que a população foi abandonada à sua sorte.
Ovar precisa de ajuda. Se não os
ajudarmos agora, como poderemos estar certos de que alguém nos vai dar a mão
quando formos nós a precisar?
Percebe-se hoje melhor o porquê
de o autarca confrontar permanentemente os números de infetados de que dispõe
com os que são divulgados pela Direção-Geral da Saúde. Como é que um político
justifica aos seus munícipes um estado de calamidade pública quando os números
até são menores do que nos concelhos limítrofes?
*Diretor
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