segunda-feira, 30 de março de 2020

Portugal | O CERCO DE OVAR


Domingos De Andrade* | Jornal de Notícias

O primeiro pedido, de muitos, em telefonemas, mensagens, correios eletrónicos, foi para que não faltassem jornais. Ovar vivia as 24 horas iniciais de cerco, um concelho sitiado, sem entrada possível, com as fugas de quem conhecia os caminhos de cabras a serem denunciadas pelo próprio presidente.

É aflitivo entrar naquele concelho e sentir que há olhares malsãos no ar, que as pessoas se incutem uma perceção de estigma que vem de fora, das terras limítrofes. Sentir a angústia dos polícias, com familiares dentro de uma clausura imaginável e real, os familiares afastados por uma fronteira virtual que separa o ar respirável do ar impuro.

Entrar no edifício da Câmara, onde funciona o gabinete de crise, com elementos da Proteção Civil, especialistas, autarcas, voluntários, é também deixar-se invadir pelo medo que por estes dias nos assalta.

Ovar tem 120 idosos do lar da Santa Casa da Misericórdia em "estado de sítio", depois de um ter morrido com a Covid-19. Tem um tecido empresarial agoniado e incapaz de sequer fazer escoar os produtos armazenados. Uma população maioritariamente remediada, os pescadores, os trabalhadores das fábricas, gente que vive do campo. E pouco mais.

Não tem médicos, ou enfermeiros, escassa ajuda estatal nestes quase 15 dias de calamidade pública. Nem ninguém que conte as horas dramáticas que ali se vivem, exceto, permitam-me este orgulho, o JN, que nunca deixou de descrever de dentro para fora o que lá se vive.

O apelo lancinante de Salvador Malheiro, finalmente acudido, a pedir ajuda ao Governo, em meios técnicos e humanos, para montar uma tenda de campanha, seria escusado, se não parecesse, como parece, que a população foi abandonada à sua sorte.

Ovar precisa de ajuda. Se não os ajudarmos agora, como poderemos estar certos de que alguém nos vai dar a mão quando formos nós a precisar?

Percebe-se hoje melhor o porquê de o autarca confrontar permanentemente os números de infetados de que dispõe com os que são divulgados pela Direção-Geral da Saúde. Como é que um político justifica aos seus munícipes um estado de calamidade pública quando os números até são menores do que nos concelhos limítrofes?

*Diretor

Sem comentários:

Mais lidas da semana