Em artigo no Linkedin, Nelson
Teich defende isolar só as pessoas infectadas e seus contatos mais próximos
"Usando um conceito que hoje
permeia a saúde, ele deveria ser personalizado. Um modelo semelhante ao da
Coreia do Sul. Essa estratégia demanda um conhecimento maior da extensão da
doença na população e uma capacidade de rastrear pessoas infectadas e seus
contatos", disse ele
247 – O novo ministro da
Saúde, Nelson Teich, é contra as políticas de isolamento e quarentena adotadas
em praticamente todo o País. Segundo ele, apenas as pessoas infectadas e seus
contatos mais próximos deveriam ser isoladas – o que demandaria testes em massa
e o uso de tecnologias invasivas de privacidade. Leia, abaixo, a íntegra do seu
artigo:
Por Nelson Teich, em seu Linkedin – Esse artigo é
dividido em duas partes. Na primeira falamos das ações para enfrentamento da
crise causada pela Covid-19, algo que em grande parte já faz parte da visão da
população e dos gestores. Na segunda parte vou abordar alguns pontos que
acredito podem ter impacto nas avaliações, nas escolhas e nas definições de
políticas e ações.
Podemos dividir as ações para o
enfrentamento da crise atual desencadeada pela Covid-19 em alguns pilares:
1.
Entender que o atual momento é marcado por enorme falta
de informação e grande incerteza em relação a Covid-19. Essa incerteza se
aplica à história natural da doença e sua evolução, ao impacto final no nível
de saúde das pessoas e da sociedade, ao tempo que a sociedade vai ter que
conviver com uma mudança radical no seu dia a dia, e aos possíveis
desdobramentos sociais e econômicos consequentes à doença e às medidas que vão
sendo tomadas.
Um nível de incerteza muito alto
obriga gestores a rever quase que diariamente, com bases em novas informações
que vão sendo acumuladas, as escolhas, políticas e ações que foram previamente
determinadas. Isso torna crítica a capacidade de gerar informação detalhada,
completa e confiável, em tempo real.
2.
Estruturar os sistemas de saúde público e privado para
que tenham a capacidade de oferecer os cuidados necessários para a população,
durante o período da epidemia a após o seu término. O sistema de saúde vai ter
que administrar uma enorme demanda reprimida ao término da crise da Covid-19.
3. Tomar
medidas que permitam ao Sistema de Saúde atender todos os que necessitam de
cuidado durante a crise da Covid-19:
3.a.
Reduzir o volume da entrada simultânea de novos
pacientes no Sistema de Saúde para que se consiga atender tanto aqueles com
diagnóstico de Covid-19 quanto aqueles com outras doenças e problemas que não
podem ter o seu cuidado postergado.
3.b.
Aumentar a capacidade do Sistema de Saúde para atender
com qualidade a uma demanda aumentada de pacientes, estruturando a operação de
forma que ela seja segura para os profissionais de saúde, e trabalhando em
iniciativas voltadas a hospitais, leitos, equipamentos como respiradores,
Equipamentos de Proteção Individual (EPI) e Recursos Humanos.
3.c.
Iniciar programas de Telemedicina que vão
auxiliar nos processos de diagnóstico e tratamento, permitindo que isso seja
conseguido mantendo o distanciamento que protege profissionais e
pacientes.
4.
Iniciar uma estratégia que permita estruturar e
coordenar a retomada das atividades normais do dia a dia e da economia.
5.
Iniciar programas e pesquisas para avaliar as melhores
estratégias de diagnóstico, prevenção, tratamento e monitoramento da Covid-19 e
suas consequências.
6. Criar
um programa de Informação e Inteligência que consolide todas as informações
críticas que vão permitir entender a doença e suas consequências e definir as
políticas e ações adequadas.
7.
Trabalhar o Brasil com o detalhamento necessário por
estados ou regiões, permitindo que as ações e políticas sejam implementadas na
sequencia ideal nas diferentes regiões do país, auxiliando nas estratégias de
logística e transferência de recursos de uma parte do país para outra. Isso vai
evitar a compra de insumos e equipamentos de forma simultânea para todo o país,
algo importante não só pelo custo financeiro, mas também por uma possível
escassez de recursos para compra que pode acontecer em diferentes momentos ao
longo da crise.
8.
Pesquisa na busca de Vacinas e Tratamentos que atuem
sobre a Covid-19.
Vou comentar agora alguns pontos
que me parecem críticos na avaliação da situação atual e no desenho dos
próximos passos.
Vamos começar falando sobre a
polarização que está acontecendo entre a saúde e a economia. Esse tipo de
problema é desastroso porque trata estratégias complementares e sinérgicas como
se fossem antagônicas. A situação foi conduzida de uma forma inadequada, como
se tivéssemos que fazer escolhas entre pessoas e dinheiro, entre pacientes e
empresas, entre o bem e o mal.
Um dos temas mais importantes
relacionados à saúde de uma sociedade são os “Determinantes Sociais da Saúde”
(DSS) , que são aquelas variáveis que impactam na expectativa e na qualidade de
vida das pessoas. Cuidados em Saúde, Estabilidade Econômica, Educação e
Condições Sociais são alguns desses determinantes e não existe uma definição
clara do peso de cada um desses fatores no tempo de vida e no bem estar das
pessoas. Todos precisam ser abordados simultaneamente, com o mesmo cuidado e
atenção, principalmente em tempos de crise.
Quando medimos os benefícios das
intervenções em Saúde usando a mortalidade e o sofrimento como desfechos
principais e os benefícios da intervenção econômica sendo medidos usando número
de empresas que quebram e as perdas financeiras e de empregos, naturalmente
criamos um conflito e uma disputa intensa e desigual que impede a percepção de
objetivos e metas comuns, e não leva a cooperação no desenho de programas e
políticas. Qualquer escolha e ação, seja ela da saúde, econômica ou social, tem
que ter na mortalidade o seu desfecho final, por mais difícil que seja chegar a
esses números. É a única forma de comparar as ações e escolhas que são feitas
de uma forma técnica, justa e equilibrada.
Outro ponto é que fala-se muito
que a saúde tem que ser abordada de uma forma técnica, mas isso também vale
para iniciativas econômicas e sociais. Uma abordagem técnica é aquela em que as
ações e as consequências das ações são decididas e avaliadas com base em dados
objetivos e indicadores. Como o impacto das decisões sociais e econômicas na
mortalidade e na qualidade de vida não é simples ser medido, acabamos tratando
tais escolhas e abordagens como políticas, o que é um erro.
Felizmente, apesar de todos os
problemas, a condução até o momento foi perfeita. Pacientes e Sociedade foram
priorizados e medidas voltadas para o controle da doença foram tomadas. Essa
escolha levou a riscos econômicos e sociais, que foram tratados com medidas
desenhadas para resolver possíveis desdobramentos negativos das ações na saúde.
O isolamento/distanciamento
social
Aqui vamos tratar isolamento e
distanciamento como se fossem a mesma coisa, apesar de existir diferença entre
esses conceitos.
Diante da falta de informações
detalhadas e completas do comportamento, da morbidade e da letalidade da
Covid-19, e com a possibilidade do Sistema de Saúde não ser capaz de absorver a
demanda crescente de pacientes, a opção pelo isolamento horizontal, onde toda a
população que não executa atividades essenciais precisa seguir medidas de
distanciamento social, é a melhor estratégia no momento. Além do impacto no
cuidado dos pacientes, o isolamento horizontal é uma estratégia que permite
ganhar tempo para entender melhor a doença e para implantar medidas que
permitam a retomada econômica do país.
Outro tipo de isolamento sugerido
é o isolamento vertical. Nessa opção apenas um grupo de pessoas é submetido ao
isolamento, no caso aquelas com maior risco de morrer pela doença, como idosos
acima de 60 anos e pessoas com outras doenças que aumentam o risco de morte
pela Covid-19. Essa estratégia também tem fragilidades e não representaria uma
solução definitiva para o problema. Como exemplo, sendo real a informação que a
maioria das transmissões acontecem à partir de pessoas sem sintomas, se
deixarmos as pessoas com maior risco de morte pela Covid-19 em casa e
liberarmos aqueles com menor risco para o trabalho, com o passar do tempo
teríamos pessoas assintomáticas transmitindo a doença para as famílias, para as
pessoas de alto risco que foram isoladas e ficaram em casa. O ideal seria um
isolamento estratégico ou inteligente. Vamos falar sobre isso mais à frente.
Testes em massa
Testes em massa para a Covid-19
são necessários para o entendimento do comportamento da doença e para definir
as melhores estratégias e ações.
Se os dados preliminares
estiverem corretos, 80% dos pacientes com a Covid-19 não apresentam sintomas ou
são pouco sintomáticos. Nesse cenário, a concentração dos testes em pacientes
internados e mais graves, não vai permitir entender a epidemiologia da doença,
o que implica no não conhecimento da sua incidência, evolução, prevalência,
transmissibilidade e letalidade.
Projeções e Modelos Matemáticos
As informações sobre a Covid-19
vindo de outros países mostram um cenário assustador, grave e caótico nunca
antes vivido no mundo no último século. Nesse cenário de grande incerteza em
relação a história natural da Covid-19, é necessário fazer escolhas e
definir ações para abordar a crise atual. Na busca de tomar decisões mais
embasadas, modelos matemáticos são criados e utilizados para realizar projeções
com objetivo de ajudar no desenho de estratégias, políticas e ações.
As projeções que são feitas
tomando por base modelos matemáticos alimentados com premissas incorretas
causam grandes problemas. Os números gerados pelos modelos, que deveriam ser
tratados apenas como possíveis cenários, cercados de enorme incerteza quanto a
sua possível realidade, acabam sendo tratados como uma evolução provável,
quase como um fato concreto. Não podemos assumir que vamos adivinhar o
que vai acontecer no Brasil através do uso de modelos matemáticos ou da
extrapolação do que acontece em outros países, até mesmo porque quando olhamos
o cenário mundial vemos realidades muito diferentes entre os países na evolução
da doença e não é simples entender os reais motivos dessas diferenças.
Tomando como exemplo as projeções
do Imperial College London, que foi feita em 27 de Março, o cenário mais
pessimista projetava 1.152.283 mortes no Brasil. A Gripe Espanhola de
1918, uma das maiores pandemias da história da humanidade, de acordo com
estudos realizados, infectou 25% da população mundial e matou 2,5% (500 milhões
e 50 milhões pessoas respectivamente). No Brasil ela matou cerca de 35.000
pessoas. Em 1918 a população brasileira era de 28.9 milhões de habitantes.
Fazendo um ajuste para a população atual que gira em torno de 212.5 milhões de
pessoas, o número equivalente de mortes no Brasil pela Gripe Espanhola seria de
257 mil pessoas. Os números do Imperial College da Covid-19 para o Brasil
projetaram uma mortalidade 4,4 vezes maior que aquela ocorrida na Gripe
Espanhola. Parece um exagero. Com medidas de supressão precoce, as projeções do
número mortes pelo Imperial College para o Brasil cairiam para 44.212, uma
redução de 96%. Parece outro exagero. A ideia aqui é mostrar que mesmo
instituições renomadas e de referência podem fazer projeções que levam a
cenários extremamente improváveis, que podem causar mais ansiedade e medo do
que auxiliar na compreensão e solução de problemas.
Isolamento Social
Finalmente vamos falar sobre o
isolamento. Usando um conceito que hoje permeia a saúde, ele deveria ser
personalizado. Um modelo semelhante ao da Coreia do Sul. Essa estratégia
demanda um conhecimento maior da extensão da doença na população e uma
capacidade de rastrear pessoas infectadas e seus contatos. Estamos falando aqui
do uso de testes em massa para Covid-19 e de estratégias de rastreamento e
monitorização, algo que poderia ser rapidamente feito com o auxilio das
operadoras de telefonia celular. Esse monitoramento provavelmente teria uma
grande resistência da sociedade e demandaria definição e aceitação de regras
claras de proteção de dados pessoais.
Considerações Finais
Tudo o que foi falado é muito
fácil de falar, mas muito difícil de fazer acontecer.
Demanda uma gestão
centralizada e estruturada, incluindo o sistema público nos níveis federal,
estadual e municipal, a saúde suplementar e contribuições da iniciativa
privada.
Também é fundamental o
alinhamento dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
Gerir e fazer acontecer em
períodos de crise é um desafio enorme.
Estamos vivendo um tempo de
guerra e tempos de guerra, apesar de todas as dificuldades e perdas, são
períodos onde grandes inovações acontecem, inclusive na saúde.
Essa é uma guerra diferente, em
guerras convencionais a maior busca da inovação está voltada para fuzis, aviões
de guerra, armas nucleares. Nesse caso nossas maiores inovações vão estar no
campo da informação, das vacinas, dos medicamentos e na capacidade de rever
nossas rotinas do dia a dia.
Espero que logo ali na frente a
gente consiga encontrar ou desenvolver tratamentos que curem a Covid-19, para
que a história natural da doença seja mudada e para que possamos retornar a um
dia a dia mais leve e agradável, idealmente mudado para melhor pelo aprendizado
desses tempos de guerra.
Na imagem; nelson teich (Foto:
Reprodução | ABr)
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