Cumprir as medidas de prevenção
contra a Covid-19 é crucial, conclui um estudo realizado antes do início do
estado de emergência. Se o contacto social não diminuir, até 65 mil moçambicanos
poderão morrer da doença.
A equipa de resposta à Covid-19
do Imperial College, em Londres, publicou um relatório na semana passada que conclui
que "ações rápidas, decisivas e coletivas podem salvar milhões de
vidas" durante o combate ao novo coronavírus.
A equipa chefiada pelo professor
Neil Ferguson realiza modelos sofisticados sobre a progressão da pandemia de
Covid-19 e construiu um modelo baseado na redução do contacto social. O estudo
demonstrou que, se os governos impuserem restrições rígidas, os números de
mortes e de infeções por coronavírus serão bastante mais baixos do que se nada
for feito. Se nenhum governo agir, mais de 7 mil milhões de pessoas em todo o
mundo serão infetadas e 41 milhões morrerão.
Covid-19 pode matar até 65 mil
moçambicanos
O modelo de Ferguson revelou
números alarmantes para Moçambique. Se o Executivo não fizesse nada para
limitar o contacto social – ou se as medidas implementadas não forem cumpridas
- entre 61 e 65 mil moçambicanos poderiam morrer de Covid-19.
O estudo mostra ainda que 94% da
população de Moçambique poderá ficar infetada com o novo coronavírus e que, no
pico, 190 mil pacientes vão precisar de camas hospitalares, dos quais 32 mil
vão precisar de cuidados críticos. Estes números ultrapassam largamente a capacidade
dos serviços de saúde locais.
O Presidente Filipe Nyusi
decretou o estado
de emergência em Moçambique durante todo o mês de abril. À semelhança
do que vigora na vizinha África do Sul, uma das restrições às liberdades
individuais que pode ser invocada é a "obrigação de permanência em local
determinado".
Antes, o Governo moçambicano já
tinha anunciado algumas medidas de restrição de contacto social, como o fecho
das escolas e a suspensão da emissão de vistos - o que poderá ajudar a baixar
os números do modelo matemático da equipa do Imperial College.
Como reduzir estes números?
A resposta passa pelo isolamento
social. Segundo o modelo de Ferguson, reduzir os contactos sociais em
Moçambique para 45% diminui a taxa de infeção de coronavírus para 63% da
população, um número já bem abaixo dos 94% de infetados previstos se nada for
feito. No entanto, se os contactos sociais reduzirem para estes 45%, as mortes
cairiam apenas para 48 mil, um número ainda alto quando comparado com os
iniciais 61 a 65 mil.
Se o Governo moçambicano
conseguir reduzir os contactos sociais em 75% mas esperar demasiado tempo para
implementar este tipo de medidas, a mortalidade desce para os 30 mil e a taxa
de infeção baixa para os 37%. No pico da epidemia no país, a procura hospitalar
seria então de 84 mil.
O modelo sugere que, se a
resposta for rápida, apenas 11% da população será infetada e haverá 9 mil
mortes. A procura hospitalar máxima seria de 19 mil pacientes, dos quais 3.500
precisariam de cuidados intensivos.
A equipa de Ferguson conclui,
portanto, que os governos têm de agir rapidamente para suprimir ao máximo os
contactos sociais. Só assim será possível controlar a epidemia do novo
coronavírus e não sobrecarregar os serviços de saúde locais.
Porque descem os números com o
isolamento social?
Com base nos dados da Europa,
cada pessoa com Covid-19 infeta três outras pessoas - geralmente antes de
apresentarem sintomas - e a taxa de mortalidade diária dobra a cada três dias.
A única possibilidade de travar
este crescimento exponencial é impedir que pessoas com a doença infetem outras
pessoas. Isso significa reduzir rapidamente os contactos sociais. A resposta
passa ainda por testar e isolar quem tem a doença e rastrear as pessoas com
quem tiveram contactos.
Retornados da África do Sul fora
do modelo
A África do Sul decretou um recolher
obrigatório de três semanas a partir da meia-noite de sexta-feira
passada (27.03) e milhares de moçambicanos retornaram a Moçambique da África do
Sul.
Joseph Hanlon, editor do artigo
que publicou o estudo de Ferguson na newsletter "Mozambique News Reports
& Clippings", questiona o impacto dos moçambicanos que regressaram da
África do Sul: "Alguns já foram infetados e não sabemos para onde foram,
mas provavelmente a maior parte foi para as áreas rurais."
Os números oficiais são reais?
À DW África, Hanlon reforça que
os modelos são baseados em várias suposições e que há variáveis que faltam.
"Moçambique tem um nível muito alto de HIV, o que provavelmente aumentará
a taxa de mortalidade. Até agora, não temos sentido o espalhamento geográfico -
ele está concentrado em Maputo."
A equipa de resposta à Covid-19
do Imperial College alerta que pode estar a subestimar o impacto nos países de
baixos rendimentos com serviços de saúde pobres "que serão rapidamente
sobrecarregados". Alerta ainda que modelos de computador não são previsões
precisas e contêm sempre suposições. Neste caso, baseiam-se em experiências
distantes como as da China e da Europa, portanto África pode apresentar
resultados diferentes.
O modelo de Ferguson lista os
resultados para cada país, incluindo Moçambique, tendo em conta dados do Banco
Mundial e outras informações sobre rendimentos, serviços de saúde, perfis de
idade ou tamanho da família, por exemplo. Reconhece-se também que o contacto
social varia consoante os países e, portanto, para Moçambique, baseia-se em
constatações de um estudo recente no Zimbabué. O modelo analisa a evolução da
doença nos próximos 250 dias.
A vizinha África do Sul
contabiliza mais de 1.300 casos e cinco mortes por Covid-19. Moçambique
totaliza dez positivos e nenhuma morte.
Hanlon questiona a veracidade dos
números oficiais de Moçambique. "Até agora, são basicamente urbanos - e
não há muitos testes. Portanto, o número deve ser muito maior."
Modelo de Ferguson influencia
Reino Unido
As projeções do relatório de 16
de março sobre a Grã-Bretanha foram tão chocantes que obrigaram o primeiro-ministro
Boris Johnson a reverter totalmente a política do Reino Unido. Os britânicos
estão em confinamento obrigatório há mais de uma semana.
Contudo, a medida não foi
implementada cedo o suficiente. Johnson e o ministro da Saúde, Matt Hancock, divulgaram
na sexta-feira passada (27.03) que testaram positivo para a Covid-19. O
príncipe Carlos, herdeiro da coroa britânica, também está infetado. O Reino
Unido regista esta quarta-feira (01.04) mais de 25.000 casos de infeção
e 2.352 mortes pelo novo coronavírus e é o sexto país com mais mortos pela
pandemia.
Marta Cardoso | Deutsche Welle
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