quinta-feira, 23 de abril de 2020

Ingrediente-chave para o tratamento da Covid-19 pode estar em Macau


Ivermectina é o nome do princípio activo produzido pela Hovione Macau que, segundo uma equipa de investigadores de Melbourne, na Austrália, pode ser a solução no tratamento da Covid-19. É nos laboratórios de Macau que a empresa portuguesa produz para todo o mundo o fármaco usado principalmente como desparasitante, e que poderá servir também para travar o novo coronavírus. 

Há uma embalagem transparente com cinco gramas de um pó branco em exposição dentro de uma das caixas de luz de um dos laboratórios da Hovione Macau. É a ivermectina, e nem Eddy Leong, director-geral das operações de Macau da farmacêutica portuguesa, nem Philip Lee, líder da equipa de controlo de qualidade, se atrevem a adivinhar um preço para aquele pacote. “Quanto mais branco, mais puro”, diz apenas Philip ao PONTO FINAL.

No laboratório de cromatografia, que serve para os profissionais da Hovione Macau purificarem as substâncias com as quais trabalham, há dez aparelhos HPLC nas bancadas, ventiladores a sair do tecto e quatro cientistas de luvas, óculos e bata branca. Nesta sala, explica Philip Lee, confirma-se a qualidade das amostras e verifica-se o nível de impurezas. Aqui são analisadas amostras dos cerca de 15 fármacos produzidos pela Hovione Macau.

O laboratório imediatamente ao lado tem um propósito semelhante. Aqui, os aparelhos pousados nas bancadas chamam-se Mastersizer 3000 e servem para analisar o tamanho das partículas de cada amostra. “Para que, por exemplo, cada partícula tenha o tamanho certo para ser absorvida pelo corpo humano”, explica Philip Lee. Ao lado, há dois UV Spectrometer. “O da direita é novo, foi comprado já este ano”, frisa Philip. Estes aparelhos são usados para analisar a qualidade das partículas através da luz ultravioleta. Na sala, mais microscópios, balanças, fornos, tubos de ensaio, lâmpadas e tubos brancos vindos do tecto.




ESPERANÇA NO TRATAMENTO DA COVID-19

O pó branco em exposição na caixa de luz tem estado em destaque nas últimas semanas porque uma equipa de investigadores da universidade australiana de Monash, em Melbourne, concluiu, através de testes ‘in vitro’, que a ivermectina pode eliminar o novo coronavírus em 48 horas. O estudo foi publicado pela revista científica Antiviral Research. As atenções voltaram-se, então, para Macau, já que grande parte da produção da ivermectina é assegurada no território.

A ivermectina é um princípio activo desparasitante, usado habitualmente em medicamentos para combater os piolhos, a rosácea e a Cegueira dos Rios, uma doença causada pela picada de moscas e cujas larvas acabam por provocar cegueira em humanos. As conclusões do estudo australiano para a aplicação em casos de infecção pela Covid-19 foram apenas feitas, até agora, ‘in vitro’, e ainda não há data para os testes em humanos.

DE LOURES PARA A TAIPA

A Hovione foi fundada, em 1959, em Loures, Portugal, pelo francês Ivan Villax. O químico esteve na China no final da década de 1970. Em 1979, abriu um escritório em Hong Kong e, em 1983, abriu a fábrica de Macau. O empreendimento custou 30 milhões de patacas e reaproveitou as antigas instalações da fábrica de panchões Him Un Iec Kei Chan, na Taipa.

Hoje, a Hovione investiga e desenvolve novos processos químicos e dispositivos médicos. Além disso, produz princípios activos para a indústria farmacêutica mundial. Tem actualmente cinco fábricas, em Portugal, Macau, Nova Jérsia, nos Estados Unidos, em Taizhou, na China, e em Cork, na Irlanda. Até 2028, a empresa quer ser a principal fornecedora de soluções farmacêuticas a nível global, lê-se no site da empresa. Nas instalações de Macau, há cerca de 200 funcionários, 15 dos quais portugueses.

EFICÁCIA DA DOXICICLINA CONTRA O ANTRAX

Em 2001, o antrax começou a ser usado como arma biológica, principalmente nos Estados Unidos. Uma substância chamada doxiciclina provou ser eficaz no tratamento das infecções pulmonares, na pele e nos intestinos associadas ao antrax. Essa substância, à semelhança daquilo que acontece agora com a ivermectina, era produzida quase em exclusivo pela Hovione Macau.

De acordo com um comunicado divulgado a 31 de Outubro de 2001, pela própria Hovione, a fábrica de Macau registou, na altura, um aumento “dramático” nas vendas da doxiciclina. “A Hovione, com uma unidade de produção na ilha da Taipa, Macau, aumentou a produção de doxiciclina para atender à crescente procura por parte dos Estados Unidos, provocada pelos ataques bioterroristas com antrax”, lê-se na nota da empresa. Uma semana depois, a emissora norte-americana CNN noticiava que a doxiciclina era o fármaco escolhido pela Administração de George W. Bush para o tratamento das infecções. “As autoridades de saúde de Washington anunciaram que vão dar às pessoas que precisem de tratamento preventivo contra o antrax o antibiótico doxiciclina”. Na altura, a Hovione Macau exportou a substância para a América, Europa, Austrália, Paquistão, Índia e Irão, por exemplo. No total, foram mais de 30 países os que receberam a doxiciclina de Macau.

André Vinagre | Ponto Final (mo) | Imagens: Eduardo Martins

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