domingo, 26 de abril de 2020

O dinheiro da austeridade


Domingos De Andrade | Jornal de Notícias | opinião

Nem coronabounds, a emissão de dívida conjunta pelos estados-membros da União Europeia, nem o plano que o primeiro-ministro espanhol Pedro Sánchez levou ao Conselho Europeu, defendendo a emissão de dívida perpétua (sem prazo de pagamento) para apoiar à reconstrução da economia debilitada pelo Grande Confinamento.

Fontes de Bruxelas apontam que no fim das contas acabará por prevalecer a proposta da chanceler alemã, segundo a qual a solução passa por aumentar o orçamento da UE nos próximos dois ou três anos de 1,2% para 2%, que será suportado por um misto de contribuição dos estados e da concessão de garantias por parte dos países à emissão de dívida europeia.

Há, nas decisões a tomar e que serão conhecidas na segunda ou terceira semana de maio, uma mimetização do Plano Juncker, criado pela Comissão em 2014 depois da crise das dívidas soberanas para apoiar investimentos estratégicos, chamando então os privados ao investimento. Uma espécie de Plano Juncker com esteroides, em que prevalecerá a lógica dos empréstimos em vez da lógica das subvenções.

O caminho a seguir não traz boas notícias a países fortemente endividados, como o caso de Portugal, que receberá entre 4% a 5% do seu PIB para refazer a economia. Muito dinheiro, apesar de tudo, no imediato, mas insuficiente. E ainda mais se boa parte nos for emprestado, ou seja, dívida.

E é aqui que entra o palavrão que o Governo arremeda. Austeridade. De uma forma ou de outra, em impostos diretos ou indiretos, os rendimentos dos portugueses, já tão castigados nesta altura, vão acabar por ser fortemente penalizados. É bom que nos preparemos. Ela acabará por chegar, mais tarde ou mais cedo.

P.S.:O discurso do 25 de Abril de Marcelo Rebelo de Sousa é uma lição de democracia. Justificou as cerimónias na Assembleia da República, colocando-se do lado dos que defendem que justamente por estes serem tempos excecionais, em que os poderes do Governo são maiores, "maiores devem ser os poderes de fiscalização" do Parlamento. Elogiou a unidade política no país "que a hora impõe", afastando a unicidade ou o unanimismo. E sublinhou a competência do Governo, mas sem deixar de elencar as "debilidades, carências, rigidez das nossas instituições" para extrair lições e corrigir no futuro. Ganhar abril para conquistar a liberdade em maio também é perceber o valor do simbolismo. Gostem ou não os seus detratores, o presidente da República é o maior fator de equilíbrio e confiança das instituições.

*Diretor

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