Manuel Carvalho Da Silva*
| Jornal de Notícias | opinião
Evoquemos e comemoremos
institucionalmente e nas formas que nos for possível "o dia mais puro e
limpo" da história do povo português nos últimos séculos.
Preparemo-nos para combates
prementes. Temos consciência dos desafios difíceis que enfrentamos e sabemos
que austeridade é uma palavra maldita: tanto pode significar uma virtude como
(em regra) um castigo. Nas últimas semanas proliferam analistas e políticos que
clamam por austeridade no que a palavra carrega de doloroso. Outros, inclusive
alguns governantes, fogem da palavra de forma hesitante. Anseiam encontrar
qualquer coisa parecida que não assuste.
Dizem-nos que nenhum governante
deseja a austeridade. É uma afirmação tão falsa quanto dizer que qualquer
patrão gostava de pagar melhores salários. Quando os governantes executam
cortes orçamentais sabem muito bem que diminuem as condições de saúde, a
proteção social, as pensões de reforma, a educação e formação, a efetividade da
justiça, a capacidade de investimento. Sabem que políticas de desvalorização
interna reduzem salários e direitos no trabalho, transferindo riqueza e poder
do trabalho para o capital.
Trazer à memória dos portugueses
os valores e o programa do 25 de Abril, a intervenção criadora e democrática
dos trabalhadores e do povo e o percurso feito constitui um exercício político
muito útil a todos os que se batem pelas liberdades e pela democracia, pela
soberania, pelo desenvolvimento da sociedade. Merece uma saudação pública o
presidente da Assembleia da República, que tem lembrado com muita objetividade
que a emergência jamais pode suspender a democracia. Se a Assembleia da
República está a funcionar, e bem, como admitir a não celebração institucional
do 25 de Abril aí no Parlamento?
A pandemia que nos está a
aprisionar é um acontecimento histórico de condições inéditas. Vão acontecer
mudanças, provavelmente profundas, que serão positivas ou negativas, conforme
as políticas que formos capazes de executar à escala mundial e, em particular,
em cada país.
Democratizar é preciso porque o
poder financeiro e económico se sobrepõe ao poder político representativo e a
justiça também se lhe submete em muitos casos; porque em muitas empresas e
serviços a democracia não passa do portão da entrada; porque as desigualdades
são gritantes e as ruturas e disfunções das relações entre gerações
preocupantes; porque o poder é pouco descentralizado e proliferam assimetrias.
A descolonização reivindicada em
1974 foi cumprida e bem geridos pela sociedade os seus duros impactos. Hoje o
conceito desperta-nos para o desafio de conquistarmos mais soberania face à
União Europeia e perante "os mercados". De conquistar soberania para
as pessoas aprisionadas nas precariedades, nos falsos determinismos
tecnológicos, na falta de tempo porque o controlo deste bem primordial nos está
a ser roubado.
A luta pelo desenvolvimento está
mais exigente. Há que reorientar a economia. Garantir a produção de bens
essenciais de que precisamos e bases para se assegurar os direitos fundamentais
das pessoas. Se houver coragem política os cortes orçamentais não serão uma
inevitabilidade. Há soluções de monetização da despesa pública, e da própria dívida,
que podem evitar o agravamento desta.
Travemos a invernia europeia e
nacional.
*Investigador e professor
universitário
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