LGDH considera decreto
presidencial que cria comissão para o efeito como "inconstitucional".
Constitucionalista alerta que revisão da lei magna "compete aos
deputados", não ao Presidente.
O constitucionalista guineense e
professor da Faculdade de Direito de Bissau, José Carlos da Fonseca, considera
como nulo o decreto do Presidente da Guiné-Bissau, publicado na segunda-feira
(11.05), que instituiu a Comissão Técnica para a revisão constitucional.
Segundo o decreto presidencial
n°14/2020 a que a DW África teve acesso, a comissão será constituída por cinco
elementos e terá um prazo de três meses para apresentar ao Presidente da
República um esboço do projeto de revisão da Constituição com a indicação dos
artigos a rever e o sentido das modificações que nele se pretendam introduzir,
assim como o projeto da própria Constituição revista, para posterior envio para
a discussão e adoção pelos órgãos competentes.
A Liga Guineense dos Direitos
Humanos (LGDH) reagiu em comunicado com "bastante preocupação" ao
teor do decreto presidencial que considera "manifestamente
inconstitucional" e "uma afronta ao princípio da separação de
poderes", que é a base do Estado de direito. A LGDH condena "sem
reservas" esta deriva constitucional de Umaro Sissoco Embaló que acredita
consubstanciar "um indício de propensão perigosa para o exercício
arbitrário do poder". A Liga exige ainda aos titulares de órgão de
soberania que atuem conforme a Constituição e a lei "sob pena de provocar
roturas maiores no tecido social".
Em entrevista exclusiva à DW,
José Carlos da Fonseca, mestre em ciências jurídico-políticas pela Faculdade de
Direito da Universidade de Lisboa, diz que o Presidente não tem competência
para criar uma comissão e em pleno estado de emergência, que o próprio Umaro
Sissoco decretou. A revisão constitucional não pode ser apresentada, debatida,
ou votada na vigência do estado do sítio ou de emergência, defende o
constitucionalista.
José Carlos da Fonseca
(JCF): Em termos do enquadramento jurídico, o decreto n°14/2020 que cria
uma comissão para revisão da Constituição, como um decreto, em termos de
patologia, é inexistente juridicamente. A nossa Constituição no Artigo 91 é
clara. Esta iniciativa legislativa compete aos deputados e ao Governo. Revisão
da Constituição é um ato estrito senso legislativo. E, por força desta
disposição constitucional, só dois órgãos na República da Guiné-Bissau têm a
competência para pôr em andamento, em marcha, a vontade de criar ou rever uma
lei. O Presidente da República, por força da Constituição, está excluído, não
consta do Artigo 91 nº1 da nossa Constituição.
DW África: Segundo a
Constituição, quem tem competência nesta matéria?
JCF: Temos o Artigo 85 que
fala da competência da Assembleia Nacional Popular (ANP) e diz-nos, claramente,
que compete à Assembleia Nacional Popular proceder à revisão constitucional nos
termos dos Artigos 127 e seguinte. Esta disposição constitucional remete-nos,
em termos de competência da Assembleia, para o Artigo 127 que diz que a
iniciativa de revisão constitucional compete aos deputados. O que significa
que, por força de todas estas disposições que acabei de mencionar, o Presidente
da República não tem competência de criar qualquer que seja uma comissão para
efeito de mudança da nossa Constituição. Inclusive na nona legislatura e atual
legislatura, a Assembleia Nacional Popular, através de uma resolução, criou uma
comissão eventual para revisão da Constituição, da qual eu mesmo faço parte.
É uma comissão que abarca quase
toda a estrutura, mesmo o Presidente da República tem representante. Todos os
órgãos de soberania da República da Guiné-Bissau têm representante, têm assento
naquela comissão eventual da revisão da Constituição. Está o Presidente da
República, está o Governo, tribunais, sociedade civil, entidades religiosas,
tudo. Toda a estrutura social tem assento naquela comissão. Logo, não há lugar
para a criação de uma outra comissão técnica. Porque, de facto, este trabalho
está a ser feito desde a nona legislatura pela ANP e que tem uma vocação
constitucional para o efeito.
DW África: Em pleno estado de
emergência, o que diz a Constituição? É possível avançar para uma revisão?
JCF: Não. Rigorosamente não.
O Artigo 131, que faz os limites circunstâncias da revisão da constituição, faz
parte do Artigo 127, o capítulo 2.º, diz que "nenhum projeto ou proposta
de revisão poderá ser apresentado, debatido ou votado na vigência de estado de
sítio ou estado de emergência".
O próprio sr. Presidente da
República decretou a prorrogação
do estado de emergência. Como é possível estar a contrariar o [Artigo] 131?
Este momento é não o momento apropriado. Esta normação quer evitar [isso]. Neste
momento em que todo o mundo está com o problema do coronavírus, é tempo de nos
concentrarmos nisto.
Braima Darame, mc | Deutsche
Welle
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