A ex-ministra da Saúde da
Guiné-Bissau, Magda Robalo, diz que o Governo deveria ter priorizado a busca
por materiais de proteção ao invés do chá produzido em Madagáscar.
Primeira mulher a dirigir o
departamento de luta contra doenças infeciosas e o programa de luta contra
o paludismo (malária) na região africana da Organização Mundial da Saúde
(OMS), Magda Robalo crítica o facto de a Guiné-Bissau ter recebido o chá
de Madagáscar, sem que a eficácia do produto tenha sido comprovada
cientificamente.
O Presidente
guineense, Umaro Sissoco Embaló, enviou em abril um avião
cargo a Madagáscar para buscar o
chá, que foi distribuído a vários países da África
Ocidental pela equipa de Sissoco.
No entanto, parace que o
produto não tem surtido efeito. O número de casos da Covid-19 na Guiné-Bissau
aumentou nesta terça-feira (12.05) para 820, mantendo-se três mortos, de acordo
com os dados divulgados pelo Centro de Operações de Emergência de Saúde
(COES).
Em entrevista à DW África, a
antiga representante da OMS em países como a África do Sul, Gana, Namíbia e
Zâmbia, diz que não faz sentido ir buscar o chá a Madagáscar, enquanto os
médicos e o pessoal da saúde estão com falta de equipamentos.
A médica epidemiologista
guineense, que foi também ministra da Saúde Pública da Guiné-Bissau, diz
que a estratégia de combate à doença não pode ser apenas "polícias a
correr atrás das pessoas e médicos atrás do vírus".
Magda Robalo (MR): Penso que
o que falhou, logo à partida, foi a estratégia de contenção da epidemia. É por
isso que agora estamos a assistir a esta subida exponencial de casos da
Covid-19 na Guiné-Bissau. Deveríamos, logo à partida, ter isolado os primeiros
casos que nos foram aparecendo para evitar justamente que eles contagiassem
outras pessoas, assim sucessivamente. Essa cadeia de transmissão não foi
interrompida ou limitada. Podia ser impossível interrompê-la, logo no
começo, mas podia simplesmente ter sido limitada se tivéssemos
isolado, com critérios conhecidos, as pessoas que acusaram
positivo, o que iria diminuir o ritmo de propagação
da infeção para evitar que chegássemos a esse ponto.
DW África: Até que ponto o
sistema de saúde pública da Guiné-Bissau pode aguentar?
MR: Esta evolução frenética
a que estamos a assistir de aumento dos números de casos, e o aparecimento de
um número difícil de gerir de casos graves, prova exatamente que o nosso
sistema de saúde não tem capacidade para absorver este número tão
grande de casos, ainda que a sua maioria seja o número de casos
assintomáticos. Mas, o que vai acontecer é que esses casos, por questão da natureza,
estão cada um na sua casa. Vão continuar a propagar a infeção e vamos
ter cada vez mais casos.
E assim a infeção vai
chegar a pessoas de risco, pessoas de idade avançada,
pessoas que contêm outras patologias e isso vai exercer um
fardo enorme no nosso já muito débil sistema de saúde. É um desenrolar de
acontecimentos que se vão sucedendo, porque no início não tivemos a precaução
de evitar uma aceleração da propagação do vírus. Temos poucos médicos, poucos
enfermeiros, temos uma rede de prestação de cuidados que é insuficiente. Por
isso, devíamos ter apostado em investir na saúde pública.
DW África: Mas há um grupo de
pessoas que foi confinado num hotel em Bissau, não foi uma boa medida de
isolamento?
MR: Foi uma medida que não
percebi bem o seu enquadramento. Sinceramente, tive dificuldade
em compreender a estratégia que foi utilizada neste caso. Percebi apenas que
foi um grupo de membros do Governo que tinham sido todos infetados na mesma
altura. Devo sublinhar que tivemos uma vaga muito grande de infeção a nível de
membros do Governo: do primeiro-ministro a secretários de Estado,
diretores-gerais, agentes de segurança e polícia, militares, jornalistas,
médicos e enfermeiros - o que desmonta que havia ali um foco de infeção não
controlado que se propagou por um grupo de pessoas que estão à volta da
situação.
Essa estratégia de levar as pessoas
para um hotel não me convenceu. Aparentemente eram todas as pessoas
assintomáticas e foi uma mudança brusca da estratégia anterior que era manter
os assintomáticos em
casa. Porque foram para um hotel, quando existe um
pavilhão no Hospital Nacional Simão Mendes que está dedicado para acolhimento
do caso?
DW África: A Guiné-Bissau faz
parte dos países africanos que importaram o chá de Madagáscar. Aliás, a
Guiné-Bissau serviu de portador para entregar o produto a outros países. Este
echá está a ser usado para o tratamento da doença?
MR: Sim. Vimos a
Guiné-Bissau enviar um avião privado para ir buscar o chá de
Madagáscar não só para a Guiné-Bissau, mas também para distribuir a vários
países da sub-região. Também não percebi porque é que a Guiné-Bissau se prestou
a esse papel de distribuidora de uma encomenda, quando nós
temos dificuldades e temos as fronteiras fechadas. Se tínhamos a
possibilidade de enviar um avião cargo para ir buscar uma encomenda, eu
preferia que esse avião fosse buscar materiais, como máscaras, ventiladores,
produtos para o tratamento da doença, produtos
de desinfeção ou outros que nos fazem muita falta. Sobretudo
materiais de proteção individual para os agentes de saúde, que estão em falta.
Esse produto de Madagáscar, como
já se sabe, tanto a Organização Mundial de Saúde, como a União Africana e a
Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental já se posicionaram sobre a
sua eficácia na cura da doença, dizendo que é um chá que não tem, neste
momento, condições para ser utilizado como preventivo e muito menos como
curativo da Covid-19.
DW África: O próprio
primeiro-ministro, Nuno Gomes Nabiam, que diz estar curado da doença,
nunca mencionou que foi por causa do chá de Madagáscar, mas, sim, de
remédios naturais. Também confiam no chá?
MR: Exatamente. Já tínhamos
recebido a nossa encomenda de chá e ele [Nuno Nabiam], quando
teve a alta [médica] do hotel onde esteve confiando, não fez
referência de ter utilizado o chá de Madagáscar para se tratar. Por isso, é um
grande ponto de interrogação a questão do chá. Também ouvimos o
coordenador do Centro de Operação de Emergência de Saúde
[Dionísio Cumba], quando foi interrogado, dizer que desconhecia
completamente a ficha técnica do chá de Madagáscar e não
sabia se poderia ser utilizado para a prevenção ou
tratamento [da Covid-19]. Penso que houve ali uma operação política, que não
teve um enquadramento do Ministério da Saúde.
Por isso, continuamos sem saber
se, de facto, o chá está a ser utilizado, por quem, para que
fins e para que resultados. Acho que o que deveria ter sido feito era ter
pensado em testar o conteúdo do chá para saber da sua composição e
eventualmente proceder a um teste para saber, como vários
outros produtos que estão a ser testados neste momento por todo
mundo, se tem algum papel no tratamento ou prevenção do [novo] coronavírus. E
não assumir, à partida, que era já uma descoberta fantástica.
DW África: E agora, o que se deve
fazer na Guiné-Bissau para combater a pandemia?
MR: Temos que fazer várias
coisas ao mesmo tempo e fazê-las bem. Para isso, é preciso admitir que isto não
está a correr bem e é preciso juntar competências, trazer mais pessoas para
esse combate, porque não pode ser só uma luta do Ministério da Saúde ou de
polícias da ordem, como tem sido até aqui. Ou seja, temos
polícias a correr atrás das pessoas e, por outro
lado, o pessoal da saúde a correr atrás do vírus.
Precisamos de uma estratégia que
vá travar a propagação. Agora vamos assistir a um aumento do número de casos
que precisam ser hospitalizados, infelizmente. Precisamos de treinar os nossos
agentes de saúde para tratarem os casos graves, temos que tentar
reduzir a mortalidade e temos também que evitar a propagação da epidemia
através de uma educação para a mudança de comportamento. As pessoas têm de
perceber que isto agora está a viver connosco e temos de mudar comportamento
para poder travar a sua progressão.
Isso implica também agir em
termos de comunicação. A nossa comunicação para os riscos de infeção por
Covid-19 não está a ser eficaz, porque continuamos a ouvir queixas de que a
população não está a acatar as medidas de prevenção. As formas como essas medidas
são veiculadas não têm tido um impacto junto da população.
E, sobretudo, precisamos evitar
também que os agentes de saúde continuem infetados ao ritmo que está a
acontecer. Isto quer dizer que é preciso pôr nos hospitais, nos centros de
saúde, material e equipamento de proteção individual para evitar que os
enfermeiros e os médicos se infetem. Isso é inadmissível. Nós sabemos que eles
estão na linha da frente, são pessoas de risco, mas também sabemos como evitar
essa infeção. Senão daqui a pouco ir ao hospital vai acabar por ser a maior
fonte de contágio para todos. Não pode ser. Já começamos a ter médicos e
enfermeiros doentes e vamos ter dificuldades em travar esta epidemia.
Braima Darame | Deutsche Welle
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