segunda-feira, 18 de maio de 2020

Há algo de podre no reino do Brasil: Le Monde faz duras críticas a Bolsonaro em editorial


"Enquanto os generais reivindicavam a defesa de uma democracia atacada, segundo eles, pelo comunismo, o Brasil de Bolsonaro habita um mundo paralelo, um teatro do absurdo onde fatos e realidade não existem mais."

Jornal GGN - do Le Monde, editorial

Brasil: a perigosa fuga de Bolsonaro para a frente

Não há dúvida de que há algo podre no reino do Brasil, onde o presidente Jair Bolsonaro, pode afirmar sem se preocupar que o coronavírus é uma “gripezinha” ou uma “histeria” nascida da “imaginação” da mídia. Algo apodrecido quando se mistura à multidão, pede às autoridades locais que levantem restrições, afirma que a epidemia “começa a desaparecer” logo quando cemitérios mostram recordes de enterros. Quando seu ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araujo, fala em “comunavírus”, alegando que a pandemia é o resultado de uma conspiração comunista. Quando o ministro da Saúde, Nelson Teich, renuncia em 15 de maio, quatro semanas após sua nomeação para esse portfólio crucial, por “diferenças de opinião”, no dia em que o país alcançou 240.000 casos confirmados e mais de 16.000 mortos.

Para muitos, as horas sombrias no Brasil, agora a quinta nação mais afetada pela pandemia, lembram as da ditadura militar, quando o país foi submetido ao medo e à arbitrariedade. Com uma diferença significativa: enquanto os generais reivindicavam a defesa de uma democracia atacada, segundo eles, pelo comunismo, o Brasil de Bolsonaro habita um mundo paralelo, um teatro do absurdo onde fatos e realidade não existem mais. Nesse universo tenso, alimentado por calúnias, inconsistências e provocações mortais, a opinião é polarizada em uma nuvem de ideias simples, mas falsas.

A negação da pandemia pelo governo dissuade metade da população de se confinar, enquanto os pedidos de distanciamento físico lançados por profissionais de saúde, governadores e prefeitos são apenas moderadamente obedecidos. A atividade econômica deve continuar a todo custo, diz Bolsonaro, que luta acima de tudo para medir a pandemia enquanto faz um cálculo político insano: os efeitos devastadores da crise serão atribuídos a seus oponentes, espera ele.

Caos sanitário

Oficial subalterno excluído do exército e obscuro deputado de extrema-direita, ridicularizado por seus pares durante três décadas, Bolsonaro não tinha nada de um estadista. Chegando ao poder, devorado pela amargura e pela nostalgia, o ex-capitão da reserva continuou acusando o odiado “sistema”. Postura que, durante uma pandemia aguda, causa caos na saúde e semeia a morte.

Traindo os fatos, os governantes populistas acabam acreditando em suas próprias mentiras. Vemos isso em outras partes do mundo. Mas aqui, neste país que surgiu há apenas vinte e cinco anos da ditadura, onde a democracia permanece frágil e até disfuncional, o fato de politizar dessa maneira uma crise de saúde excessiva é totalmente irresponsável.

Com uma base de 25% dos eleitores, Bolsonaro sabe que sua margem de manobra é estreita. Hoje, algumas pessoas evocam o cenário de um golpe institucional. Diante da multidão que veio apoiá-lo em Brasília, o presidente também deixou claro, em 3 de maio, que, no caso de uma investigação do Supremo Tribunal contra ele ou seus parentes, ele não respeitaria a decisão dos ministros. Depois de praticar o negacionismo histórico e elogiar a ditadura, negar a existência dos incêndios na Amazônia e a gravidade da pandemia de Covid-19, Bolsonaro e sua tentação autoritária correm o risco de envolver o país em uma perigosa fuga para a frente.

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