"Enquanto
os generais reivindicavam a defesa de uma democracia atacada, segundo eles,
pelo comunismo, o Brasil de Bolsonaro habita um mundo paralelo, um teatro do
absurdo onde fatos e realidade não existem mais."
Jornal GGN - do
Le Monde, editorial
Brasil:
a perigosa fuga de Bolsonaro para a frente
Não
há dúvida de que há algo podre no reino do Brasil, onde o presidente Jair
Bolsonaro, pode afirmar sem se preocupar que o coronavírus é uma “gripezinha”
ou uma “histeria” nascida da “imaginação” da mídia. Algo apodrecido quando se
mistura à multidão, pede às autoridades locais que levantem restrições, afirma
que a epidemia “começa a desaparecer” logo quando cemitérios mostram recordes
de enterros. Quando seu ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araujo, fala
em “comunavírus”, alegando que a pandemia é o resultado de uma conspiração
comunista. Quando o ministro da Saúde, Nelson Teich, renuncia em 15 de maio,
quatro semanas após sua nomeação para esse portfólio crucial, por “diferenças
de opinião”, no dia em que o país alcançou 240.000 casos confirmados e mais de
16.000 mortos.
Para
muitos, as horas sombrias no Brasil, agora a quinta nação mais afetada pela
pandemia, lembram as da ditadura militar, quando o país foi submetido ao medo e
à arbitrariedade. Com uma diferença significativa: enquanto os generais
reivindicavam a defesa de uma democracia atacada, segundo eles, pelo comunismo,
o Brasil de Bolsonaro habita um mundo paralelo, um teatro do absurdo onde fatos
e realidade não existem mais. Nesse universo tenso, alimentado por calúnias,
inconsistências e provocações mortais, a opinião é polarizada em uma nuvem de
ideias simples, mas falsas.
A
negação da pandemia pelo governo dissuade metade da população de se confinar,
enquanto os pedidos de distanciamento físico lançados por profissionais de
saúde, governadores e prefeitos são apenas moderadamente obedecidos. A
atividade econômica deve continuar a todo custo, diz Bolsonaro, que luta acima
de tudo para medir a pandemia enquanto faz um cálculo político insano: os
efeitos devastadores da crise serão atribuídos a seus oponentes, espera ele.
Oficial
subalterno excluído do exército e obscuro deputado de extrema-direita,
ridicularizado por seus pares durante três décadas, Bolsonaro não tinha nada de
um estadista. Chegando ao poder, devorado pela amargura e pela nostalgia, o
ex-capitão da reserva continuou acusando o odiado “sistema”. Postura que,
durante uma pandemia aguda, causa caos na saúde e semeia a morte.
Traindo
os fatos, os governantes populistas acabam acreditando em suas próprias
mentiras. Vemos isso em outras partes do mundo. Mas aqui, neste país que surgiu
há apenas vinte e cinco anos da ditadura, onde a democracia permanece frágil e
até disfuncional, o fato de politizar dessa maneira uma crise de saúde
excessiva é totalmente irresponsável.
Com
uma base de 25% dos eleitores, Bolsonaro sabe que sua margem de manobra é
estreita. Hoje, algumas pessoas evocam o cenário de um golpe institucional.
Diante da multidão que veio apoiá-lo em Brasília, o presidente também deixou
claro, em 3 de maio, que, no caso de uma investigação do Supremo Tribunal
contra ele ou seus parentes, ele não respeitaria a decisão dos ministros.
Depois de praticar o negacionismo histórico e elogiar a ditadura, negar a
existência dos incêndios na Amazônia e a gravidade da pandemia de Covid-19,
Bolsonaro e sua tentação autoritária correm o risco de envolver o país em uma
perigosa fuga para a frente.
Sem comentários:
Enviar um comentário