sábado, 2 de maio de 2020

Portugal | 1.º de Maio e regresso ao trabalho


Manuel Carvalho Da Silva | Jornal de Notícias | opinião

Esta catástrofe que estamos a viver coloca em evidência a enorme relevância do trabalho em toda a organização da economia e da sociedade, revela-nos as dolorosas implicações de se ficar sem trabalho, a necessidade imperiosa de tratar das condições dos trabalhadores quando se discutem os problemas das empresas.

Esta semana impressionou-me uma entrevista do ministro da Economia em que este deve ter utilizado a palavra empresa(s) dez vezes mais que a palavra trabalhador(es), quando falava das políticas que o Governo se propõe executar para revitalizar a economia. É elucidativo.

As empresas e os serviços públicos não funcionam sem trabalhadores bem preparados e qualificados, motivados no desempenho das suas tarefas, conscientes dos seus direitos e deveres. E não precisam de ser alcunhados de colaboradores para fazerem trabalho em equipa sem deixarem de ser criativos e autónomos, e assumirem os compromissos individuais e coletivos necessários. Nas relações de trabalho não pode deixar de haver relações de poder e dependências. O trabalhador executa as tarefas que lhe estão atribuídas debaixo de orientações técnicas e comportamentais instituídas, com disciplina, em horários concretos. Não é alguém que vem dar uma mãozinha, uma colaboração. Acabe-se com essa patetice, resultante da ausência de cultura do trabalho e da cedência ao neoliberalismo, de chamar aos trabalhadores "colaboradores".

Ontem foi Dia do Trabalhador, comemoração de expressão mundial que já leva mais de 130 anos, em que se afirmam os valores e o lugar do trabalho, se evocam lutas heroicas, se festejam conquistas de direitos e se relembra a profunda relação entre o trabalho digno, a democracia e a paz. Hoje inicia-se o levantamento do estado de emergência, depois de amanhã muitos milhares de pessoas voltam aos locais de trabalho, regresso em que são as principais interessadas.

Este regresso não pode traduzir-se num estado generalizado de exposição ao risco. É preciso indicações rigorosas para os comportamentos a adotar e medidas de proteção para quem volta ao dia a dia dos transportes sobrelotados, à presença em fábricas, espaços comerciais e escritórios.

Os trabalhadores têm direito, reconhecido na lei, à saúde e segurança no trabalho. O CoLABOR, em estudo recentemente divulgado, recomenda um conjunto de medidas indispensáveis: i) a obrigação de informação e consulta aos representantes dos trabalhadores para a segurança e saúde no trabalho, em tempo útil; ii) a constituição em todas as empresas e locais de trabalho de comissões de saúde e segurança no trabalho; iii) a constituição de Comissões Tripartidas para a Segurança e Saúde no Trabalho, por setor de atividade - integrando a Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT), a Direção-Geral da Saúde, Sindicatos e Associações de Empregadores - incumbidas de assegurar a constituição e funcionamento das comissões de saúde e segurança no trabalho; iv) a mobilização dos recursos da ACT para reforço das atividades inspetivas nesta área e a constituição de contraordenação muito grave para as condutas que exponham os trabalhadores a risco acrescido.

O vírus não desapareceu. Proteja-se quem tem de dar o corpo ao manifesto.

*Investigador e professor universitário

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