Manuel Carvalho Da Silva
| Jornal de Notícias | opinião
Esta catástrofe que estamos a
viver coloca em evidência a enorme relevância do trabalho em toda a organização
da economia e da sociedade, revela-nos as dolorosas implicações de se ficar sem
trabalho, a necessidade imperiosa de tratar das condições dos trabalhadores
quando se discutem os problemas das empresas.
Esta semana impressionou-me uma
entrevista do ministro da Economia em que este deve ter utilizado a palavra
empresa(s) dez vezes mais que a palavra trabalhador(es), quando falava das
políticas que o Governo se propõe executar para revitalizar a economia. É
elucidativo.
As empresas e os serviços
públicos não funcionam sem trabalhadores bem preparados e qualificados,
motivados no desempenho das suas tarefas, conscientes dos seus direitos e
deveres. E não precisam de ser alcunhados de colaboradores para fazerem
trabalho em equipa sem deixarem de ser criativos e autónomos, e assumirem os
compromissos individuais e coletivos necessários. Nas relações de trabalho não
pode deixar de haver relações de poder e dependências. O trabalhador executa as
tarefas que lhe estão atribuídas debaixo de orientações técnicas e
comportamentais instituídas, com disciplina, em horários concretos. Não é
alguém que vem dar uma mãozinha, uma colaboração. Acabe-se com essa patetice,
resultante da ausência de cultura do trabalho e da cedência ao neoliberalismo,
de chamar aos trabalhadores "colaboradores".
Ontem foi Dia do Trabalhador,
comemoração de expressão mundial que já leva mais de 130 anos, em que se
afirmam os valores e o lugar do trabalho, se evocam lutas heroicas, se festejam
conquistas de direitos e se relembra a profunda relação entre o trabalho digno,
a democracia e a paz. Hoje inicia-se o levantamento do estado de emergência,
depois de amanhã muitos milhares de pessoas voltam aos locais de trabalho,
regresso em que são as principais interessadas.
Este regresso não pode
traduzir-se num estado generalizado de exposição ao risco. É preciso indicações
rigorosas para os comportamentos a adotar e medidas de proteção para quem volta
ao dia a dia dos transportes sobrelotados, à presença em fábricas, espaços
comerciais e escritórios.
Os trabalhadores têm direito,
reconhecido na lei, à saúde e segurança no trabalho. O CoLABOR, em estudo
recentemente divulgado, recomenda um conjunto de medidas indispensáveis: i) a
obrigação de informação e consulta aos representantes dos trabalhadores para a
segurança e saúde no trabalho, em tempo útil; ii) a constituição em todas as
empresas e locais de trabalho de comissões de saúde e segurança no trabalho;
iii) a constituição de Comissões Tripartidas para a Segurança e Saúde no
Trabalho, por setor de atividade - integrando a Autoridade para as Condições de
Trabalho (ACT), a Direção-Geral da Saúde, Sindicatos e Associações de
Empregadores - incumbidas de assegurar a constituição e funcionamento das
comissões de saúde e segurança no trabalho; iv) a mobilização dos recursos da
ACT para reforço das atividades inspetivas nesta área e a constituição de
contraordenação muito grave para as condutas que exponham os trabalhadores a
risco acrescido.
O vírus não desapareceu.
Proteja-se quem tem de dar o corpo ao manifesto.
*Investigador e professor
universitário
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