Miguel Guedes | Jornal de Notícias
| opinião
Resumir o conflito institucional
entre António Costa e Mário Centeno a um problema de comunicação seria uma doce
e meiga resolução para um primeiro-ministro que tratou de travar a fundo para
guinar de direcção.
Durante algum tempo,
questionava-se se a falta de habilidade política de Centeno alguma vez
desempenharia um papel decisivo na aritmética da política interna. À memória, o
riso de escárnio de Passos Coelho, aquando da primeira intervenção parlamentar
do ministro em 2015. Dois anos depois, deu-se o aparecimento do "Ronaldo
das Finanças" enquanto presidente do Eurogrupo que, transportando a aura
da indiscutível competência técnica, o elevou ao Santo Graal. Centeno, com
distinção e currículo, passou a ser inatacável. Até agora, chegado o momento
que Marcelo escolheu para lhe desferir o primeiro golpe.
"Paso doble" sem arena:
António Costa aproveita para lançar Marcelo na sua recandidatura presidencial,
sem que o PS tenha definido ainda candidato. Apesar da conversa entre Marcelo e
Centeno - longa ia a noite - poder ter servido para confinar azedumes, ninguém
esquece que primeiro-ministro e ministro das Finanças colocaram, horas antes, o
país em suspenso numa altura de pandemia. Mas fosse essa a pior notícia e
poderíamos dormir descansados.
Infelizmente, novos 850 milhões
de euros foram já injectados no Novo Banco, sucedendo aos 3,9 milhões de 2014,
aos 792 milhões de 2018 e aos 1,149 mil milhões injectados em 2019. Se
pensarmos nos 6,030 milhões de euros que custou aos contribuintes, do BES já
todos levamos números para insónias. O facto desta nova tranche de 850 milhões
ter sido transferida por Centeno após António Costa ter garantido a Catarina
Martins, a 22 de Abril, que não haveria qualquer reforço do empréstimo do
Estado ao Fundo de Resolução e ao Novo Banco até se conhecer o resultado da
auditoria que está em curso (auditoria, determinada por Lei em 2019, defendida
por Costa e Centeno para apuramento de responsabilidades), diz bem dos
ziguezagues do poder político e de como ele se verga ao poder financeiro mal
este apita para os longos intervalos de silêncio do jogo de bastidores.
Em Janeiro, uma proposta do BE
visava garantir que qualquer injecção de capital público tivesse de ser
submetida à aprovação na Assembleia da República. Rejeitada pelo mesmo PSD que
agora a propõe como medida de salvação, poderia ter evitado que mais estes 850
milhões passassem, sem escrutínio, para as mãos de gestores que se autopropõem
a prémios de 2 milhões de euros por um exercício de 2019 em que o banco
registou perdas superiores a mil milhões de euros. Num banco que
"herdou" o crédito malparado das dívidas da Fundação Berardo, Luís
Filipe Vieira, Grupo Mello, João Pereira Coutinho, Ongoing, do Sporting ou da
família Moniz da Maia, o espectro que paira no ar é de que a irresponsabilidade
é ainda maior do que a falta de honra no compromisso político publicamente assumido.
* Músico e jurista
O autor escreve segundo a antiga
ortografia
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