segunda-feira, 29 de junho de 2020

A NATO no comando da política externa italiana


Manlio Dinucci*

O processo de abertura da NATO à zona Indo-Pacífico, que anunciamos há seis meses, acaba de surgir. Foi formado, ofi-cialmente, um grupo de trabalho não para reflectir sobre a estratégia mais apropriada em relação à China, mas para justificar ‘a posteriori’ e para tornar público o trabalho já realizado. Quase não existe nenhuma diferença em relação ao período colonial, pois trata-se de impedir o desenvolvimento da China (containment).

Os Ministros da Defesa da NATO (em representação da Itália, Lorenzo Guerini, PD), reunidos através de video conferência em 17 e 18 de Junho, tomaram uma série de "decisões para fortalecer a dissuasão da Aliança". No entanto, em Itália, ninguém fala sobre este assunto, nem na comunicação mediática (incluindo as redes sociais) nem no mundo político, onde reina um silêncio multipartidário absoluto sobre todo este tema. No entanto, estas decisões, ditadas basicamente por Washington e subescritas em nome da Itália, pelo Ministro Guerini, traçam as directrizes não só da nossa política militar, mas também da política externa.

Antes de tudo - anuncia o Secretário Geral, Jens Stoltenberg - "a NATO está a preparar-se para uma possível segunda vaga do Covid-19", contra a qual já mobilizou mais de meio milhão de soldados na Europa. Stoltenberg não esclarece como a NATO pode prever uma possível segunda pandemia de vírus com um novo ‘lockdown’. Porém, é claro num ponto: "Não significa que tenham desaparecido outros desafios".

Os principais - sublinham os Ministros da Defesa - provêm do "comportamento desestabilizador e perigoso da Rússia", em particular de sua "retórica nuclear irresponsável, destinada a intimidar e ameaçar os aliados da NATO". Desse modo, eles deturpam a realidade, apagando o facto de que foi a NATO, quando acabou a Guerra Fria, que se estendeu ao redor da Rússia com as suas forças e bases nucleares, sobretudo as dos Estados Unidos. Foi metodicamente estabelecia com a direcção de Washington, uma estratégia destinada a criar, na Europa, tensões crescentes com a Rússia.


Para decidir as novas medidas militares contra a Rússia, os Ministros da Defesa reuniram-se no Grupo de Planificação Nuclear, presidido pelos Estados Unidos. Não se sabe quais foram as decisões sobre matéria nuclear, assumidas pelo Ministro Guerini em nome da Itália. No entanto, é claro que, ao participar no Grupo e ao albergar armas nucleares dos EUA (a ser utilizadas pela nossa Força Aérea), a Itália viola o Tratado de Não-Proliferação e rejeita o Tratado ONU sobre a proibição de armas nucleares.

Stoltenberg limita-se a dizer: "Hoje decidimos adoptar novas medidas para manter segura e eficiente, a disuassão nuclear da NATO na Europa". Entre essas disposições, acontecerá, certamente, também em Itália, a próxima chegada das novas bombas nucleares B61-12 dos EUA.

O outro "desafio" constante, mencionado pelos Ministros da Defesa, é o da China, que pela primeira vez está "no topo da agenda da NATO". A China é ‘partner’ comercial de muitos aliados, mas, ao mesmo tempo, "investe fortemente em novos sistemas de mísseis que podem atingir todos os países da NATO", diz Stoltenberg.

➢ Assim, a NATO começa a apresentar a China como sendo uma ameaça militar.
➢ Ao mesmo tempo, apresenta os investimentos chineses nos países da Aliança como sendo perigosos.

Com base nessa premissa, os Ministros da Defesa actualizaram as directrizes para a "resistência na-cional", destinada a impedir que a energia, os transportes e as telecomunicações, em particular a tecnologia 5G, acabem sob a "alçada e controlo estrangeiros" (leia-se "chinês").

Estas são as decisões assinadas pela Itália na reunião da NATO dos Ministros da Defesa. Elas vinculam o nosso país a uma estratégia de crescente hostilidade, sobretudo contra a Rússia e contra a China, expondo-nos a riscos cada vez mais graves e tornando friável o terreno sobre o qual se apoiam os mesmos acordos económicos.

É uma estratégia a longo prazo, como demonstra o lançamento do projecto "NATO 2030", efectuado pelo Secretário Geral Stoltenberg, em 8 de Junho, para "fortalecer a Aliança nível militar e político", incluindo países como a Austrália (já convidada para a reunião dos Ministros da Defesa), Nova Zelândia, Japão e outros países asiáticos, em clara função anti-China [1].

Para o projecto Great Global NATO 2030, foi formado um grupo de 10 conselheiros [2], entre os quais a Professora Marta Dassù, a anterior Conselheira de Política Externa do governo D’Alema antes e durante a guerra da NATO na Jugoslávia, na qual a Itália participou, em 1999, sob comando USA, com as suas bases e bombardeiros.


Na imagem: O Secretário Geral da Aliança apresentou o plano de alargamento da NATO para Oriente (já em progresso, mas que um grupo de trabalho acaba de receber, ficticiamente, a tarefa de "esboçar") antes do Conselho Atlântico e do German Marshall Fund, 8 de Junho de 2020.


Notas:
[1] “A OTAN deseja tornar-se a Aliança atlântico-pacífico”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 11 de Dezembro de 2019.
[2] Mme Greta Bossenmaier (Canada), Mme Anja Dalgaard-Nielsen (Danemark), M. Hubert Védrine (France), M. Thomas de Maizière (Allemagne), Mme Marta Dassù (Italie), Mme Herna Verhagen (Pays-Bas), Mme Anna Fotyga (Pologne), M. Tacan Ildem (Turquie), M. John Bew (Royaume-Uni) et M. Wess Mitchell (États-Unis).

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