quarta-feira, 17 de junho de 2020

AO QUE CONDUZIU “O FIM DA HISTÓRIA” DE FRANCIS FUKUYAMA...

...NA ESTEIRA DOS “BONS SERVIÇOS” DA OSS E DA CIA?


Se em relação à URSS, ao longo da IIIª Guerra Mundial que já leva 75 anos, a lavagem da história se passou assim conforme este testemunho que se junta, o que não está a acontecer, por exemplo, com a história do movimento de libertação em África?

As campanhas contra a história de Angola, fomentadas particularmente em Portugal e a partir de Portugal, também elas sem alguma vez se preocuparem com os contraditórios, são uma mão artificial prolongando o que os “historiadores” ditos ocidentais estão a fazer em relação à IIª Guerra Mundial, numa guerra psicológica de 75 anos que integra as amplas iniciativas de assimilação avassalada sobretudo desde o golpe do 25 de Novembro de 1975!

Pior que tudo: muitos angolanos, substancialmente a partir de 2002, estão a contribuir para o esforço da subversão da história do movimento de libertação em África, por terem sido cooptados pelo fluxo do poder de assimilação em curso até nossos dias sob a dinâmica de múltiplas esferas, que vão desde as integradas na abrangência antropológica, às jurídico-institucionais, às económicas, às financeiras, às da implementação de sistemas que envolve novas tecnologias e outras!

Os sistemas de inteligência portugueses que têm como alvo Angola, em amplo caudal, são em termos de intensidade de assimilação, muito mais poderosos dos que os desenvolvidos em tempo colonial-fascista! (MJ)

 

“A União Soviética é um vencedor militar indiscutível, mas um vencedor ferido até à morte”

08.06.20

Entrevista de RT France a Annie Lacroix-Riz *

Os atuais livros de história franceses, retrabalhados com o molho académico da União Europeia e dos Estados Unidos, violam a verdade histórica com uma ousadia em que se testemunha o capítulo comum a todo o ensino médio: unifica no “totalitarismo” a URSS, o Reich nazi e a Itália fascista. A história baseada em arquivos, incluindo a da Segunda Guerra Mundial, foi varrida.

Annie Lacroix-Riz, professora emérita de história contemporânea, autora de numerosas obras, analisa a vitória soviética na Segunda Guerra Mundial e a reescrita da história pelos países ocidentais.

RT France: Bom dia, pode explicar-nos porque é que esse dia é tão importante na história contemporânea russa?

Annie Lacroix-Riz (em diante ALR): A sua data simboliza a implacabilidade alemã, que foi levada até ao último extremo: foi em 9 de maio que Praga caiu, um dia após a capitulação alemã em Berlim. Fica patente a crueldade desta guerra que foi para a Rússia uma verdadeira guerra de extermínio. O 8 de maio, em Berlim, finalmente na presença de Jukov, ainda podia passar, em certos aspetos, pela confirmação da primeira tentativa “ocidental” de Reims, em 7 de maio. A atitude indignou tanto mais os soviéticos quanto os anglo-americanos lhes infligiram, em 2 de maio, a severa humilhação de uma capitulação separada da Wehrmacht em Itália, com graves consequências políticas, em particular jugoslavas.

Essas más maneiras, somadas a um imenso litígio acumulado desde 22 de junho de 1941, antecipavam a celebração do fim da guerra europeia como uma vitória “ocidental”. Exigia que os soviéticos proclamassem solenemente diante do seu povo que os “ocidentais” tinham obtido indiscutivelmente a vitória militar.

Já em 1968, o excelente historiador americano Gabriel Kolko, estudando a política de guerra dos Estados Unidos (The Politics of War: The World and United States Foreign Policy [A Política de Guerra: A Política Externa do Mundo e dos Estados Unidos] 1943-1945), demonstrou que a Rússia tinha suportado a quase totalidade do esforço militar. Entre muitas outras, acaba de ser publicada uma obra anglo-russa sobre a correspondência Stalin-Churchill, de julho de 1941 a julho de 1945 (Churchill e Stalin. Comrades-in-arms during the Second World War [Camaradas de armas durante a Segunda Guerra Mundial]), que mostra que a União Soviética suportou o peso do conflito desde o ataque Barbarossa, em 21 de junho de 1941, sozinha em todas as etapas, até, grosso modo, o desembarque de 6 de junho de 1944. No Ocidente, esse desembarque só foi possível porque a União Soviética desencadeou a gigantesca ofensiva Bagration, que aliviou o peso da Wehrmacht para os ocidentais. [...] Se a guerra foi terrível para a União Soviética, foi bem melhor para as tropas ocidentais. Após a ofensiva das Ardenas, em janeiro de 1945, a Wehrmacht deixou de combater a oeste. Kolko fez as contas precisas, através dos arquivos americanos publicados (Foreign Relations of the United States [Relações Exteriores dos Estados Unidos]): ainda existem 270 divisões alemãs que lutam com fúria até ao último dia na frente oriental; existem 27 na Frente ocidental, 26 das quais estão envolvidas na evacuação de unidades da Wehrmacht e do seu material para os Ocidentais e subtraí-las ao Exército Vermelho. 300.000 mortes soviéticas na última fase da tomada de Berlim, contra 200.000 para os americanos em todas as frentes, europeia (incluindo o norte da África) e asiática, de 1941 até à capitulação japonesa [...]

O dia 9 de maio tem uma componente soviética e russa particularmente forte: com o que os russos mais sofrem atualmente é que a sua contribuição para a guerra e a vitória, espontaneamente reconhecida por todos os povos da Europa e do mundo em 1945, é negada agora num “Ocidente” muito ampliado desde 1989. A tal ponto que o seu país nem sequer foi convidado para as celebrações “ocidentais” do fim da Segunda Guerra Mundial.

[...] Trata-se de um verdadeiro negacionismo. Como francesa e historiadora, observo um fenómeno constante ao longo das décadas, muito amplificado nos últimos vinte anos. É caricatural – seja em maio de 1945 ou no aniversário do desembarque anglo-americano de 6 de junho de 1944 na Normandia: a União Soviética desapareceu do campo de guerra. A questão não se colocava assim em 1945, por causa da experiência geral dos povos, em particular dos países ocupados, em 1939-1945: apesar da inundação de propaganda, imediata, em 1944-1945, sobre a libertação pelos americanos (ou os anglo-americanos), essa experiência excluía a contestação do papel do Exército Vermelho.

No decorrer das celebrações, 6 de junho de 1944, 8 ou 9 de maio de 1945, a União Soviética desapareceu do campo de guerra militar, apesar de ter vencido na frente oriental. O facto é reconhecido por todos os observadores sérios, especialmente nos países de língua inglesa, onde foi publicada uma abundante literatura militar desde os anos 90.

Além dos arquivos examinados pelos historiadores, existem documentos de guerra contemporâneos preciosos. Penso em particular no Diário de Guerra de um advogado anticomunista, antissoviético e antissemita, Maurice Garçon. O seu testemunho reflete fielmente o comportamento das elites ocidentais descritas pelos arquivos e, em particular, os relatórios das eminências de Vichy e da polícia, que examinei. Entendemos que o momento decisivo da guerra não é, como costumamos pensar, Stalinegrado, por muito que tenha sido decisiva essa derrota esmagadora do Reich, nem mesmo a travagem da Wehrmacht frente a Moscovo na viragem de 1941.

O verdadeiro ponto de viragem da guerra ocorreu em junho-julho de 1941. Foi o momento em que os grandes observadores ocidentais garantiram que a guerra já não podia ser vencida pelos alemães. A Blitzkrieg morreu nos dias seguintes à Operação Barbarossa: a resistência do povo soviético (digo bem, o povo) e do Exército Vermelho e a eficácia da “tática da terra queimada” imediatamente atingiram os círculos “bem informados”. Descobri os testemunhos formais convergentes de 9 e 16 de julho de 1941 de dois soldados proeminentes, um ex-ministro da Guerra belga e o general Doyen, chefe da delegação francesa na Comissão Alemã do Armistício: se a resistência continuasse mais dois meses, os alemães encontrar-se-iam numa situação muito comprometida; ao fim de três, a derrota estaria garantida.

Doyan, portanto, escreve a Pétain: a Alemanha já não garante a nossa proteção, devemos voltar-nos rapidamente para os Estados Unidos “saídos da guerra de 1918 como os únicos vencedores” e que “ainda mais vencedores sairão do conflito atual”. “Aconteça o que acontecer, o mundo deve, nas próximas décadas, submeter-se à vontade dos Estados Unidos”, conclui este general, que cito literalmente.

Mas o seu poder económico avassalador não quer dizer capacidade militar. E, neste ponto, toda a burguesia concorda, preocupada com a resistência soviética desde o verão de 1941 e, cada vez mais, quando a vitória militar soviética se perfila. Assim, Maurice Garçon desespera a partir de Stalinegrado e, ainda mais, depois de Kursk. Porque é que o raio desses anglo-americanos não avançam? A sua litania de 1943-1944 confirma o escárnio (também textual) do chefe dos RG de Melun, em fevereiro-março de 1943: “a burguesia, na sua imensa maioria, impacienta-se com a passividade anglo-saxónica” na frente ocidental inerte. Ela nunca criticou tanto, “desde o armistício, a atitude [...] excessivamente pacífica ao bel-prazer dos exércitos anglo-saxões [...], os burgueses franceses sempre consideraram que o soldado americano ou britânico deveria estar naturalmente ao seu serviço no caso de uma vitória bolchevique”.

Hoje, no entanto, as pessoas acreditam que os ocidentais lutaram com valentia até 8 de maio de 1945. Você perguntar-me-ia se estávamos em situação de negação: sim. Mas muitos campos históricos, os da guerra e muitos outros, são hoje objeto de uma reescrita total da história, na qual, além disso, a ciência histórica não conta para nada.

RT France: Pode explicar-nos por que razão, no ensino da história na França, a parte de leão volta a insistir na vitória americana? De onde vem essa “reescrita da história” de que fala?

ALR: Eu lecionei no ensino secundário, de 1972 a 1984, antes de me tornar professora universitária. Certamente, aquilo de que está a falar constituía o assunto da propaganda persistente da grande média, mas tínhamos alguns bons manuais, como a coleção dirigida por Jacques Bouillon (Bordas). Deixe os ouvintes entrarem no mercado dos livros em segunda mão. Existia então uma apresentação honesta da coisa, que já não existe.

Os cruzados do Ocidente agarraram no assunto muito depressa. No início de 1985, na revista Historiens et Géographes [Historiadores e geógrafos], apareceu um artigo impressionante da cientista política americana Diana Pinto, desde então ao serviço de numerosos think tanks americanos oficiais e não oficiais. Analisando a nova fornada de livros didáticos do ensino secundário, ela exultou: os historiadores franceses mudaram, temos agora livros didáticos de história franceses satisfatórios para a sua visão da “América”, há muito considerada “imperialista”. É a União Soviética, até então considerada o país libertador, vitorioso sobre o nazismo, agora como ditadura “totalitária”, que concentra todas as críticas. A Sr.ª Pinto também ficou aborrecida com o “atraso” dos geógrafos franceses que ainda simpatizavam com a União Soviética e tinham a audácia de continuar a falar do imperialismo americano (“América nos livros de história e geografia das aulas finais francesas” (Historiens et Géographes n ° 303, março de 1985, pp. 611-620).

Os atuais livros de história franceses, retrabalhados com o molho académico da União Europeia e dos Estados Unidos, violam a verdade histórica com uma ousadia em que se testemunha o capítulo comum a todo o ensino médio: unifica no “totalitarismo” a URSS, o Reich nazi e a Itália fascista. A história baseada em arquivos, incluindo a da Segunda Guerra Mundial, foi varrida. Os comentários de Doyen, em julho de 1941, sobre a hegemonia americana, prenunciavam o triunfo da lenda negra sobre a URSS e o seu papel nulo na Segunda Guerra mundial.

Hoje é impossível, e isso foi conseguido por toda uma série de programas de televisão, do género “Apocalipse”, ter uma imagem correspondente às coisas simples que mencionei no início, incluindo a simples correspondência entre Stalin e Churchill: a partir do verão de 1941, Stalin pediu incansavelmente essa famosa abertura da segunda frente. Muitas vezes acabou zangado (em vão), com Churchill, que lhe prometia todos os meses, todos os trimestres, todos os semestres, que a segunda frente estava iminente. Stalin queixa-se, factualmente, que os soviéticos estão sempre sozinhos contra a Wehrmacht. E Churchill fica indignado com o seu mau humor e considera-se ofendido!

Agora, lembremo-nos de que há duas coisas na Segunda Guerra Mundial como, de resto, na Primeira. Há uma guerra militar, vencida na Primeira Guerra Mundial, por um lado, pelos franceses e ingleses e, por outro, pelos russos. Certamente estes abandonaram a guerra em 1917, mas garantiram a sobrevivência da França no verão de 1914 e, além disso, enfrentando metade das divisões alemãs. De resto, até os vencedores oficiais, afinal, dificilmente beneficiam da paz. Não vou debruçar-me sobre a história da Primeira Guerra mundial ... Mas tivemos um fenómeno ainda mais massivo durante a Segunda Guerra mundial: a Alemanha entrou como manteiga no Ocidente. A sua triunfal Blitzkrieg afundou-se nas planícies russas a partir de 22 de junho de 1941. A guerra militar terminou na Europa com uma vitória soviética, incontestável.

É uma dupla vitória, tanto para a União Soviética como para os povos. O general Béthouart, membro de La Cagoule [1], apoiante de Vichy, recuperado, como todos os seus pares, pelos americanos, em novembro de 1942, durante o desembarque no norte da África, admite-o simplesmente, em maio de 1944, nas vésperas do desembarque anglo-americano. Faz a seguinte análise: até ao verão de 1943, a URSS estava quase sozinha. Atualmente, 65% da frente europeia é assegurada pelos soviéticos, pelo Exército Vermelho; 30% por resistências internas, ou seja, resistências ativas, não atentistas e pró-soviéticas (partisans italianos, gregos do ELAM-EAS, FTP-MOI [Franc tireurs et partisans – Maind’oeuvre immigrée] da França, etc.); o restante, isto é, 5% é a frente anglo-americana, então em Itália. No entanto, o esforço militar, as perdas, a realidade da guerra soviética, tudo isso foi expulso da história ocidental.

Doyen tinha previsto bem as coisas, em meados de julho de 1941: a União Soviética vence a guerra militar, mas a superioridade económica e financeira dos Estados Unidos permitiu-lhes alcançar, a partir de 1944 e especialmente 1945, os objetivos que eram já os do presidente Wilson, durante a Primeira Guerra Mundial, e que continuaram a ser os de Roosevelt: uma expansão americana global.

Os soviéticos tinham um horizonte muito simples, que tinham enunciado em julho de 1941 como objetivos de guerra, declarados por Stalin: a recuperação do território histórico do antigo Império Russo (menos a Finlândia, porque a URSS permaneceu fiel ao acordo de 12 de março de 1940); e a garantia de que o antigo “cordão sanitário”, liderado pela Polónia, deixaria de ser uma base de agressão contra as suas fronteiras e, portanto, deixaria de ter uma política externa hostil. Os objetivos americanos tinham sido proclamados em 1942 pelos chefes da força aérea: nenhum território mundial escaparia às suas bases aéreas. Esta é a razão, demonstrada por vários historiadores americanos, diplomáticos e militares, pela qual Roosevelt nunca quis discutir as “esferas de influência”: nem com Moscovo, nem com Londres. O princípio de que “nada pertence aos outros, tudo é nosso” é próprio de um imperialismo hegemónico. Os céticos que leiam as Foreign Relations of the United States [Relações Externas dos Estados Unidos] 1941-1945 ...

A Inglaterra, já muito enfraquecida pelos Estados Unidos durante e depois da Primeira Guerra Mundial, ficou arrumada pela Segunda, sob os golpes do seu grande “aliado”: a demonstração disso tem sido fulgurante desde 1945 e 1947, e o antigo secretário de Estado americano Acheson (1949-1953) disse, em dezembro de 1962, em West Point (ele era o consultor especial de Kennedy para a NATO) “que a Grã-Bretanha tinha perdido um império e não tinha encontrado um papel no mundo”. Os planos americanos de 1942-1945, principalmente os militares, não previam nenhuma “zona de influência” para os dois parceiros da “Grande Aliança”. O riquíssimo Harriman, embaixador em Moscovo, garantiu, em março de 1944, ao Departamento de Estado, que a URSS seria incapaz de criar uma “zona de influência” na Europa Oriental: deveria contentar-se com a promessa americana de um empréstimo de um bilião de dólares (que, de resto, não se concretizou).

Roosevelt e os seus sabiam que a URSS, prostrada pelas perdas, extremamente empobrecida, esvaziada de alguma forma, seria incapaz de lucrar com a sua vitória militar quando as armas fossem abandonadas. Foi o que aconteceu. Os Estados Unidos conseguiram contestar o que tinham de aceitar, principalmente em Yalta e Potsdam, esses famosos acordos que não tinham querido negociar durante a guerra. E Potsdam já marcou um forte recuo soviético em relação a Yalta [...]

Não existem surpresas em História, a História é o resultado de uma relação de forças – e os historiadores que trabalham nos arquivos têm a sorte de ver, com atraso, o que realmente se passou. A terminologia, a ideologia, o negacionismo sobre os quais repousa a apresentação histórica de hoje caem então por terra. Mas entre o que um estudante do ensino secundário hoje aprende, ou um espetador, e a realidade histórica estabelecida por fontes diversas e convergentes, existe um abismo.

RT France: Quais são as consequências positivas desta vitória para a URSS? Porque é que ela não conseguiu preservar as vantagens da sua posição de vencedora?

ALR: Existem fatores positivos que não podem ser negligenciados. Obviamente, o movimento comunista ganhou enorme prestígio pelo seu papel na resistência interna, um papel determinante em toda a Europa. [...]

Houve uma época em que trabalhei muito na Escandinávia, em particular na Noruega, país cuja população tradicionalmente simpatizava com os russos, especialmente os marinheiros. O caso da Islândia é ainda mais espetacular e aí a população resistiu ao rolo compressor da propaganda por mais tempo. Houve sondagens, em maio de 1945, entre a população norueguesa, sobre as alianças político-militares desejadas após a guerra: 89% dos noruegueses, na segunda metade de 1945, defendiam uma aliança com os soviéticos. Em 1947, não passavam de 15%. [...]

Em menos de dois anos, esta esmagadora tutela anglo-americana, especialmente americana, que Doyen tinha previsto em julho de 1941, tinha liquidado as consequências da vitória soviética no Ocidente. Essas são coisas que obviamente só podem ser entendidas com base em fontes. Porque, hoje, se perguntarmos a um estudante comum quem venceu a Segunda Guerra Mundial, ele dirá que foram os Estados Unidos.

A URSS sai da guerra com perdas económicas monstruosas, estimadas em 200 biliões de dólares (Jacques Pauwels, O mito da boa guerra: os EUA e a Segunda Guerra Mundial). No entanto, a reivindicação soviética das reparações de guerra alcançou em Ialta um acordo de 50% do valor total de 20 biliões de dólares, ou seja 10. Esse número, ridículo em comparação com as suas imensas perdas, e em particular a sua parte europeia destruída (base histórica da sua indústria), foi ainda menos respeitada do que as “reparações” após a Primeira Guerra Mundial. A URSS teve de se contentar com um quase-nada, entre outras coisas, sem a “reparação” da Alemanha Ocidental, ou seja, do coração industrial da agressão alemã, o Ruhr, intacto e mesmo reforçado pela guerra.

Dezenas de milhares de Oradour-sur-Glane [2], de aldeias, de cidades arrasadas, de museus destruídos, de fábricas varridas do mapa etc. Se levássemos a história e o nosso povo a sério, deveríamos mostrar-lhes as ruínas de Stalinegrado. Nem um edifício, nem uma fábrica de pé, como em toda a parte europeia da União Soviética.

RT França: Esta vitória militar soviética não é, em última análise, uma vitória de Pirro? As perdas foram colossais. A URSS conseguiu recuperar?

ALR: A União Soviética é um vencedor militar indiscutível, mas um vencedor ferido até à morte, um fator decisivo no período pós-guerra. […] A URSS nunca recuperou das perdas desta guerra. […]

Não é menos verdade que ela se reconstruiu em ritmo acelerado porque, nos anos de 1945 a 1970, o crescimento do mundo socialista atingiu uma taxa muito mais alta do que a dos países capitalistas. Hoje isto é ignorado, mas a economista Marie Lavigne elaborou, designadamente em As economias socialistas soviética e europeias, (1979), um quadro honesto do seu crescimento impressionante. Os países capitalistas foram duramente atingidos pelas crises cíclicas analisadas por Marx e pelos seus antecessores e sucessores. A de 1948-1949 foi terrível nos Estados Unidos, que só emergiram dela com a Guerra da Coreia. Não devemos tornar ainda mais negro o quadro inicial que tracei.

Houve capacidades de recuperação incontestáveis, mas quando se tem de um lado um gigante enriquecido que conserva para si um Ocidente que não foi destruído, porque, quaisquer que tenham sido os sofrimentos da Ocupação dos países ocidentais, nenhum deles conheceu a devastação que afetou os Balcãs e a Europa Oriental […] Entre os necessitados do Oriente e do Ocidente reforçado pela guerra, e especialmente os Estados Unidos, o diferencial foi considerável.

Atualmente estou a trabalhar com os Area studies ou “estudo de zonas”, que os Estados Unidos desenvolveram em 1945-47 com a ajuda de altas competências (académicas) dos chefes do OSS (serviço de informações americano: Office Strategic Service) mais tarde CIA. Eles prepararam, através de universidades e centros de investigação, o controlo de territórios, a investigação científica, o ensino, o que pressupunha um conhecimento preciso dos recursos das zonas visadas. Os Area studies da Rússia e da Europa Oriental foram logicamente uma prioridade desde 1945. Historiadores americanos quase desconhecidos na França, cujos trabalhos não estão traduzidos, estudaram a coisa, e foi surpreendente.

Porque essas “investigações” destinavam-se principalmente a facilitar a expansão económica americana. Mas elas tiveram ao mesmo tempo, desde o início, um significado tanto mais ideológico, quanto o processo foi elaborado e guiado pelas autoridades americanas, civis e militares. […] Essa extraordinária vitória ideológica tornou possível transformar um aliado num lobisomem mortal, diabólico. Entre os dois perigos, o nazista (que nunca foi perseguido pelo “Ocidente”, da década de 1920 até ao presente, é um eufemismo) e o bolchevique, é o último que passa por ser mortal. Ainda levou décadas para se alcançar esse resultado.

RT France: Se se constata uma forma de reescrita do passado, existem historiadores para restabelecer a verdade?

ALR: Num país como a França, a história é, especialmente a partir da Revolução Francesa, um ponto de fricção política permanente. É, portanto, entre as ciências sociais, todas visadas, que se verifica um campo particularmente severo de confronto.

Obviamente, hoje em dia, o debate historiográfico, ainda tão rico nos confrontos académicos dos anos 1960-1970, foi soterrado. Agora que resta apenas um campo vencedor por K.O., ouve-se o mesmo som na grande comunicação social escrita e audiovisual. Quando pudermos refazer a história sem perigo, baseada em fontes, descobriremos, antes de 1945, uma história próxima das realidades que os contemporâneos perceberam […]

Para fazer história, não se pode ficar satisfeito com o trabalho do curto prazo: uma questão que surge em 1989 ou em 2020 é objetivamente colocada passadas décadas, ou até séculos. Quando as fontes são abertas, e esse tem sido o caso há várias décadas, qualquer investigador curioso, competente e corajoso pode acumular materiais e depois construir um edifício sólido.

Se quisermos favorecer o negacionismo histórico, mesmo quando o acesso às fontes é amplo, é preciso dissuadir os jovens investigadores em busca de uma carreira, de uma publicação, de projeção mediática, de procurarem o que desagrada “às pessoas-bem”; e impedir os historiadores teimosos de difundir os seus trabalhos no país e fora dele: eu já disse até que ponto a não tradução dificultava o conhecimento histórico. Autocensura ou censura, o método é imparável, demonstrei isso em A história contemporânea sempre influenciada e em várias contribuições.

Notas

[1] La Cagoule, nome dado ao agrupamento político Action Française, oficialmente chamada Comité Secreto de Ação Revolucionária  era um grupo terrorista francês, fascista e anticomunista, ativo ativo de 1935 a 1941, atuando de forma extremamente violenta. – NT

[2] Povoação francesa completamente arrasada pelos alemães durante a guerra. Os seus habitantes foram queimados vivos na igreja onde se refugiaram. – NT

*Especialista em Segunda Guerra Mundial, Annie Lacroix-Riz é autora de obras publicadas especialmente por Armand Colin, «O Vaticano, a Europa e o Reich da Primeira Guerra Mundial até à Guerra Fria» (1914-1955) (2010 ); «Industriais e banqueiros franceses sob a ocupação» (2013); «As elites francesas», 1940-1944. «Da colaboração com a Alemanha à aliança americana» (2016); «A não depuração na França de 1943 a 1950» (2019).


Tradução do francês de TAM

Extraído de: Pelo Socialismo

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