M. Azancot de
Menezes* | Jornal Tornado
Xanana Gusmão, líder do CNRT,
respondeu de forma sarcástica a uma carta escrita por Lere Anan Timur, Chefe do
Estado Maior-General das Forças de Defesa de Timor-Leste. O desentendimento
político agrava-se no país. Enquanto isso, o desânimo e a pobreza aumentam
exponencialmente em Timor-Leste.
No dia 8 de Junho de 2020, Lere
Anan Timur, notável antigo comandante guerrilheiro da área de Lospalos (ponta
Leste de Timor-Leste), escreveu uma carta dirigida aos principais líderes
políticos do país apelando ao diálogo e ao bom senso.
O apelo do Comandante Lere,
resumidamente, remete para a importância da liderança política se unir em
diálogo construtivo, com a argumentação de que a situação política (acrescento
eu, económica e social) está a gerar muita preocupação e desmotivação, não só
junto da população civil mas também no seio das forças militares.
A carta do líder do CNRT em
contexto de crise política, económica e social
O Jornal Tornado teve
acesso à cópia de uma carta datada de 12 de Junho de 2020 da autoria do líder
histórico da resistência, Kay Rala Xanana Gusmão, uma resposta à missiva do
Comandante Lere.
Desde já, penso que é importante
referir, Kay Rala Xanana Gusmão, líder histórico da resistência timorense,
continua a ser a pedra mais importante e influente do xadrez político e
económico de Timor-Leste.
O comandante histórico das
FALINTIL tem o indiscutível reconhecimento dos EUA e da Austrália, e de outros
países, por muitos equiparado à dimensão de Nelson Mandela. Mesmo havendo
críticas a algumas das suas posturas, Kay Rala Xanana Gusmão continua a ser (muito)
respeitado ao nível nacional e, não esqueçamos, detém a chave dos principais
dossiers internacionais.
Portanto, parece-me pacífico
aceitar, em Timor-Leste, quer se goste ou não, ao nível económico, geo-militar
e político, nada avançará sem o aval do líder histórico da resistência
timorense, reconhecido como tal pelas Nações Unidas e pela comunidade
internacional.
Na sua carta, o líder do CNRT
referiu que não se sente com “capacidade” para dialogar com líderes políticos e
militares que governam Timor-Leste.
Este partido político, também não
é demais recordar, inclui militantes que no passado defenderam a integração de
Timor-Leste na Indonésia, um aspecto aflorado na carta pelo próprio.
"Em nome do partido CNRT, ‘que não
sabe governar e que está cheio de autonomistas e corruptos, eu tenho que
reconhecer e de aplaudir o facto real de que só desde 2017 até agora é que
surgiu o desenvolvimento, com a liderança de líderes inteligentes, e de membros
do governo qualificados de alto perfil que sabem governar este Estado de
direito democrático”.
Xanana Gusmão
Este assumir (sarcástico) segundo
o qual o CNRT integra militantes que outrora defenderam a autonomia de
Timor-Leste sob a soberania Indonésia é do conhecimento público. Contudo, não
tenhamos pruridos em afirmar, todos os partidos políticos timorenses, incluindo
a FRETILIN, integram nas suas fileiras membros que no passado capitularam e
tomaram a opção pela Indonésia.
Atente-se bem, uns mais do que
outros, todos os partidos estão nessa situação, sendo certo que essa realidade
é transversal na sociedade timorense, havendo também oficiais das Forças
Armadas e da Polícia Nacional nessa condição, o mais sensato é esquecer este
delicado dossier ou as feridas jamais ficarão cicatrizadas.
Por outro lado, o processo de
reintegração de timorenses pró-autonomistas (a favor da Indonésia), penso que é
bom recordar, obedeceu a uma estratégia delineada no tempo da UNTAET
(Autoridade Transitória das Nações Unidas), implementada logo após o referendo
em 1999, sob liderança do brasileiro Sérgio Vieira de Melo.
Nesta altura, a UDT, a FRETILIN,
o PST e outros líderes políticos integraram o modelo de governo montado pelas
Nações Unidas, pelo que, críticas sobre essa matéria podem não ter razão de ser
na medida em que a liderança no seu todo acolheu a “recomendação” (leia-se:
imposição) das Nações Unidas, isto é, a reintegração social e política de
“autonomistas”.
Pobreza extrema e cobiça num país
com tantas riquezas naturais
A preocupação do Brigadeiro
General Lere em relação ao momento que o país atravessa, literalmente paralisado,
sem desenvolvimento económico e social, com a pobreza e a miséria a aumentar de
forma significativa é muito pertinente e deve merecer a atenção da liderança
política, independentemente das suas divergências ideológicas e políticas.
Um estudo realizado em 2019 pelo
«Índice Global da Fome» refere que Timor-Leste é o décimo país que mais sofre
com a fome no mundo, atrás do Afeganistão e do Sudão, mas estes foram
devastados pela guerra.
Nos diferentes municípios de
Timor-Leste, principalmente nas zonas mais remotas, não fossem os timorenses
agricultores, a miséria poderia atingir dimensões ainda mais preocupantes.
Até na cidade capital, Díli,
continuam a faltar serviços básicos, tais como água potável, saneamento básico,
saúde e educação. O desemprego é assustador e atinge 75% da população com menos
de 35 anos de idade, havendo antes da pandemia da Covid-19 várias centenas de
jovens a emigrarem para a Coreia do Sul, Irlanda (talhos e outros serviços) e
Austrália (colheita de frutas) para se juntarem aos milhares que já lá se
encontram.
A verdade é que para além da
cobiça estrangeira sobre as riquezas naturais de Timor-Leste, mesmo havendo
esta situação generalizada de pobreza sem fim à vista, muitos dos principais
líderes olham para o petróleo e o campo de gás Greater Sunrise como fonte de
riqueza pessoal e não para investir no desenvolvimento sustentável do país, o
que também levanta sérias dúvidas sobre a autenticidade da “intervenção
humanitária” filantrópica da Austrália em 1999.
*PhD em Educação / Universidade
de Lisboa
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