#Escrito e publicado em português do Brasil
Bruno Veillard - Colaborador
Voluntário | CEIRI em Jul 03
A Federação Russa declarou
independência da União das Repúblicas Socialistas Soviética (URSS) em 12 de
junho de 1990, todavia, sua conclusão ocorreu no dia 25 de dezembro de 1991.
Nesse período, as atividades políticas ingressavam no regime de transição, no
qual, o Tratado de Belavezha estabeleceu a extinção do Estado Soviético e a
formalização da independência das ex-repúblicas soviéticas.
O Acordo de Belavezha possui uma
característica de informalidade por ter sido assinado em confidência pela
Federação Russa, Ucrânia e Bielorrússia, em 8 de dezembro de 1991, na cidade de
Minsk, capital da Bielorrússia. É de responsabilidade do pacto a criação da
Comunidade de Estados Independentes (CEI), que nasceu para incentivar a
coordenação entre as ex-repúblicas da URSS, com a introdução da economia de
mercado.
Após Mikhail Gorbachev resignar
seu cargo, emerge na Rússia o governo de Boris Iéltsin, o qual é lembrado com
pesar, pois os movimentos de liberalização econômica acarretaram consigo a alta
da inflação e grande crise política e social. A oposição a Iéltsin cresceu,
sobretudo no Soviete Supremo, Parlamento russo da época, pois o legislativo não
concordava com as reformas liberais do momento. Como resultado, Boris Iéltsin
dissolveu o Parlamento a partir da prisão de líderes oposicionistas e da
explosão do edifício.
Diante do fato, a Federação russa
ingressou em uma crise constitucional, visto que o legislativo acusou Iéltsin
de violar a Constituição vigente pela dissolução do Soviete Supremo. A questão
se agravou a ponto de deixar os russos à beira da guerra civil, e a situação
foi controlada com a repressão dos opositores pelo Exército russo, sob controle
do governo. Após a resolução da situação, Boris Iéltsin continua a implementar
suas reformas econômicas e instaura a Constituição Russa de 1993, mediante
aprovação em Referendo.
Nos anos 2000, Vladimir Putin
ascende ao poder, e governou o país em um primeiro mandato (2000 a 2008), sendo reeleito
para seu segundo mandato (2012
a 2018) e um terceiro período que iniciou em 2018. O
histórico do governo Putin possui diversas qualidades e ambiguidades.
Dentre os pontos positivos se
observa a diminuição do desemprego e da pobreza no país, e o exponencial
crescimento econômico da Federação Russa. Os êxitos refletem diferentes
fatores, os quais abrangem a estabilidade política, a gestão macroeconômica, as
reformas fiscais, e o crescimento dos rendimentos petrolíferos. Todavia, seu
governo atual possui percepção de ser antidemocrático por parte de seus
opositores políticos. A negatividade envolve a ascensão de medidas vistas como
autoritárias contra políticos, ativistas e religiosos.
Atualmente, o governo Putin
incentiva uma série de reformas constitucionais e, em 15 de janeiro de 2020, o
Mandatário russo sinalizou à Assembleia Federal seu engajamento. A ênfase da
reforma visa expandir os poderes da Duma de Estado*, do Conselho da
Federação**, do Tribunal Constitucional***, a limitação do quantitativo de
mandatos presidenciais, medidas de caráter social e a primazia constitucional
sobre os requisitos do direito internacional.
Em relação à pauta, as
autoridades legislativas e judiciais da Federação Russa concordaram com a
solicitação do presidente Putin, o qual decretou a realização da consulta popular no dia 1o de
julho de 2020. Todavia, o pleito foi antecipado e as votações tiveram início a
partir do dia 25 de junho, e terminaram no dia 1o de julho.
A expectativa de aprovação das
reformas já era alta e o assunto estimula os ânimos entre governo e oposição,
entretanto, um fator importante foi conseguir fazer com que o eleitor saísse de
casa para a votação, pois é de concordância entre especialistas a interpretação
de que parcela da população não compareceria ao pleito, seja pela declinação,
provocada pela passionalidade do cidadão, seja pelo próprio caráter do
isolamento social contra a COVID-19. Apesar desses fatores, o presidente Putin
demonstrou confiança, conforme sua declaração no jornal The Moscow Times: “Estou certo de que a maioria absoluta de nossos cidadãos
compartilha e apoia essa posição”.
O jornal Yandex trouxe a
declaração do Presidente do Conselho do Fundo de Desenvolvimento da Sociedade
Civil (ForDGO), Konstantin Kostin, sobre os indicativos das pesquisas de
opinião, o qual salientou: “Dependendo das especificidades do assunto da federação, do
bem-estar social em uma região específica, os números de participação serão
ajustados. Mas se analisarmos os dados dos sociólogos, os intervalos são bem
claros: você pode esperar uma participação de 50% a 60%. Do número total de
pessoas que comparecerem às parcelas, presume-se que de 60% a 70% votem ‘nas
emendas’. A crise de participação é, em certo sentido, o flagelo das
democracias modernas, mas quando as pessoas precisam ser atraídas para as
pesquisas de alguma forma. O que está sendo realizado agora – uma votação
eletrônica sem precedentes em Moscou e Nizhny Novgorod, uma votação preliminar
de cinco dias, uma grande porcentagem de votação em casa – tudo isso, para mim,
é extremamente importante”.
O jornal Yandex ainda trouxe a
opinião do Diretor de Análise Política do Instituto de Marketing Social
(INSOMAR), Viktor Poturemsky, o qual expressou sobre o grau de participação dos
eleitores: “Esperamos uma participação na faixa de 55% a 58%.
Simultaneamente, 64% a 69% dos cidadãos votarão a favor das alterações. Contra
– o número varia na faixa de 30% a 35%. Vemos que os oponentes das emendas são
bastante categóricos e até radicais em suas avaliações negativas – 89% dos
oponentes das emendas estão insatisfeitos com o estado das coisas no país
contra 68% dos apoiadores das emendas que estão satisfeitos”.
O jornal Izvestia trouxe a
declaração do Membro e Presidente do Comitê do Conselho da Federação sobre
Legislação Constitucional e Construção do Estado, Andrey Klishas (Partido
Rússia Unida – Território de Krasnoyarsk) sobre o conteúdo da reforma: “A adoção de emendas constitucionais eliminará o risco de
reversão para um nível mais baixo de garantias legais. Isso ajudará a impedir a
deterioração do status legal das pessoas, independentemente de quais forças
políticas serão investidas no poder”.
Trouxe ainda a opinião do Diretor
Científico do Instituto de História Geral da Academia Russa de Ciências,
Alexander Chubaryan, sobre o reflexo do estado de sucessão da União Soviética
pela Federação Russa, o qual disse: “Para a geração jovem da Rússia, que não vivia no sistema
soviético, essa fixação é importante. O estado incluiu muitas repúblicas, que
agora são independentes. É importante que os jovens entendam que a Rússia é a
sucessora da União das Repúblicas Socialistas Soviética (URSS)”.
Além disso, o jornal apresentou a
fala da Presidente da Infowatch, Natalia Kasperskaya, com relação ao futuro da
tecnologia digital no país, a qual expressou: “A introdução da TI na Constituição (cláusula e artigo 71)
ajudará diferentes entidades constituintes da federação a criar e implementar
seus sistemas de informação, guiados por normas e regras comuns, que
simplificarão e reduzirão o custo do processo de implementação e evitarão
incompatibilidade de sistemas”.
O pleito terminou às 21h00 no
horário de Moscou, e às 2h30 a Comissão Central de Eleições (CEC) já havia
apurado cerca de 97,8% dos votos. O jornal RBC apresentou os resultados, os
quais indicam a aprovação das emendas com 78,06% dos votos e 21,13% dos votos
contrários. Na capital, Moscou, a votação on-line contabilizou 62,33% de
aprovação e 37,67% de reprovação às Emendas Constitucionais. O grau de
participação nacional alcançou a faixa de 65,28%. Comparando-se locais
importantes no país, registrou-se nos últimos 6 dias de votações a participação
de 53,32% em Moscou, 72,71% na região de Moscou, 70,07% em São Petersburgo , e
77,79% na Crimeia.
Os analistas compreendem que o
presidente Putin adquiriu considerável apoio populacional com suas políticas
entendidas por eles como sendo de base populista e nacionalista. Diversas
pessoas conseguiram ascender socialmente durante o governo de Putin. A nível de
comparação, esse é um avanço significativo com relação ao governo Iéltsin, no
qual a população experimentou amargas perdas e com o agravante da corrupção
revelada.
No tangente a reforma
constitucional, as pautas são de natureza incisiva e não representam rupturas
políticas ou extremismos ideológicos. Aparentemente, os tópicos reformistas
abrangem uma agenda de correção histórica, ou seja, a introdução de mecanismos
de valorização da nação em consonância com o passado de estagnação política e
econômica do regime soviético.
Os assuntos de destaque do pleito
reformista são basicamente dois: a legitimação da Federação Russa como
sucessora da URSS, com privilégio para a defesa da soberania russa em relação
ao direito internacional; e como ficará o futuro político de Vladimir Putin.
A primeira questão pode ser
compreendida como reflexo da política nacionalista do atual governo russo, o
qual deseja restringir a decisão de interferência internacional em seus
assuntos internos, sobretudo os que provavelmente tangenciam o âmbito das
organizações internacionais e suas decisões sobre direitos humanos.
A segunda questão ainda é uma
incógnita, e caberá ao Tribunal Constitucional russo decidir, se concederá ao
Mandatário russo a prerrogativa de não computação de seus dois últimos
mandatos, a qual abrirá a possibilidade de Putin disputar outro mandato, ou se
rejeitará quaisquer pedidos nessa direção. Entretanto, apesar da perspectiva da
oposição, e das considerações negativas, a pauta da reforma constitucional em
si não sinaliza um golpe de Estado.
Imagem: Presidente Putin / © EPA/ALEXEI
DRUZHININ / SPUTNIK / KREMLIN POOL
Notas:
* Duma de Estado: A Duma de Estado, ou Duma da Federação, é a
Câmara Baixa do legislativo da Federação Russa, a qual reúne 450 membros
eleitos.
** Conselho da Federação: O Conselho da Federação, ou Soviete
da Federação, é a Câmara Alta da Federação Russa, a qual reúne 170 membros
eleitos.
*** Tribunal Constitucional: O Tribunal Constitucional é o
órgão do Poder Judiciário responsável por decidir as questões relativas à
Constituição da Federação Russa.
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