sábado, 4 de julho de 2020

Portugal | Somos tão bons, não fomos?


Pedro Ivo Carvalho | Jornal de Notícias | opinião

A passagem repentina do "olhem para nós a mostrar ao Mundo como se faz" para o "estamos a caminhar assustadoramente para o abismo dos contágios" é um traço distintivo da esquizofrenia lusitana.

Somos campeões olímpicos da variação coletiva de estados de alma. Ainda assim, não devemos render-nos a esta fatalidade. Estamos a colher o que semeámos. No que gerámos de expectativas não cumpridas, no que não acautelámos no passo decisivo rumo ao desconfinamento.

Apesar de, durante a reclusão inicial, os portugueses terem sido exemplares, apesar de terem sido criadas condições políticas ímpares, apesar da tremenda abnegação dos profissionais de saúde. Hoje, com a viagem tormentosa a meio (esperamos), só podemos dar graças pelo facto de o Serviço Nacional de Saúde não ter colapsado. Fomos competentes a lançar os dados.

É justo reconhecer que a gestão de uma pandemia desta envergadura não traz livro de instruções. Estamos a viver as dores mais sofridas do regresso à vida. Travar a fundo é uma coisa, abrir urgentemente, mesmo que a medo, é outra. E por isso é natural que a tensão entre os cientistas e os políticos se agudize. Porque as incertezas decorrentes de uma maior imprevisibilidade nos comportamentos individuais fazem aumentar o risco.


Os políticos precisam de respostas cabais para tomar decisões, mas elas não abundam. Nem mesmo entre os que produzem linhas orientadoras a partir dos factos. Se há coisa que aprendemos é que todos os que cantam algum tipo de vitória sobre este vírus maldito acabam por levar com as canas dos foguetes na testa.

As guerras videirinhas entre Norte e Sul sobre quem está a lidar melhor com o "bicho" são tão mais paroquiais e absurdas quando falamos de um país que se percorre de ponta a ponta em cerca de sete horas. O perigo muda de geografia num sopro.

Ninguém estava preparado para o que vinha, mas o exército de contaminados dará agora lugar a um exército de desempregados, sobretudo nos setores mais atingidos, como o turismo. É assustador pensar que, no final deste mês, quase 40% dos restaurantes vão encerrar, quando terminar o período do lay-off simplificado.

É assustador pensar que a galinha dos ovos de ouro da economia vai deixar a cesta vazia durante não se sabe quanto tempo. De resto, o muro agora erguido pelos ingleses faz adivinhar uma catástrofe ainda maior para a economia, ainda maior para o Algarve. Era bom, por isso, que não falhássemos aqui como falhámos no desconfinamento. O vírus é diferente, mas mata na mesma.

*Diretor-adjunto

Sem comentários:

Mais lidas da semana