segunda-feira, 27 de julho de 2020

Portugal - UE | O jogo da mala


Pedro Ivo Carvalho | Jornal de Notícias | opinião

Prefiro o pessimismo descrente à exultação infantil quando se trata de olhar para os camiões de notas que Bruxelas nos meteu nas mãos.

Desde logo porque passamos com excessiva facilidade do estado "se não nos emprestarem dinheiro depressa vamos morrer à fome" para o "e agora, como é que vamos gastar esta massa toda?" Sempre que me enchem os ouvidos com os 58 mil milhões de euros que vão forrar os cofres da República nos próximos anos só me vem à cabeça uma capa recente deste jornal: "Fraudes nos subsídios europeus davam para pagar duas vezes a TAP". Numa década, os esquemas fraudulentos na obtenção e desvio de subsídios públicos sonegaram 2,3 mil milhões de euros ao desenvolvimento do país.

Não quero ser mesquinho e concluir que a prebenda vai ser toda mal gasta. Mas é bom assentarmos os pés na terra, porque já sabemos do que a casa gasta. O debate sobre a melhor forma de aplicar os generosos fundos europeus tem de ser acompanhado por um apertado escrutínio público dos múltiplos beneficiários dessa fortuna que salvou a Europa de si própria. O dinheiro é de todos, como tão oportunamente afirmou o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e por isso é natural e desejável que lhe sigamos o rasto.

Definam-se as apostas, as áreas essenciais, as linhas orientadoras, todos os chavões da macroeconomia, mas não se tape a montra com joguinhos opacos de poder e partidarite aguda. Já nos basta a deficiente taxa de execução dos fundos, não precisamos que a isso se some a pilantragem e o colarinho branco.

As más opções e as más políticas minam o progresso, e nunca é demais lembrar que tão cedo não teremos um cheque assim chorudo no bolso, mas a corrupção endémica já provou ser capaz de nos manter agrilhoados aos vícios do passado. Este jogo da mala tem de ser coletivo e transparente. E não uma partida de póquer servida por um croupier com queda para arruinar a casa.

Diretor-adjunto

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