segunda-feira, 27 de julho de 2020

Portugal | Bruno, assassinado na sua terra


Inês Pereira | AbrilAbril | opinião

Bruno Candé Marques, actor da Casa Conveniente, foi assassinado em plena luz do dia este sábado. Antes dos tiros, ouviu insultos racistas que o mandavam «de volta para a sua terra». Até quando?

Foi assassinado este sábado Bruno Candé Marques, actor da Casa Conveniente e Zona Não Vigiada. Pai de três filhos, Bruno nasceu em Lisboa em 1980 e iniciou o seu percurso de actor no grupo de teatro da Casa Pia.

Sentado num banco, a passear a sua cadela, foi alvejado por um homem idoso com quem alegadamente tinha tido uma discussão por causa do animal de estimação, na passada quarta-feira. 

Um crime que será punido nos termos da lei, certamente. Mas importa falar dele para alertar para o que há de particular neste assassinato. Os insultos que Bruno ouviu antes de morrer mandavam-no «voltar para a sua terra». Quantas vezes por dia serão proferidos insultos deste tipo? Embora o discurso de ódio contra sujeitos racializados esteja longe de ser uma novidade, este tem sido cada vez mais legitimado, porque há mais espaço hoje do que há uns anos para esta narrativa no espaço público, a começar pela Assembleia da República.

O espaço que estas forças retrógadas têm vindo a ganhar, no poder e no campo mediático, permite tirar das gavetas, legitimar, e dar suporte àqueles que durante muitos anos apenas podiam afirmar os seus preconceitos entre dentes, por causa dos avanços conseguidos no 25 de Abril e dos valores progressitas desta revolução.

Todos os democratas devem tomar posição e impedir que volte a sair do esgoto um conjunto de valores que promovem a divisão e discriminação por forma a justificar as injustiças e desigualdades que prevalecem na sociedade.

O que nos divide não é o que nos torna distinguíveis uns dos outros, fisicamente ou culturalmente. O que nos divide é a ideia de que somos mais parecidos com o nosso patrão porque temos a mesma cor de pele do que do homem negro que trabalha na empresa ao nosso lado e que vive no nosso bairro.

Quantos é que somos, aqueles que vivem do seu trabalho e que vêem os seus direitos ser postos em causa quando se anuncia a próxima crise? A culpa de ter o meu emprego em risco é daquele com quem vou amontoado no autocarro às 7 da manhã cujos avós nasceram noutro país? Ou será dos que optam por direccionar a riqueza que eu e ele produzímos para manter os privilégios de um pequeno grupo?

A este pequeno grupo de privilegiados serve bem que desconfiemos do nosso vizinho, do nosso colega de trabalho, por causa da sua cor de pele.

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