terça-feira, 25 de agosto de 2020

A brigada dos filantropos


Durante três meses de pandemia os bilionários norte-americanos registaram um aumento da sua riqueza em 20%, enquanto 45,5 milhões de trabalhadores dos EUA ficavam desempregados e milhões de outros caíam num estado de extrema pobreza

José Goulão | AbrilAbril | opinião | Imagem de Brendan McDermid / Reuters

A filantropia está na moda. Não se trata apenas da tradicional caridadezinha, os que podem aos que precisam, mas de qualquer coisa muito mais grandiosa e assegurada por nomes sonantes da elite que nos governa à escala global, dir-se-ia que compadecidos das desigualdades gritantes, compungidos com as injustiças avassaladoras. Mergulham as mãos nos seus biliões e espalham uns trocos no apoio a causas fracturantes e que mobilizam a consciência de grande parte da humanidade. É certo que isso não os impede de serem cada vez mais ricos, antes pelo contrário, mas quem pode levar-lhes a mal? O mundo é assim!...

Personalidades como Al Gore, George Soros, Mark Zuckemberg, Richard Branson, Jeff Bezos, Bill Gates, fundações emanando de poderosos grupos como Ford, Rockefeller, Bloomberg, Walmart, Heinz, Kellog, Lockheed Martin, empresas como a Shell, o fundo Black Rock, os bancos JP Morgan Chase ou Goldman Sachs distribuem os seus fartos lucros não apenas pelos accionistas mas também por indivíduos e organizações envolvidos em activismo por grandes causas, sejam elas a revolução social, o combate às alterações climáticas, a luta contra o racismo e outras de equivalente generosidade. São, na aparência, corajosas e desinteressadas acções filantrópicas cuja importância não escapa à comunicação social privada e global, rendida a tão singular fenómeno como é o de os principais responsáveis pelo estado degradado em que se encontra o planeta e pela situação humilhante a que é submetida a humanidade serem os mesmos que colocam as fortunas ao serviço da erradicação dessas anomalias. Assim como alguém que mata a sua própria galinha dos ovos de ouro.

Existe, portanto, qualquer coisa de invulgar nestes arroubos filantrópicos dos que gerem a plutocracia global. Tão invulgar como o facto de as legiões de profissionais da comunicação de gestão corporativa não se interrogarem sobre o que estará por detrás dessas ostensivas exibições de generosidade.

Por exemplo, poderiam fazer perguntas como: por que razão membros da casta ultraminoritária que embolsa milhares de dólares por segundo, 24 horas por dia e 365 dias por ano, graças ao capitalismo, sobretudo nas suas versões mais selvagens, financia «revoluções» para supostamente instaurar a justiça social? Ou então, por que motivo, sendo a discriminação social e o racismo inerentes ao capitalismo, os mais poderosos entre os poderosos do capitalismo patrocinam acções alegadamente anti-discriminatórias que minam o capitalismo? Ou ainda, quais as razões que movem os principais destruidores do planeta a sustentar actividades que têm como fim declarado o de regenerar o planeta?


Algumas hipóteses de respostas

Para tentarmos encontrar respostas a estas e outras perguntas poderemos levantar várias hipóteses: os plutocratas têm consciência do mal que fazem e pretendem atenuá-lo para ganharem o reino dos céus; ou os plutocratas usam a filantropia para escaparem aos impostos e amealharem assim mais uns biliões; ou os plutocratas compram o activismo social, profissionalizando-o através da filantropia, para minarem causas humanas fundamentais – o combate eficaz e consequente pela paz, pela protecção do meio ambiente, pelo fim de todas as discriminações, por sociedades onde prevaleçam a justiça social, a liberdade e os direitos humanos.

Sejamos francos e reconheçamos que a primeira hipótese é meramente académica porque um capitalista que leva ao apogeu a lei do mercado seguindo a liturgia sagrada da propriedade privada tem, por definição, o lugar garantido no reino dos céus.

As outras hipóteses são válidas, convergentes e explicam singelamente a proliferação de tantos actos filantrópicos.

Regra geral, a generosidade de um plutocrata não é gerida a partir dos próprios bolsos mas sim da gestão fiscal das suas empresas, ou através de canais vocacionados para dois efeitos: poupança nos impostos e filantropia. Assim nascem e se multiplicam as tão aclamadas fundações que encaminham as doações para múltiplos fins, que podem ir desde gestos que caem bem na opinião pública, mecenatos oportunistas proclamados ao som das trombetas mediáticas, a actos de conspiração, subversão e ingerência política – de que são exemplo muito conhecido, mas pouco explicado, as «revoluções coloridas».

A corrupção da revolução

Uma «revolução colorida» assume normalmente uma designação poética, mas não é isso que as uniformiza nos objectivos. O que está em causa é a manipulação de movimentos de massas através de instituições de activismo profissional, sustentada por filantropos e serviços secretos, com a finalidade de mudar regimes e governos cujos comportamentos não estejam sintonizados com o sistema imposto pelo regime neoliberal globalista e que estabelece o padrão único de «democracia» – para funcionar como ditadura económica.

Uma «revolução colorida» acontece actualmente na Bielorrússia, a exemplo do que sucedeu na Geórgia e outras ex-repúblicas soviéticas, especialmente na Ucrânia, onde levou o nazismo à esfera do poder. Cabem na mesma definição as «primaveras árabes», designadamente a da Líbia, que culminou com a destruição do país por uma coligação militar entre o terrorismo islâmico e a NATO; e a da Síria, onde entre os grupos manipulados para a executarem figuram a al-Qaeda e o Estado Islâmico. Também o golpismo em vigor na Venezuela recebe o patrocínio de filantropos e das correspondentes agências norte-americanas dependentes dos serviços secretos, como é o caso da United States Agency for International Development (USAID) e do National Endowment for Democracy (NED). O exibicionista excêntrico Richard Branson, dono da Virgin, foi um dos patrocinadores da operação golpista «humanitária» que cobriu a tentativa de infiltração terrorista na Venezuela em Fevereiro de 2019.

Pode o leitor estar certo de que por detrás de cada «revolução colorida» é possível encontrar o financiamento do magnata húngaro-norte-americano George Soros, através da sua constelação de fundações Sociedade Aberta (Open Society).

Uma «revolução colorida» é, portanto, uma corrupção e uma inversão do conceito de revolução social porque tem como objectivo forçar o alinhamento de um determinado país no sistema capitalista neoliberal. Para isso servem os filantropos.

Os salvadores do planeta

A exemplo do que acontece com as «revoluções coloridas», por detrás de cada «agenda verde» para adaptar o planeta às alterações climáticas e para sanear o meio ambiente está uma miríade de plutocratas na sua função de filantropos.

O ex-vice-presidente norte-americano Al Gore é uma figura de topo destas operações através do seu grupo de empresas «verdes», isto é, que se dedicam a transformar em prometedores negócios as alterações económicas alegadamente orientadas por instaurar uma sociedade menos poluente e menos poluída. Ao seu lado vamos encontrar um vasto universo de fundações com inspiradores nomes sonantes – Rockefeller, Ford, Valmart, Bloomberg, Hewllet – instituições como os bancos JP Morgan Chase e Goldman Sachs, o fundo Black Rock e os inevitáveis George Soros e Bill Gates, uma espécie de filantropo-mor com patrocínio de múltiplas actividades. Como pode ver-se, são estrelas das mais cintilantes na estratosfera do capitalismo neoliberal, causador da destruição do planeta; e que surgem agora, por encanto, como salvadoras do planeta.

Em Portugal também. Vejamos o exemplo doméstico dado pela Fundação Gulbenkian, que deve a sua estrepitosa abundância à exploração de combustíveis fósseis e reservou um milhão de euros para a jovem sueca Greta Thunberg, uma activista profissional sustentada pela estrutura de «negócios verdes» e anti-petróleo de Al Gore. A dissonância do prémio é apenas aparente porque, em boa verdade, ninguém pensa em deixar de explorar combustíveis fósseis enquanto houver combustíveis fósseis.

Tal como acontece como as «revoluções coloridas», a filantropia «ecológica» não passa de um exemplo de investimento ligeiro em operações que potenciam o capitalismo neoliberal, proporcionando mais e chorudos lucros. É assim que os mais ricos entre os mais ricos continuam a engordar as suas obscenas fortunas a alta velocidade, mesmo em plena pandemia, enquanto o mundo se afunda no descalabro económico e social.

A herança de George Floyd

O bárbaro assassínio de George Floyd e o movimento de repúdio que se lhe seguiu contribuiu para destapar um pouco, mas não em condições de chegar à comunicação social corporativa, o carácter ambíguo e colaboracionista de entidades, como Black Lives Matter (BLM), que rapidamente tomam conta e manipulam movimentos genuínos de massas.

As fundações Soros, Rockefeller, Ford e Kellog, e até grandes bancos, figuram entre os financiadores do BLM e certamente não é para combater o racismo, que é inerente ao capitalismo.

Os factos falam por si. Ao manipular as manifestações contra o racismo por causa de George Floyd, o Black Lives Matter, contando com elevado nível de propaganda na comunicação social corporativa, contribuiu para a sua gradual extinção. Para que tudo tenha ficado exactamente na mesma, como deve ser. Com a particularidade, neste caso, de a entidade em causa ser utilizada para traficar fundos ilegais destinados à campanha do candidato presidencial Joe Biden – uma vez que o universo filantrópico e globalista está preferencialmente associado ao Partido Democrata, a outra face do partido único do regime totalitário dos Estados Unidos da América.

A filantropia praticada pelos plutocratas é o oportunismo e o cinismo elevados à mais alta potência. Assenta em fuga legal aos impostos, em investimentos moderados com grandes taxas de retorno, em manipulação e descrédito de causas que poderiam fazer abalar o sistema económico e político vigente.

Empresas de guerra como são os grandes fabricantes de armamentos Raytheon e Lockheed Martin, responsáveis por milhões de mortes em todo o mundo, também integram a brigada dos filantropos: as suas «fundações caritativas» dedicam-se, por exemplo, a projectos educativos e até, imagine-se, a salvar vidas – mas desde que sejam ameaçadas pela COVID-19.

A filantropia assim praticada é uma fórmula garantida para degradar ainda mais uma sociedade doente à escala global.

Para que o mundo seja e continue assim.

José Goulão, Exclusivo O Lado Oculto/AbrilAbril

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