terça-feira, 25 de agosto de 2020

Portugal | Toda a confusão é possível


Paulo Baldaia* | Jornal de Notícias | opinião

Não me parece que seja necessário um QI muito elevado para distinguir entre informação obtida ilicitamente que tem relevância criminal e que não tem relevância de espécie alguma.

Serve esta introdução para deixar claro que não vejo a menor relevância na forma como o primeiro-ministro se referiu aos médicos que terão recusado trabalhar em condições de risco elevado.

Na verdade, tirando a expressão pouco elegante, utilizada por António Costa para classificar a decisão dos médicos que estavam destacados para trabalhar no lar de Reguengos, nem sequer há o mínimo de novidade em relação ao que o chefe do Governo pensa da Ordem dos Médicos e aos médicos com que entra em conflito. É, aliás, muito fácil imaginar o que dirá o primeiro-ministro, em conversas privadas, sobre a bastonária da Ordem dos Enfermeiros. Fica entre eles e os amigos dele. O contrário deve ser igualmente verdade.

De igual forma, sendo obtida ilicitamente nunca faz prova, mas havendo indícios criminais, essa informação deve dar origem a um inquérito. Considerar, como muitos fizeram, que a conversa do primeiro-ministro com jornalistas deve ser considerada em igualdade com a informação obtida por Rui Pinto a propósito de alegados crimes cometidos no mundo do futebol ou na criação da fortuna de Isabel dos Santos pretende apenas lançar a confusão. Uns porque pretendem desvalorizar a informação conhecida sobre os crimes de colarinho branco e outros porque entendem que no combate político vale tudo.

A verdade é que ficamos presos a uma discussão sem sentido feita a propósito de um tom desagradável usado por António Costa, a propósito de uma polémica que estava a causar mossa na imagem da ministra da Solidariedade, em particular, e na imagem do Governo, de uma forma geral. Gastamos sempre menos tempo a discutir o essencial que a discutir o acessório.

Medimos tudo pelo grau de polémica que o debate pode ter. Até os que atacam António Costa pela expressão que utilizou para se referir a médicos lhe estão, afinal, a fazer um favor. Não houve tempo, nem qualidade de debate para tentar saber com mais certeza se o relatório da Ordem dos Médicos, apontando falhas graves no Lar e na ação do Governo, era apenas o relato de factos ou um acerto de contas com o Executivo. Voamos rápido para a guerra das claques, o que facilita a vida a quem tem o poder. Nunca há responsabilidade pelos erros cometidos. Há apenas uma eterna confusão em que ninguém se entende e se procura, apenas, contar os likes de um lado e do outro.

*Jornalista

Nota: Paulo Baldaia cessa hoje a sua colaboração no JN. A Direção agradece a dedicação que ao longo destes anos demonstrou para com o Jornal.

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