segunda-feira, 17 de agosto de 2020

FILTRAR ANGOLA


No preciso momento em que em Luanda o Presidente da República João Lourenço pede justamente uma reapreciação do novo Código Penal relativamente aos crimes cometidos no exercício de funções públicas, em Lisboa anunciava-se a metamorfose do réu Rui Pinto, “hacker” conhecido por sua acção de filtragem no “Luanda Leaks” e no “Futebol Leaks”, que foi posto em liberdade a troco de aceitar cooperar com a Judiciária Portuguesa, num evidente recrutamento por (múltipla) dependência. (https://tvi24.iol.pt/sociedade/football-leaks/ana-gomes-confirma-que-rui-pinto-colabora-com-autoridades-de-tres-paises)

Martinho Júnior, Luanda  

01- Defender a economia angolana, salvaguardando a inviolabilidade do aparelho de estado face à eventualidade da corrupção não é um dado novo em Angola: na República Popular de Angola estavam previstos crimes de sabotagem económica e os servidores do estado que se deixavam corromper podiam sujeitar-se a pesadas penas, ou até à pena máxima que na altura era a pena de morte (no quadro das Leis Revolucionárias de então).

Isso deixou de ser paulatinamente considerado e atendido e um claro exemplo foi quando em Março de 1986 se começou a desmantelar a Segurança do Estado, condenando-se por via do processo 76/86 os incorruptíveis camaradas que haviam instruído o processo 105/83, como se eles até tivessem o livre arbítrio de sua execução…

O processo 105/83 foi iniciado quando em 1983 foi dado conhecimento público que no edifício Texaco à Maianga, em Luanda, estava depositado, no apartamento de Raul António Dias (réu à revelia) uma parte do arquivo do Consulado dos Estados Unidos acreditado junto do regime colonial-fascismo português e por tabela, se desmantelaram “até às últimas consequências” (pronunciamento público do próprio Presidente da Republica) várias redes de tráfico ilícito de diamantes e de moeda que delapidavam a economia angolana em osmose com indiciados vínculos de inteligência indexados ao Departamento de Estado…

Sob a justa iniciativa de se irem acabando com as penalizações legais mais pesadas (inclusive a pena de morte), a pretexto dum “golpe de estado sem efusão de sangue” prevaleceu a intoxicação que deliberadamente acabou com o Tribunal Popular Revolucionário, substituindo-o por um novo Tribunal e utilizou os pronunciamentos dos traficantes contra os oficiais instrutores do 105/83, sem medir as consequências futuras, uma delas, desde logo terrível: Savimbi, parte interessada no processo angolano e especialmente atento à evolução do carácter do estado da RPA e dos seus instrumentos de poder, decidiu-se, quando se viu obrigado a mudar de rectaguarda, pela “conquista” das áreas de exploração diamantífera a fim de levar a cabo a “guerra dos diamantes de sangue” na vã tentativa de tomar pela força o poder, depois das eleições que perdeu em 1992!...

Durão Barroso, recentemente elevado a delegado do Bilderberg em Portugal, convidado pela Comissão de História do MPLA, disse publicamente que foi assim, em Angola, em África, que começou a ser derrubado o muro de Berlim, uma “transversal” leitura de inteligência que os patriotas angolanos, particularmente os soldados do MPLA e já que os militantes e simpatizantes indiciam tantas falhas, não podem perder de vista, por que cobre a pista de inteligente subversão que atingiu profundamente Angola durante toda a década de 80 do século XX, preparando de facto o cenário do 31 de Maio de 1991 em Bicesse e os impactos do capitalismo neoliberal que se lhe seguiram até nossos dias (choque e terapia), sob a aliciante cobertura da democracia multipartidária e representativa em curso!...

Angola procurava a todo transe a paz, num ambiente hostil que não havia ainda experimentado, inaugurado pela administração de Ronald Reagan, aplicando por via de escolhidos “freedom fighters”, os ensinamentos dos “rapazes de Chicago”!

Os tecidos deliberadamente amolecidos de Angola, se assim prevalecerem, continuam à mercê dos “jogos africanos” dos mercenários do grande camaleão: os abutres precisam de inércia e “paninhos quentes” para confortavelmente fazer o que sempre fizeram: depenicar!...



02- As alterações globais que influíram no poder dominante do império da hegemonia unipolar tutelando a vassalagem do quadro da NATO, da União Europeia e mais tarde e sincronizadamente, do AFRICOM, colocou os sucessivos governos portugueses resultantes do golpe do 25 de Novembro de 1975 na posição servil, completamente dependente, num papel de plataforma útil do aumento da intensidade da subversão animada pelo capitalismo neoliberal produtora de impactos em Angola.

Se Savimbi foi utilizado para produzir o choque (também com muita colaboração de entidades portuguesas no seguimento das pistas do Exercício Alcora reformulado), foi o sistema económico e financeiro português utilizado para produzir a terapia!...

Sabiam que o terreno estava aplanado: uma vez mais, o poder em Angola, com as fluências advenientes de 1986, não conseguiu, ou não quis, fazer a leitura adequada acautelando os interesses soberanos do povo angolano face à manobra que tanto tem a ver com neocolonialismo, discretamente “suave”, mas subversivo ao ponto de estimular a corrupção que cresceu imediatamente, no seguimento do calar das armas em Angola em 2002!...

O quadro de impactos neoliberais utilizando expedientes de terapia, particularmente quando se adoptaram os critérios das “parcerias público-privadas”, estimularam-se duma forma sem precedentes em função dos tentáculos bancários, envolvendo todos os bancos portugueses que inundaram a tão vulnerável quão precária praça económica e financeira angolana, com o Banco Espírito Santo, BES, em experimentada charneira, graças aliás ao seu similar papel noutras paragens: Líbia, Brasil, Venezuela!...

As actvidades do BES na Líbia e no Brasil estão por desnudar, em relação à Venezuela Bolivariana conhece-se que faz parte integrante do serviço de pirataria (é o Novo Banco que retém o capital confiscado) e, em relação a Angola, vai sendo condenado com toda a discreta contenção, pois interessa que o sistema bancário injectado pelo “arco de governação” seja capaz de navegar nos mares da IVª República angolana, ainda que enfrentando turbulências de contingência!

O BESA foi um sucedâneo do Banco Espírito Santo em Angola, “besa me mucho” e um expoente dos resultados dos impactos da terapia do capitalismo neoliberal no sistema económico e financeiro angolano, por via da chegada de mais caravelas bancárias portuguesas que desembarcaram com velas pandas (uma vez mais e reeditando as de quinhentos), nas praias de São Paulo da Assunção de Loanda!...

Daí até se atingir o âmago da IIIª República foi um pequeno passo em estado de liquidez: “parcerias público-privadas”, “parcerias internacionais” e “parcerias transnacionais”, em especial com as “vacas gordas” da servil plataforma económica e financeira portuguesa e seu sorvedouro!...

Em tempo de “petróleo para o desenvolvimento” foi de facto assim, mas agora, em tempo de “petróleo enquanto excremento do diabo” e de pandemia, as “vacas magras” nem leite têm para ordenhar!...
  

03- …Agora temos em Lisboa a continuidade do aproveitamento do “hacker” Rui Pinto para, mudando as cores do grande camaleão, preencher outro módulo operativo, com outra plasticidade inteligente, na sequência do já queimado “Luanda leaks”, explorando aliás o seu êxito e ajudando alem do mais outros “hackers” recrutados no ofício de espionagem de que se tornou famoso, na implantação duma nova escola, enfim!...

Avançar a filtragem inteligente sobre Angola num quadro de terapia neoliberal e percebendo que Angola continua tão carente de quadros para levar avante os imensos resgates que tem que realizar em termos de desenvolvimento sustentável, com o “hacker” Rui Pinto e o sistema bancário injectado pela inteligência económica portuguesa integrando um pacote tão vasto que se desdobra pela inteligência da jurisprudência, pela inteligência cultural, pela inteligência doutrinária e ideológica, decerto que enriquecerá o “modo português de fazer a paz”, a paz em Angola!...

Para a inteligência portuguesa decorrente do “arco de governação” e da “geringonça”, sob a cobertura psicadélica e “tridimensional” do “Futebol leaks”, queimou-se a etapa da IIIª República de Angola e agora a cavalaria dos “hackers” vai ser testada, em função dos ganhos adquiridos, em mais tarefas “tridimensionais” desse “modo português de fazer a paz”, a paz em Angola “que estamos com ela”, a paz da assimilação propícia ao grande camaleão, na tentativa de persuadir intestinamente a IVª República angolana, tentando ainda por osmose moldar duma forma afim aos interesses que serve, o exercício do executivo tropical em tempos de pandemia e “vacas magras”!...

O sistema dos Serviços de Inteligência de Angola, não pode nem deve perder tudo isto de vista, pois todo o cuidado, não sendo ”para inglês ver”, é pouco: não só por causa do vai-e-vem das caravelas com as velas pandas obedecendo aos ventos e aos fluidos do grande camaleão, mas também por que, não se tendo alterado a geostratégia de desenvolvimento sustentável em Angola (continua-se a pensar e agir a partir da percepção de quem chegou e chega por mar), o campo de manobra continuar fértil e persistentemente apto para, em regime de terapia neoliberal, com outras cores, propaganda e contrapropaganda agregadas e novos módulos operativos, explorar tantos êxitos e garantir a continuidade do que para o império da hegemonia unipolar é fundamental: FILTRAR ANGOLA!...

Este é, decerto, um outro modo de encarar o processo histórico-antropológico e por tabela uma parte interesseira (mais que interessada) da actual situação envolvente e impactante das “minas de Salomão”!

Martinho Júnior -- Luanda, 12 de Agosto de 2020

04- PR pede à Assembleia Nacional a reapreciação do novo Código de Processo Penal (12 de Agosto, 2020)

O Presidente da República, João Lourenço, solicitou, ontem, que a Assembleia Nacional reaprecie artigos específicos do Código Penal, relacionados fundamentalmente com os crimes cometidos no exercício de funções públicas.

João Lourenço considera que a perspetiva apresentada neste diploma “pode não estar alinhada com a visão actual e transmitir uma mensagem equívoca quanto aos crimes cometidos no exercício de funções públicas”.

O Chefe de Estado recebeu, há dias, para promulgação, a lei do novo Código Penal da República de Angola e ontem fez chegar ao presidente da Assembleia Nacional, Fernando da Piedade Dias dos Santos, uma carta a partilhar “reflexões e preocupações” sobre o diploma, acabando mesmo por solicitar a reapreciação de algumas das suas disposições antes de promulgá-lo.

Segundo uma nota da Casa Civil do Presidente da República, as questões levantadas pelo Chefe de Estado têm a ver com o resgate dos valores da probidade no exercício de funções públicas e do compromisso nacional com a prevenção e o combate à corrupção a todos os níveis.  

Na leitura que fez ao diploma, aprovado pelos deputados, o Chefe de Estado considera que “a perspectiva apresentada pelo novo Código Penal pode não estar alinhada com a visão actual e transmitir uma mensagem equívoca quanto aos crimes cometidos no exercício de funções públicas”.

O Presidente da República refere, nomeadamente, que “os artigos 357º e seguintes, em particular os crimes de participação económica em negócio, tráfico de influências e corrupção no sector político, obedecendo às directrizes gerais da reforma da política criminal que influenciaram a sua feitura, paradoxalmente tendem a estabelecer sanções menos gravosas do que as previstas no Código Penal ainda vigente”.

O Presidente da República argumenta que “a prevenção do crime e a defesa preventiva de altos valores sociais” exigem que se transmita “à sociedade em geral, no plano legislativo, uma mensagem clara do comprometimento do Estado angolano, dos servidores públicos e de cada um dos seus cidadãos com o combate à corrupção, à impunidade e às demais manifestações ilícitas que integram o conceito de crime de ‘colarinho branco’”.

A outra razão que levou o Chefe de Estado a solicitar à Assembleia Nacional a reapreciação do Código Penal, segundo a nota, está relacionada com o Ambiente, domínio para o qual entende ser essencial a introdução de uma abordagem “suficientemente inibidora” para os crimes correspondentes.

Na carta, pode ler-se que “a defesa do Meio Ambiente – cada vez mais importante e necessária para o presente e o futuro do planeta, tanto para os seres humanos como para as demais espécies – pode também merecer um tratamento mais equilibrado entre a dimensão do dano, na maior parte das vezes colectivo, a responsabilização do agente e o potencial da reparação.

A abordagem que o Presidente da República defende para o novo Código Penal ajusta-se melhor – refere a carta – aos objectivos almejados pelo Acordo de Paris, que Angola se prepara para acolher na sua ordem jurídica, e a dinâmica internacional sobre a matéria. O Código Penal foi aprovado pela Assembleia Nacional em Janeiro de 2019.

Posição recomendável

O jurista Correia Bartolomeu considerou ontem que o Presidente da República tem poderes para verificar a constitucionalidade da lei que pretende promulgar e a sua conformação aos valores constantes da Constituição da República. Correia Bartolomeu entende que a posição do Chefe de Estado é "normal e, até, recomendável" solicitar ao órgão que elaborou o diploma, no âmbito da relação institucional, uma reflexão no sentido de reapreciar algumas disposições do diploma.

Para Correia Bartolomeu, o Chefe de Estado concluiu que os actos de corrupção têm que ser severamente punidos, porque a penalidade estabelecida no Código Penal submetida à promulgação "é muito branda". 

"O PR concluiu que as normas do artigo 357º e seguintes, relacionadas com os crimes de participação económica em negócio, tráfico de influência e corrupção no sector político deviam obedecer a um critério mais rigoroso, tendo em atenção o contexto actual, que visa uma maior moralização da sociedade", sublinhou.  http://jornaldeangola.sapo.ao/politica/pr-pede-a-assembleia-nacional-a-reapreciacao-do-novo-codigo-de-processo-penal

05- Futebol, BES e Isabel dos Santos na mira do hacker Rui Pinto.

Informático passa a denunciante e ganha nova vida. Descodificou ficheiros e forneceu elementos sobre milhões desviados ao erário público.

Tânia Laranjo01:30


06- PORTUGAL “REMAINS A HAVEN FOR A GREAT AMOUNT OF CORRUPTION”, SAYS LUANDA LEAKS HACKER RUI PINTO

Rui Pinto was thankful this Tuesday that the “arduous and long crossing of the desert” had come to an end, alluding to his release from prison, but he warned that “the struggle continues”, as Portugal “remains a haven for great corruption”.

“A big thanks to all those who have shown their support and solidarity since the first hour. But the struggle continues, because after almost two years, Portugal remains a haven for great corruption and money laundering. It is now more than ever that we need unity and resilience. Portugal has to change”, wrote the creator of the Football Leaks platform on his official Twitter account.

On Friday, Margarida Alves, president of the panel of judges who will rule on Pinto’s verdict, ordered the release of the defendant who was for security reasons inserted in a witness protection program, in a residence with police surveillance.

His trial will begin on September 4th for 90 crimes: 68 of undue access, 14 of violation of correspondence, six of illegitimate access and also for computer sabotage to Sporting's SAD and for attempted extortion of the Doyen investment fund. An average of three sessions per week are scheduled. Aníbal Pinto, Rui Pinto's former lawyer will also be tried for an extortion attempt of between 500,000 euros to one million euros to the Doyen investment fund, and is the second defendant in the lawsuit.

The trial will have only 10 seats available to the public, six of which will be for journalists and four for family members of the accused. In an order which press were able to access on Monday, Judge Alves recalls that, in addition to limiting the number of seats available in the courtroom, they add “their own limitations resulting from the contingency situation” due to the COVID pandemic, which "imposes a set of rules" regarding attending the trial.

The Public Ministry (MP) opposed Pinto’s release originally, but was justified by Judge Margarida Alves with the “continuous and consistent collaboration” with the Judiciary Police and the “critical sense” of the creator of the Football Leaks platform. In early June, the Lisbon Court of Appeal dismissed the appeal from the Public Prosecutor's Office (MP) and upheld the instructional decision, handed down on January 17, which brought to trial Pinto for 90 crimes, not the 147 that he had been originally accused of.

Back in September 2019, the Public Ministry had accused Rui Pinto of 147 crimes, 75 of which were illegitimate access, 70 of violation of correspondence, one of computer sabotage and one of extortion attempt, as well as for illegally accessing the computer systems of Sporting, Doyen, the PLMJ law firm, the Portuguese Football Federation and the Attorney General's Office (PGR).


Imagens:

01 – Ana Gomes – Luanda Leaks: Ana Gomes insta Portugal a adoptar leis europeias no meio “de furacão” – https://noticias.sapo.ao/actualidade/artigos/luanda-leaks-ana-gomes-insta-portugal-a-adoptar-leis-europeias-no-meio-de-furacao; PGR de Portugal investiga nova queixa de Ana Gomes contra Isabel dos Santos –

02- Ricardo Salgado condenado a pagar 1,8 milhões no caso BES Angola – https://mercado.co.ao/economia/ricardo-salgado-condenado-a-pagar-1-8-milhoes-no-caso-bes-angola-CC325657;

03- Eurojust confirma que Rui Pinto colabora com autoridades de três países – https://www.jn.pt/justica/eurojust-confirma-que-rui-pinto-colabora-com-autoridades-de-tres-paises-10752693.html.

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