#Escrito e publicado em português do Brasil
Bilionário e filantropo nascido
no país europeu completa 90 anos como protagonista de uma enxurrada de teorias
da conspiração e histórias inventadas e disseminadas pelo governo conservador
de Viktor Orbán.
Ele seria um dos donos ocultos do
mundo, financia uma rede global de cúmplices, que se chamam de jornalistas ou
ativistas dos direitos civis – mas que são, na realidade, seus agentes. Ele
também comandaria políticos importantes e influentes tal fantoches. Seu
objetivo seria roubar a identidade cultural e nacional de povos
inteiros, escravizar países e forçá-los à escravidão eterna.
O homem de que dizem tudo isso é
o bilionário e filantropo húngaro-americano George Soros, que faz 90 anos nesta
quarta-feira (12/08). Desde meados da década de 1980, ele gasta bilhões na
promoção da democracia e em projetos educacionais por meio das Open Society
Fundations (OSF), que fundou. E com isso fez muitos inimigos ao redor do
mundo.
As teorias da conspiração sobre
ele dificilmente valeriam a pena mencionar se fossem levantadas apenas por
obscuros extremistas de direita com um número limitado de seguidores. Mas as
alegações listadas acima vêm de ninguém menos que Viktor Orbán, chefe de
governo da Hungria, um país da União Europeia (UE).
E Orbán não está sozinho nisso.
Em quase todos os lugares da Europa Oriental, George Soros se tornou uma das
mais odiadas figuras nos últimos anos. Frequentemente, são os políticos do
governo que consideram Soros um inimigo. Por exemplo, os parceiros da coalizão
nacionalista do primeiro-ministro búlgaro, Boyko Borissov, estão atualmente
acusando o rico filantropo de organizar protestos nacionais contra o governo do
país.
No entanto, nenhum político vai
tão longe quanto Orbán em suas acusações. Em junho, por exemplo, o
primeiro-ministro húngaro enfatizou em uma de suas entrevistas semanais à
emissora pública aliada ao governo Kossuth-Rádió que ele não é alguém que
suspeita de conspirações em toda parte – mas que elas existem, como no caso de
Soros contra a Hungria.
As pesquisas de opinião na
Hungria mostram como as narrativas sobre Soros encontram eco na população. A
grande maioria das pessoas no país vê o bilionário do mercado de ações como uma
figura totalmente negativa que exerce uma influência prejudicial. E muitos
húngaros acreditam em histórias comprovadamente falsas inventadas sobre Soros.
Antes das eleições parlamentares
húngaras de 2018, cerca de dois terços dos eleitores estavam convencidos de que
o bilionário concorreria num partido com o seu nome – embora esse partido não
exista e Soros nunca tenha participado de uma eleição húngara ou mesmo feito
campanha na Hungria.
Colaborador nazista?
George Soros nasceu em Budapeste
em 12 de agosto de 1930, filho de ricos pais judeus. Sua família sobreviveu ao
Holocausto usando documentos falsos e às vezes se escondendo. A mídia húngara
próxima ao governo relata repetidamente sobre o "especulador que colaborou
com os nazistas" e que prejudicou ou enganou outros judeus.
Na verdade, Soros era um
adolescente de 14 anos na época em questão. Por algum tempo, ele só conseguiu
sobreviver disfarçado de afilhado de um funcionário do Ministério da
Agricultura que, entre outras coisas, inventariava e confiscava propriedades
judias. O próprio Soros relatou isso em uma entrevista à CBS em 1998 –
entretanto, ele não diz na entrevista que tenha ajudado de alguma forma aquele
homem; ele afirma que era uma criança que só se preocupava em sobreviver.
No entanto, a narrativa sobre o
colaborador nazista persiste em círculos ligados ao governo húngaro – ela
remonta ao teórico da conspiração extremista de direita alemão Andreas von
Rétyi, cujo livro sobre Soros foi publicado em 2016 na Hungria por uma editora
afiliada ao governo.
Especulador que mergulha milhões
na miséria?
Soros foi um dos inventores de
estratégias de investimento de alto risco há mais de meio século. Seu maior
sucesso, que o tornou famoso em todo o mundo, foi a especulação cambial contra
a libra esterlina, por meio da qual uma empresa que administrava faturou quase
um bilhão de dólares em muito pouco tempo em 1992. É por isso que Soros é
considerado na Hungria, também por Orbán, um especulador que mergulhou milhões
de pessoas na miséria.
Na verdade, o crash da
libra esterlina em 16 de setembro de 1992 tem uma história complexa que criou
discrepâncias políticas, sociais e econômicas muito antes de Soros e outros
investidores ganharem dinheiro com isso. De lá para cá, o próprio Soros
tornou-se um dos maiores críticos do capitalismo financeiro moderno e de seus
excessos e clama por uma regulamentação estrita dos mercados financeiros.
Esquizofrenia?
Muitos críticos o acusam de
esquizofrenia, já que continuou ganhando bilhões como investidor até sua
aposentadoria privada. Também houve críticas de que os fundos com os quais
Soros trabalha estão registrados em paraísos fiscais ou que ele não segue uma
estratégia de investimento mais sustentável, como o fundo estatal norueguês.
Ao mesmo tempo, Soros doou a
maior parte de sua riqueza privada para suas fundações. Um de seus lemas é
"gosto de ganhar muito dinheiro e depois gastá-lo em boas causas".
Soros apoia a oposição
anticomunista na Hungria desde meados da década de 1980, quando fundou a
primeira de suas OSF. Hoje, as fundações para a promoção da sociedade aberta
estão ativas em todo o mundo, principalmente nas áreas de promoção da
democracia, direitos humanos, educação e saúde, no total, elas gastaram cerca
de 15 bilhões de dólares até agora.
Pelo fato de as OSF também
apoiarem inúmeras organizações não governamentais e de direitos civis que estão
empenhadas em controlar governos e apontar abusos na área social, muitos
governantes se referem a Soros como um líder oculto que comanda sua "rede
de agentes" e ataca governos. Esta é também a narrativa de Orbán, que já
foi ele mesmo um beneficiário de bolsas financiadas por Soros, como a maioria
de seus amigos de partido dos primeiros tempos do Fidesz.
No entanto, a "rede
Soros" é uma invenção. Quase não existem organizações não governamentais
na Hungria que sejam financiadas exclusivamente pelas OSF. Não há
obrigatoriedade de prestação de conta política ou ideológica dos favorecidos
por doações em relação a Soros ou a suas fundações. As próprias OSF são
descritas por especialistas e conhecedores do cenário de ONGs como umas das
mais transparentes fundações de grande porte.
Plano de troca populacional na
Europa?
Desde a crise dos refugiados no
outono de 2015, o governo húngaro afirma que Soros queria levar milhões de
refugiados muçulmanos para a Europa e que estava planejando um intercâmbio
populacional. O primeiro-ministro Orbán chama isso de "Plano Soros".
As alegações são baseadas
principalmente em um artigo do próprio Soros sobre a crise migratória de
setembro de 2015, no qual ele pede, entre outras coisas, uma admissão ordenada
e bem distribuída de um milhão de refugiados por ano. Posteriormente, ele
revisou esse número para 300 mil por ano e também pediu uma melhor proteção das
fronteiras externas da UE – isso é algo também exigido por Orbán.
Os detalhes do "Plano
Soros", que o governo de Orbán apresenta repetidamente, são simplesmente
falsos: penas mais brandas para migrantes criminosos, dezenas de milhares de
euros em assistência social para refugiados ou o reassentamento forçado de
migrantes em toda a Europa – todas essas são propostas que Soros nunca fez.
Keno Verseck (md) | DeutscheWelle
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