#Escrito e publicado em português
do Brasil
A eleição que reelegeu Alexander
Lukashenko foi uma farsa, mas a sociedade civil saiu vencedora em Belarus. Protestos
em Minsk indicam que o tempo do ditador pode estar se esgotando.
As ditaduras vivem de mentiras.
Elas censuram a mídia, controlam a comunicação de seus cidadãos e manipulam
eleições de forma sistemática e descarada. Quando a trama de mentiras se
desmorona, toda a estrutura do regime autocrático começa a cambalear.
Foi exatamente isso que aconteceu
neste domingo (09/08) de eleições em Belarus. Há 26 anos,
Alexander Lukashenko está à frente do país que se formou como um jovem
Estado-nação depois do colapso da União Soviética. Por quanto tempo Lukashenko
continuará liderando o país é uma questão urgente, mesmo que agora ele possa
reivindicar novamente uma vitória eleitoral com mais de 80% dos votos.
Especialmente em seu próprio país, ninguém jamais acreditou nos resultados
eleitorais do longevo ditador. Mas, agora, os cidadãos de Belarus estão se
levantando contra a fraude nas eleições e tomando as ruas aos milhares.
O aparelho repressivo funciona:
Belarus tem um dos sistemas de controle e repressão mais rigorosos do mundo. É
bem possível que o governo de Lukashenko sobreviva à crise imediata após as
eleições e que tiros, cassetetes de borracha e a censura da internet façam
sua parte para manter, por enquanto, o ditador no palácio presidencial
em Minsk.
Mas os apelos por uma mudança de
poder em Belarus não silenciarão. E nas estruturas de poder e nos níveis
de comando das Forças Armadas, os comandantes entenderam bem que a situação
atual dificilmente pode seguir assim. Seu líder supremo perdeu
visivelmente o senso de realidade e a sensibilidade política. Lukashenko ficou
cada vez mais nervoso e agressivo nesta campanha eleitoral, que coincidiu com o
auge da pandemia do novo coronavírus.
E foi exatamente aí
que Lukashenko falhou: o ex-diretor de Kolkhoz [fazendas coletivas da
ex-União Soviética], que sempre se apresentava como um zelador rigoroso, mas
onipresente, de repente passou a não se importar mais. Enquanto em toda a
Europa a vida econômica e pública parou, enquanto todos os países vizinhos
sofreram com o fechamento de fronteiras para evitar o pior, Lukashenko negou o
vírus com uma mistura de ingenuidade e arrogância. A sociedade, acostumada ao
domínio paternalista durante décadas, perdeu em pouco tempo – dependendo do
ponto de vista – o medo ou o respeito por um imperador que não estava apenas
nu, mas que, para piorar a situação, logo foi ele mesmo infectado pelo
coronavírus.
No momento, não está totalmente
claro como as coisas seguirão em Belarus. Mas já há lições a serem aprendidas: a
União Europeia deve reorientar sua política de sanções contra o regime e
atingir duramente os responsáveis pelas fraudes e ataques brutais feitos pelo
poder estatal. Ao mesmo tempo, ela deve estender a mão à sociedade civil
bielorrussa, a essas pessoas profundamente instruídas e orientadas para o
Ocidente – de forma ainda mais determinada e enérgica e ainda mais visível
do que antes. A quem negocia bem com a China também deve ocorrer algo
razoável em relação a Belarus.
A União Europeia está se
definindo cada vez mais como um ator "geopolítico". Uma olhada no
mapa é suficiente para entender o desafio que isso representa: a Rússia, o
poderoso vizinho de Belarus, é economicamente dominante, onipresente em termos
de política de segurança e exerce influência política. Até agora, a Rússia tem
se saído muito bem com Belarus independente. Lukashenko era um parceiro
desconfortável, mas, no fim das contas, administrável para o Kremlin. No
espelho distorcido bielorrusso, a Rússia e as relações pareciam
comparativamente boas. Mas o que acontece se Lukashenko não for mais um
parceiro, se ele estiver em perigo de ser substituído por um governo que
levará o país para a região a qual ele pertence – para a Europa?
Em Moscou, os cenários para esse
caso provavelmente já estão nas gavetas do Exército e dos serviços secretos. E,
portanto, já existe uma trágica ironia no fato de que Lukashenko poderia estar
certo em um ponto: o ditador, que durante décadas mentiu e enganou o seu povo,
advertiu durante a campanha eleitoral para o perigo de o país ser incorporado
pela Rússia e que sua queda também poderia significar o fim da independência de
Belarus.
Os cidadãos de Belarus superaram
o medo e a apatia, se levantaram contra a opressão e a vigilância. Contra todas
as probabilidades, Svetlana Tikhanovskaya e suas aliadas alcançaram algo que
parecia completamente impensável há apenas algumas semanas: elas mostraram
para Lukashenko e sua estrutura de poder que poderiam ser uma
alternativa civil – do centro da sociedade bielorrussa e sem qualquer
ajuda ou influência externa.
Esta também é uma das lições
aprendidas com o que está acontecendo em Belarus: a agitação política está
vindo de dentro. Essa percepção desmente todos aqueles que afirmam que as
convulsões democráticas no espaço pós-soviético foram controladas por agentes
estrangeiros. Também essa verdade sobre a noite de eleições em Minsk será lida
com muito cuidado em Moscou.
Christian Trippe | Deutsche
Welle | opinião
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