Comunidade guineense volta à rua
este sábado (22.08), em Lisboa, para manifestar o seu desalento e condenar
aquilo que considera ser "um golpe de Estado na Guiné-Bissau". Protestantes
condenam "atropelos à Constituição".
A diáspora guineense espalhada
por vários países europeus manifesta-se esta tarde na capital portuguesa para
condenar, "de forma veemente", os atropelos à Constituição,
nomeadamente os "fortes ataques às liberdades fundamentais", engendrados
pela governação do autoproclamado Presidente da República da Guiné-Bissau,
Umaro Sissoco Embaló, apadrinhado pela Comunidade Económica dos Estados da
África Ocidental (CEDEAO).
Mariano Quade, um dos
coordenadores desta mobilização, aponta o dedo à postura do atual Chefe de
Estado, a quem os guineenses descontentes atribuem a responsabilidade pelo
"retrocesso democrático" no país, limitando, entre outros, valores
como a liberdade de expressão e o direito à informação. Prova disso, acrescenta
em entrevista à DW África, é que, neste momento, "não há direito à
oposição".
Declaradamente, considera que o
país vive num ambiente de ditadura, uma vez que o autoproclamado Presidente diz
ser ele o único chefe. "Isso só por si diz que ele é um absolutista, uma
pessoa que quer concentrar todos os poderes e que não sabe conviver com as
regras democráticas", acusa.
"Neste sentido, nós
condenamos veementemente este tipo de postura porque consideramos que este é um
retrocesso democrático [para a Guiné-Bissau]", afirma Quade, pouco antes
do comício que, esta tarde, conta com a presença pessoal de Domingos Simões
Pereira, líder do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde
(PAIGC).
Corrente de protestos alarga-se
cada vez mais
Lina Banora Ramos tem a vida
organizada em Portugal.
Mãe de dois filhos, ela é o retrato evidente de um elemento
da comunidade preocupado com a situação no país natal, de onde saiu
forçosamente há 25 anos por causa da crise político-militar de 1998. A imigrante faz parte
dos muitos guineenses indignados, desiludidos e revoltados que, em países como
Portugal, Alemanha, França, Espanha, Bélgica, Luxemburgo, Reino Unido e Estados
Unidos, têm aderido a esta corrente de protesto face ao estado de degradação da
vida política e da crise económica e social na Guiné-Bissau.
Lina Ramos reafirma, em
declarações à DW África, que veio à manifestação expressar o seu
descontentamento, tal é o estado de espírito de muitos guineenses presentes
aqui na Alameda. "Incomoda-me a situação que lá se vive e que tende a
piorar", lamenta, reafirmando que "muita gente está descontente"
não só com a situação política.
A cidadã guineense recua no
tempo, revendo os acontecimentos que mancharam a imagem da Guiné-Bissau, para
afirmar que o país chegou a este ponto também por culpa dos próprios guineenses
que, na sua opinião, votaram erradamente. "Hoje em dia, não há liberdade
de expressão, as leis são inoperantes, só estão no papel, não funcionam; não há
punições e, em consequência disso, há violação da Constituição, como se
estivéssemos a viver numa anarquia", enumera insatisfeita.
A propósito de direitos e de
liberdade, Lina Ramos considera "uma tamanha barbaridade" a decisão
de Umaro Sissoco Embaló de monitorizar o acesso dos cidadãos guineenses às
novas tecnologias de informação e de comunicação. "Acho que as redes
sociais são tão importantes, tal como a nossa respiração, para sabermos o que
se passa no mundo e ao nosso redor", enaltece, para depois criticar a
polémica decisão presidencial que prevê o controlo das comunicações na
Guiné-Bissau.
Por estas e outras razões, a
imigrante guineense não tem dúvidas que está a crescer o movimento de cidadãos
descontentes, não só em Portugal. "Atualmente, há um crescendo da revolta
das pessoas. De pessoas que não têm medo de falar ou dizer o que sentem",
confirma.
Apelo à comunidade Internacional
A organização critica a
CEDEAO que, não condenando as ilegalidades cometidas pelo Presidente Umaro
Sissoco Embaló, procura legitimá-las, apadrinhando uma situação de golpe de
Estado. "Isso tem sido uma grande afronta e bastante negativo para a
imagem da CEDEAO", reforça Mariano Quade. "A própria CEDEAO",
recorda, "tinha declarado tolerância zero a golpes de Estado e não
compreendemos como é que no caso da Guiné-Bissau se procura legitimar essa
situação, legitimando o atual autoproclamado Presidente".
Os guineenses saíram uma vez mais
à rua, em Portugal, porque dizem não ser coniventes com a atual situação. Por
isso, renovam o apelo à comunidade internacional para que esta reaja e tome uma
posição, de modo a se repor a legalidade na Guiné-Bissau. Acreditam que, tarde
ou cedo, será assim possível, em defesa da Constituição e das regras da
convivência democrática.
"A nossa luta não tem um
prazo. Ela é contínua enquanto se mantiver esta situação de ilegalidade",
afirma Quade, que invoca o golpe de Estado ocorrido esta semana no Mali. Para
este quadro guineense, abriu-se um precedente na Guiné-Bissau.
"Quando a CEDEAO fecha os
olhos a uma situação de golpe de Estado na Guiné-Bissau, naturalmente que abre
as portas para que outros países também se sintam à vontade para atropelar
aquilo que são as regras democráticas e a Constituição», exemplifica.
Acrescenta ser esta uma prova clara de que o precedente aberto pela CEDEAO
"vai trazer uma imagem bastante prejudicial e uma instabilidade bem maior
para toda a região".
Enquanto se mantiver este clima
de instabilidade, Lina Ramos assegura que vai continuar a protestar, porque o
país precisa de uma "mudança". Garante que os guineenses não vão
"baixar os braços" até "que as coisas mudem". Insiste, com
olhar de determinação: "temos que fazer alguma coisa, temos que
lutar".
PAIGC também critica CEDEAO
Numa nota divulgada esta sexta-feira
(21.08), um dia após a CEDEAO se ter congratulado com a aprovação do
programa de Governo pelo parlamento da Guiné-Bissau, o PAIGC
condenou a posição da organização regional por "insistir" em
tentar "legitimar" o executivo de Nuno Nabiam.
O PAIGC "condena com firmeza
a posição da CEDEAO ao caucionar um golpe de Estado e reconhecer um Governo
imposto pelo uso da força, minando dessa forma as condições de diálogo com
vista à resolução definitiva da crise pós-eleitoral na Guiné-Bissau",
referiu, em comunicado.
O partido denunciou também a
"tentativa de alguns chefes de Estado de alguns países membros da CEDEAO
em impor a sua agenda na Guiné-Bissau contra os interesses do povo
guineense" e alertou para os "perigos de reconhecimento de um poder
conquistado pela força e baseado na repressão e violência e que não oferece
nenhuma perspetiva de consolidação da paz e de estabilidade política".
No mesmo documento, o PAIGC
denuncia igualmente violações "sistemáticas" dos direitos humanos,
"repressão e violência contra cidadãos indefesos" e perseguição a
membros do Governo liderado por Aristides Gomes e volta a apelar à
comunidade internacional para "promover esforços concertados" para
assegurar o "restabelecimento da ordem constitucional e a garantir a
estabilidade política na Guiné-Bissau".
João Carlos (Lisboa) | Deutsche
Welle
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