quarta-feira, 26 de agosto de 2020

Moçambique | "Não é queimando redações que se acaba com a imprensa crítica"


Jornalistas da imprensa privada moçambicana reconhecem que segurança nas redações é um desafio constante, mas garantem que não se deixarão calar por ameaças. Sindicato recorda obrigação do Estado.

Os jornais privados críticos do Governo de Moçambique sentem que devem reforçar a segurança das suas redações depois do incêndio nas instalações do semanário Canal de Moçambique, no domingo (23.08).

O editor do semanário Zambeze, Egídio Plácido, considera que o incêndio foi criminoso. Mas os jornalistas moçambicanos não se deixarão intimidar, afirma: "Terão que matar todos nós. Se não o fizerem, claramente podem queimar as redações que quiserem, mas vamos continuar a produzir", garante.

"Os computadores existem, há outras saídas. As ideias estão nas nossas cabeças, estão nos documentos, nas nossas investigações e não é queimando redações que se pode acabar com a imprensa crítica do Estado moçambicano", dispara.




Segurança é desafio constante

O editor do Zambeze reconhece que a segurança não é boa nas redações e considera que as condições mínimas devem ser criadas.

"É muito difícil esta questão em concreto, porque estamos vulneráveis - não temos capacidades de ir buscar grandes empresas privadas para nos defenderem. Teríamos que confiar na sorte e confiar no pouco que temos para garantir a nossa segurança", diz.

Fernando Lima, presidente da Mediacoop - uma sociedade que suporta o semanário Savana e o diário Mediafax - entende que todos os jornais que lidam com assuntos delicados estão preparados para eventuais atentados.

"Qualquer pessoa que trabalha em assuntos de risco, hoje em dia, toma o mínimo de precauções. Qualquer órgão que leva a sério o seu trabalho está protegido para estas situações", avalia.

Riscos e ameaças

Algumas publicações privadas não têm dispositivos de segurança capazes de deter atos de sabotagem e ameaças, mas Fernando Lima garante que a empresa que dirige toma alguns cuidados.

"Estamos minimamente preparados para enfrentar situações de fogo posto, outro tipo de curto-circuito, cortes forçados de energia, atentados e ameaças contra os editores são questões pelas quais já passámos e, aquelas situações pelas quais ainda não passámos, estamos pelo menos psicologicamente preparados", declara.

Fernando Lima lamenta o facto de existirem pessoas "bem identificadas" que usam as redes sociais para ameaçar jornalistas: "Os cachorros estão à solta e, todos os dias, lançam ataques e ameaças verbais através das redes sociais", revela o presidente da Mediacoop .

Garantir a segurança, obrigação do Estado

O secretário-geral do Sindicato Nacional dos Jornalistas, Eduardo Constantino, reitera que o Estado também deve garantir a segurança dos profissionais da comunicação social.

"O país tem autoridades competentes e confiadas a realizar essa tarefa e é a essa autoridade que temos estado sempre a pedir", afirma.

Jornalistas e ativistas estão a aorganizar uma angariação de fundos para o Canal de Moçambique.


"Fazemos este movimento de solidariedade porque pensamos que não se pode matar a nossa democracia calando a imprensa e cada um de nós tem obrigação de lutar pela continuidade das liberdades individuais de expressão e imprensa, que são garantias constitucionais”, disse à agência noticiosa Lusa a coordenadora da iniciativa, Elisa Comé.

A campanha Juntos pelo Canal está a ser divulgada através das redes sociais e destina-se a apoiar a reposição do material necessário para o funcionamento da redação do semanário, que recorreu ao pátio do seu edifício para garantir os serviços mínimos

A redação, localizada no centro de Maputo, ficou destruída, após desconhecidos terem ateado fogo na noite de domingo. O sucedido foi condenado por várias instituições e personalidades, nacionais e internacionais, incluindo o presidente Nyusi e a delegação da União Europeia em Moçambique.

Romeu da Silva (Maputo), Lusa | Deutsche Welle

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