#Publicado em português do Brasil
Palestina, Caxemira e outros
espaços que o poder global quer esconder são quase apagados, nos mapas da
gigante da internet. Em seu lugar, um leve tracejado, sinal de que podem
desaparecer. Há alternativa: o OpenStreetMap, plataforma livre
Antônio Heleno Caldas
Laranjeira | Outras Palavras
Afinal, é possível produzir mapas
que representem todos os lugares com equidade? Para responder essa questão
contemporânea, o sociólogo português, Boaventura de Souza Santos, em seu artigo Uma
cartografia simbólica das representações sociais: prolegômenos a uma concepção
pós-moderna do direito, de 1988, já sinalizava, sobre a relevância da
espacialidade na interpretação temporal e o papel dos mapas para o direito
histórico aos territórios, e aponta.
Em síntese, três aspectos para
investigação crítica a partir de uma cartografia. A escala, a planificação
e a simbolização são os três recursos-chave para o funcionamento dos mapas
que utilizamos via Internet, e que, por vezes, levam o usuário do mapa à
refletir sobre os critérios de relevância e as regulações que garantem a
organização das informações que ele acessa sem reconhecer quem produz os mapas
utilizados.
Afinal, quando falamos em mapas
para todos precisamos também perguntar: Quem são “todos”? Usuários ou
produtores de mapas? Quais são os mapas que representam “todos” por “todos”? Google Maps ou OpenStreetMap?
O Google Maps é uma
plataforma — um site que reúne dados e permite operações online — de
uma empresa hegemônica (holding) nas práticas de geocomunicação, formada por
uma complexa trama de incorporações de empresas (subsidiárias), um dos produtos
mais evoluídos da Indústria das Mídias, lançado em 2005.
Isso porque, diferentes
inovações, no âmbito das operações de produção e circulação — como
o Local Guides e o StreetView — tem
sido marcada pelas apropriações sociotécnicas de geotecnologias a partir da “geospacial
web” (ou geoweb), ambiente digital decorrente da convergência da
interatividade da web 2.0 com as frequências de GPS (Geographic Positioning
System) e a base de dados de GIS (Geographic Information System).
Mapa 3 - ver em Outras Palavras
O OpenStreetMap também
é uma plataforma, criada para servir às práticas alternativas de
geocomunicação. A distinção elementar do OpenStreetMap, lançado em 2004, é que
este não tem fins lucrativos, é um projeto colaborativo mantido por doações e
realizado por voluntários. Neste modelo de negócio, novas modalidades de
economia das redes digitais entram em cena, em conflito com o monopólio das
organizações com fins lucrativos, como a Google Inc.
Considera-se que as plataformas
de mapas online são ultracolaborativas (pois permitem colaborações em massa
e/ou em rede), hipervisuais (pois permitem visualizações por escalas
gráficas diversas, do zoom micro ao zoom macro) e multiterritoriais (por
permitirem territorializações pelo conhecimento e pelo reconhecimento, do senso
de “estar na cidade” e “ser da cidade”). Estas “dicotomias tricotomizadas” (nos
termos de Henri Lefebvre) conduzem ao “paradigma das geocomunicações”.
Esse paradigma fundamenta-se no
pressuposto de “quem necessita do mapa”. Apesar da globalização dos
mapas com a Internet, são os sujeitos habitantes que, por sua vivência e
percepções, possuem maiores e melhores condições de comunicabilidade de
localizações e trajetos na representação cartográfica de um território. Isto é,
de fornecer informações espaciais a um sistema de geocomunicação (uma das
plataformas de mapas online), de modo a suprir a demanda de sujeitos
estrangeiros, que não partilham com os habitantes os referenciais de
pertencimento à paisagem visual e/ou sonora deste território.
O ato de “empoderar” habitantes
no processo de colaboração, na produção de mapas de um território, concebe
outras representações para além das colaborações de visitantes, conforme o
“paradigma das geocomunicações”, para o qual as três dimensões do espaço
(vivido, percebido e concebido) “constituem uma unidade dialética
contraditória”.
É um(a) habitante, dotado da
liberdade de comunicação virtual que deve consentir, entre usar e aprimorar
mapas sob a licença do OpenStreetMap ou do Google Maps, ou seja, consentir
sobre qual mapeamento melhor representa a realidade do seu espaço vivido: com
base na ação cartográfica ou na atividade cartográfica.
Em síntese, afirmamos que ocupar
o corpo na ação colaborativa de mapeamento representa um gesto político, se reconhecermos
que o direito à cidade é o direito ao mapa: como propõe Boaventura de Souza
Santos, os mapas são simbolicamente os “prolegômenos do direito”.
O que visualizamos e porque
visibilizamos
Desde o advento das plataformas,
como Google Maps e OpenStreetMap, pesquisas estimam que consumimos mais mapas
em 24 horas que foram consumidos mapas em 2000 anos desde a criação da
Cartografia.
A constatação da aceleração da
produção e do consumo dos mapas esconde questões profundas da atualidade em
relação às guerras pelo direito ao território. A questão sobre quem faz e quem
usa o mapa é preliminar para pensarmos na representação mais justa de um
território.
Incorremos na netnografia no
ambiente das plataformas de mapas online (ou “geoweb”, abreviatura do termo técnico
“geoespacial web 2.0” )
para explicarmos porque o Google Maps não reconhece a Palestina na sua base de
dados e porque é plenamente possível visualizar via OpenStreetMap a diferença
entre os territórios de Israel e Palestina através de fronteiras (na cor
laranja).
Mapa 4 - ver em Outras Palavras
Se observarmos o mapa da
plataforma livre (figura à esquerda), produzido por voluntários, podemos
visualizar as ocupações militares dos territórios do mundo: são zonas em
vermelho e tracejado na diagonal dispostas nas fronteiras ao sul de Israel e ao
leste da Palestina. A Faixa de Gaza é a maior zona de conflito por que fica
desanexada do centro de poder e aproximada de uma zona litorânea com uma zona
militar ao sudoeste, na fronteira com o Egito,estado
aliado de Israel.
Para a plataforma proprietária de
mapas (figura à direita), a “Palestina” é uma área delimitada por um tracejado
em relação às fronteiras de Israel; com destaque para a Faixa de Gaza descrita
como equivalente à Cisjordânia, o que é geopoliticamente
incompatível.
O “tracejado” é considerado
tecnicamente como um recurso gráfico também utilizado em outros casos pelo
Google Maps, como os estados de Jamu e Caxemira,
ao norte do Nepal, em relação aos territórios hegemônicos da China e da Índia.
Na geopolítica, são essas
“porosidades simbólicas” das linhas das fronteiras as “brechas materiais” para
a forte entrada de tecnologias e de ideologias bélicas neste caso do Oriente
Médio. Observar os detalhes dos mapas é necessário para um leitura radicalmente
humanitária sobre a verdade e justiça dos discursos que eles circulam
mundialmente.
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